Polêmica - STF liberta réus acusados de crimes graves


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
13/02/2009



13-2-2009 - SINAIT


 


A decisão do Supremo Tribunal Federal - STF tomada na semana passada de que réus podem recorrer em liberdade até que haja sentença definitiva tem suscitado um debate acalorado na sociedade e entre juristas. Veículos de comunicação e sites especializados trazem a discussão estampada em artigos que, em sua maioria, consideram a decisão do STF temerária.


Os efeitos da decisão já começam a ser sentidos. Ontem (12) o STF concedeu liberdade a cinco pessoas que cometeram crimes graves, como tentativa de estupro. Especialistas preveem grande aumento do número de recursos com pedidos dessa natureza, abarrotando o STF. As conseqüências dessa decisão ainda são uma incógnita e somente poderão ser avaliadas daqui a algum tempo.


 


Veja matéria de O Globo sobre a soltura de réus e um artigo sobre a decisão do STF.


 


 


13-2-2009 - O Globo


STF AGORA SOLTA RÉUS DE CASOS DE ESTUPRO, ROUBO E ESTELIONATO


CONDENADOS, MAS EM LIBERDADE


STF manda soltar cinco presos que cumpriam pena em casos de estupro, estelionato e roubo


 Carolina Brígido


 
O Supremo Tribunal Federal mandou soltar cinco presos que, mesmo condenados por crimes graves, vão recorrer da sentença. De uma só vez, foram beneficiados um condenado por tentativa de estupro, um estelionatário, um ladrão e dois acusados por apropriação de bens e rendas públicas. É o desdobramento de decisão do STF da semana passada, segundo a qual têm direito à liberdade presos cuja condenação não transitou em julgado, ou seja, admite recurso. Como na primeira votação; o resultado foi 8 a 2. De novo, só os ministros Ellen Gracie e Joaquim Barbosa votaram contra, por entender que, em alguns crimes graves, o réu não merece recorrer em liberdade. Dos cinco beneficiados, quatro estavam soltos por liminar.
Julgamentos se arrastam no STF devido ao abuso de um recurso legal: o pedido de vista. Alguns ministros pedem vista e demoram até dois anos com um processo.


O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou ontem a imediata libertação de cinco presos que, apesar de terem sido condenados por crimes graves, ainda têm o direito de recorrer da sentença. De uma só vez, foram postos na rua um homem condenado a quatro anos de prisão por tentativa de estupro no Rio de Janeiro; um estelionatário condenado a quatro anos e meio por ter praticado o crime de forma continuada; um ladrão que cumpria pena de sete anos e meio por roubo qualificado; e dois réus sentenciados por apropriação de bens e rendas públicas (um cumpria pena de quatro anos de prisão e o outro, de três).
Os julgamentos foram realizados de forma breve, com base em uma decisão da semana passada, na qual os ministros estabeleceram que o réu tem direito de liberdade até que o caso tramite em julgado - ou seja, até que não haja mais possibilidade de apresentar recurso judicial à pena. As decisões foram tomadas por oito votos a dois. Os min istros Ellen Gracie e Joaquim Barbosa foram os únicos que discordaram da tese e votaram contra a libertação dos presos, por entender que, em alguns casos de crimes graves, o réu não merece recorrer em liberdade.

Dois votos em nome da "coesão do tribunal"
Com exceção do condenado por roubo qualificado, os outros já tinham sido soltos por liminar dada pelo ministro Ricardo Lewandowski. A decisão foi confirmada ontem em plenário. O réu que ainda estava preso teve um pedido de liminar recusado pela relatora, ministra Cármen Lúcia. Ela é contrária à libertação de presos só porque eles podem recorrer da decisão. No entanto, como a maioria dos ministros defendeu a tese, mudou de posição, ontem, "em nome da coesão do tribunal" -  embora tenha apresentado uma ressalva com sua opinião. O ministro Menezes Direito, que também tinha votado contra o benefício semana passada, fez a mesma ponderação de Carmem Lúcia ontem e vo tou a favor.
Segundo Lewandowski, relator de quatro habeas corpus, um preso que ainda está recorrendo judicialmente não pode ser beneficiado com a progressão do regime - como, por exemplo, trocar o regime fechado pelo semiaberto, ou pleitear o direito de estudar ou de trabalhar enquanto estiver cumprindo a pena. Ele citou o exemplo do preso condenado por estelionato. A sentença determinava o regime semiaberto, mas como ele ainda estava recorrendo, era obrigado a cumprir a pena em regime fechado, sem direito a nenhum benefício.
- É uma flagrante ilegalidade. Se ele ficasse preso processualmente, não teria direito a nenhum benefício prisional. Numa prisão processual, ele ficaria preso em regime fechado até o cumprimento de sua pena - disse Lewandowski.
- É uma pena exacerbada - concordou Ayres Britto.
O ministro Marco Aurélio Mello lembrou que o STF já reconhece o direito de presos nessa situação. Esse direito, entretanto, não é automá tico: o interessado teria de pedir a progressão do regime ao tribunal e esperar o julgamento.

