O Juiz Marcelo Pallone da Vara do Trabalho do município paulista de Mogi Guaçú concedeu a um pai reclamante a licença paternidade seguindo os mesmos moldes da licença maternidade, inclusive com a percepção do salário maternidade.
Em sua justificativa, o Juiz alega que o autor da ação, que foi abandonado pela companheira após treze dias do nascimento de seus filhos gêmeos, é responsável integralmente pelo cuidado dos filhos e que necessita receber o benefício por estar ocupando o lugar da mãe dos meninos.
Segundo o Juiz, a dificuldade enfrentada pelo pai é ainda maior, por se tratar de uma pessoa do sexo masculino e que, diferente das mulheres, não possui o dom da amamentação e, como membro de uma sociedade que ainda guarda traços patriarcais, o homem não tem por hábito aprender a realizar tarefas domésticas. Por tudo isso, o Juiz concedeu a antecipação dos efeitos da tutela solicitada pelo reclamante, que passou a ter direito à licença gestante com a percepção do salário maternidade a partir da data em que, impedido de trabalhar, deixou de prestar serviços à empresa em que trabalhava. Na sentença, foi estabelecido o prazo de dez dias para que o INSS quitasse as parcelas em atraso.
Esta é uma decisão inédita e que poderá servir como precedente para situações similares, pois, segundo justifica o Juiz, o objetivo da criação da licença e do salário maternidade é principalmente permitir que o recém-nascido receba os cuidados necessários em seus primeiros meses de vida, independentemente de quem os garantirá.
Abaixo, a Decisão do Juiz de Mogi Guaçú/SP:
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ATA DE AUDIÊNCIA
PROCESSO: 01479-2008-071-15-00-2
AUTOR: J . A. S
RÉU: E. C. T. P. A. LTDA
Em 09 de outubro de 2008, na sala de sessões da MM. VARA DO
TRABALHO DE MOGI GUAÇU/SP, sob a direção do Exmo(a). Juiz MARCELO
BUENO PALLONE, realizou-se audiência relativa ao processo identificado em
epígrafe.
O reclamante requer a integração do pólo passivo pelo INSS, já que
pretende obter o benefício da licença maternidade. Estende o pedido de
antecipação de tutela em face da Autarquia, pelos mesmos motivos. Alega que se encontra em sérias dificuldades para cuidar de seus dois filhos recém nascidos, pelos motivos narrados na petição inicial e despender tempo no seu trabalho, concomitantemente.
Adita, também, a sua petição inicial, para dirigir o pedido de pagamento da
remuneração da licença maternidade contra o INSS, ou seja, requer o benefício
previdenciário do salário maternidade.
O caso em apreço pode parecer, e de fato é inusitado, sob diversos
aspectos.
Em um primeiro momento, pode até soar descabido conceder "licença
maternidade" a uma pessoa do sexo masculino, porquanto cediço que o dom da maternidade foi concedido tão-somente à mulher.
Em que pese tais ponderações, não se pode olvidar que a lei só existe para
cumprir uma função social. Neste sentido, o art. 5º da LICC. Dito de outra maneira, a interpretação primeira a ser buscada em qualquer norma é a teleológica, ou seja, o Juiz deve procurar alcançar a intenção do legislador e o espírito da lei, pois, do contrário, poderá estar usando a sua letra fria não para alcançar a justiça, mas para se afastar dela.
Nesta ordem de idéias, como dúvida não há de que o constituinte, ao incluir
no rol de direitos fundamentais a licença à gestante, no art. 10, I I, b, do ADCT,
pretendeu proporcionar garantia não à gestante exclusivamente, mas principalmente ao nascituro. Com efeito, a razão de existir da licença à gestante e, por conseguinte, do benefício do salário maternidade, é proporcionar ao ser que, por dádiva da natureza, recebeu a incumbência de cuidar do recém nascido, tempo, conforto, segurança e, certamente, rendimento para tal desiderato.
Como, repise-se, à mulher foi naturalmente dado conceber, dar à luz,
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amamentar e prestar os primeiros cuidados ao rebento, nada mais lógico que a ela fosse outorgada tal segurança, consubstanciada na licença à gestante e no salário maternidade.