No STJ, ministros mantiveram réu preso
Na sessão de ontem, os ministros não transformaram em súmula vinculante o entendimento sobre presos que ainda podem recorrer da sentença. Se tivessem aprovado a súmula, ações semelhantes que chegassem ao tribunal não precisariam ser examinadas caso a caso; o direito já seria garantido e aprovado automaticamente. Os ministros concordaram em julgar individualmente casos como esses, sempre a favor da libertação, sem a necessidade de levar ao plenário para o conhecimento dos demais ministros. Apenas Marco Aurélio discordou:
- Continuo acreditando que cada qual deve formar convicção. Nós não devemos colocar o julgador numa camisa-de-força, compelindo-o a decidir em determinado sentido. Continuarei decidindo conforme minha ciência e consciência.
Gutemberg Xavier Alves, condenado por tentativa de estupro, teve o habeas corpus negado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em maio de 2007. No despacho, o relator, ministro Felix Fischer, escreveu que uma condenação confirmada por tribunal de segunda instância - no caso, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro - só é passível de recurso extraordinário, "razão pela qual se afigura legítima a execução de pena privativa de liberdade antes do trânsito em julgado da respectiva condenação".
A ministra Laurita Vaz, do STJ, é outra opositora da tese do STF. Ao negar habeas corpus a Orides Zanardi, condenado por apropriar-se de bens e rendas públicas, escreveu: "Este STJ firmou entendimento de que a execução provisória do julgado constitui mero efeito da condenação, não se cogitando de qualquer violação ao princípio do estado presumido de inocência


 


 


 


13-2-2009 - Estado de Minas (MG)


OPINIÃO - Aumenta a certeza da impunidade


Felipe Gustavo Gonçalves Caires - Promotor de Justiça em Montes Claros - MG


 


O Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria de votos, decidiu que acusado condenado pela segunda instância só deve ser preso depois de condenação confirmada pela quarta e última instância. Referida decisão não precisa ser seguida pelos magistrados do país. Porém, caso algum tribunal inferior a contrarie, basta o "prejudicado" impetrar habeas corpus ao STF para continuar solto. A decisão também possibilitará que milhares de presos, já condenados em segunda instância, mesmo que confessos, mas com recursos pendentes de julgamento, sejam colocados imediatamente em liberdade até que a instância final aprecie seus recursos. Assim, se alguém matar ou roubar alguém de sua família, ou desviar recursos públicos, caso não seja preso em flagrante, e ainda que confesse o crime, em regra apenas será preso depois de sua condenação ser confirmada pela quarta instância, na melhor das hipóteses 10 anos depois, porque na quarta instância só há 11 juízes para todo o Brasil, e, mesmo assim, será preso apenas se o crime não houver prescrito.
Nem se diga que nem tudo está perdido porque o STF continuou admitindo a prisão preventiva para os condenados pela segunda instância. Ocorre que raramente será cabível prisão preventiva de tais condenados. Afinal, a instrução processual já acabou. Por que fugir com uma perspectiva tão distante de julgamento definitivo e tão próxima da prescrição? E o STF acha que a liberdade de condenados por crimes graves não ameaça a ordem pública, mesmo aumentando o sentimento de impunidade e de descrença nas instituições.
Entendeu o STF que a prisão na pendência de recurso ainda não julgado pela instância final, mesmo já existindo condenação confirmada pela segunda instância, feriria a chamada "presunção de inocência" consagrada no artigo 5º, LVII da Constituição. Um argumento simplista e inconsequente, com todas as vênias, c omo se a presunção de inocência fosse absoluta e significasse impossibilidade de prender antes de apreciados todos os recursos (trânsito em julgado). Ora, se referida presunção fosse absoluta, ninguém poderia ser preso em flagrante, como autoriza a Constituição (artigo 5º, LXI), porque quando se prende em flagrante ainda não houve processo ou mesmo julgamento, nem sequer na primeira instância, muito menos trânsito em julgado. Ainda, se fosse absoluta, pela mesma razão ninguém poderia ser preso temporária ou preventivamente. Aliás, se fosse absoluta mesmo, ninguém jamais seria preso, porque não existe prazo para manejo da chamada revisão criminal em favor do condenado, de modo que, a rigor, a sentença penal condenatória jamais transita em julgado para a defesa, no sentido de não poder ser mais alterada para beneficiar o condenado.
O que a Constituição diz é que ninguém será considerado culpado - e não que não será preso - até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Em nenhum país, incluindo as democracias mais consolidadas, a regra é aguardar a condenação da quarta instância para prender. É difícil acreditar em tamanha irresponsabilidade provinda da nossa própria Corte Suprema, de modo que encerro este artigo na esperança de que esse quadro se reverta, seja pela reflexão de alguns valorosos ministros do STF ainda dotados de humildade suficiente para reconhecer que erraram, seja pela reação da sociedade civil a uma decisão que pode incentivar outras "justiças" - de mãos próprias ou "terceirizadas" - no Brasil.


 

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