Entretanto, diga-se à exaustão, o real destinatário da norma em apreço é o
nascituro ou o rebento, não a sua genitora, sendo que a esta as garantias são
concedidas para que possa repassar ao primeiro os cuidados indispensáveis nos primeiros dias ou meses de sua vida.
Foi feito esse esforço para esclarecer que, por mais insólito que possa
parecer conceder a licença maternidade a uma pessoa do sexo masculino, se for analisada a real intenção da norma, certamente concluiremos absolutamente possível tal hipótese, quando por circunstâncias da vida ao pai competir cuidar do recém-nascido sem auxílio da genitora deste, como ocorre no caso em apreço.
É o que ocorre com o reclamante. Os documentos carreados com a peça
de ingresso dão conta do nascimento de gêmeos, filhos do autor, do abandono
destes pela genitora e da entrega das crianças ao pai, com a outorga da
responsabilidade por cuidar delas.
Por conseguinte, não tendo o reclamante outra maneira de providenciar os
cuidados mínimos necessários à vida das crianças, mormente nestes primeiros dias de vida, sem contar com ajuda da mãe dos meninos e concomitantemente exercer suas atividades profissionais diariamente, nada há de absurdo no fato de pleitear o pai o direito à licença gestante, e obviamente ao salário maternidade, pois sem qualquer desses dois direitos, o que se coloca em risco não é o bem-estar do reclamante, mas o conforto e a própria vida dos seus filhos.
Bem se vê tratar-se não apenas de uma questão jurídica, mas
precipuamente uma questão de humanidade.
Por tais motivos, os pedidos de licença à gestante e salário maternidade
são perfeitamente passíveis de concessão a uma pessoa do sexo masculino,
quando ocorrem circunstâncias semelhantes às do caso em apreço.
Resta-nos, agora, analisar a questão da competência material da Justiça do
Trabalho para apreciar o pedido de benefício previdenciário.
Com o advento da EC 45/2004, dúvida não me sobra que a competência
para analisar o pedido de benefício previdenciário, quando tal benefício é
umbilicalmente dependente da relação de trabalho, passou a ser desta Justiça
Especializada.
Com efeito, antes da EC 45/2004, a competência da Justiça do Trabalho
estava limitada às figuras do empregado e empregador e, por conseguinte, à
relação de emprego em sentido estrito.
Tal situação mudou consideravelmente após a sobredita Emenda
Constitucional, já que a nova dicção do art. 114 da Constituição Federal, em
especial do seu inciso I, assevera que as ações oriundas da relação de trabalho, certamente todas, pois nenhuma o constituinte excepcionou, são agora da competência desta Especializada. Logo, não há mais a limitação às figuras do empregado e empregador nos pólos da demanda.
Não é somente isso, contudo. Há situações, como a do caso vertente, em
que é simplesmente impossível dissociar a questão trabalhista da previdenciária.
O reclamante destes autos precisa da licença à gestante para cuidar de
seus filhos recém-nascidos, pelos motivos já expostos, e tal direito é, sem dúvida, trabalhista, pelo que jamais poderá ser apreciado pela Justiça Comum, Federal ou Processo: 01479-2008-071-15-00-2 Pag.3
Estadual.Entretanto, é simplesmente impossível conceder um direito à licença sem concomitantemente determinar a alguém que pague ao reclamante o seu salário, pois sem ele padecerá o autor e os recém-nascidos.
Como não é possível impor ao empregador o dever de pagar os salários do
empregado afastado por motivo de licença à gestante, até mesmo por absoluta falta de amparo legal, já que a lei instituiu benefício previdenciário para tanto, e quem o paga é o INSS, não é nem um pouco difícil vislumbrar a impossibilidade de se julgar um pedido sem apreciar, ao mesmo tempo, o outro.
Vê-se, portanto, que ao Juiz Trabalhista não resta alternativa senão analisar
tanto o pedido trabalhista, como o previdenciário, e para tal, competência não lhe
falta, como se interpreta serenamente da nova redação do art. 114 da CF.
Declaro-me, pois, competente em razão da matéria, para apreciar tanto o
pedido de licença à gestante como o salário maternidade e, pelos motivos
estendidos alhures, tais pedidos do reclamante são juridicamente possíveis,
cabe-lhe legitimidade para formulá-los e é evidente o interesse jurídico, porquanto ao pai também pode ser concedido em circunstâncias excepcionais o salário maternidade.
Adentremos, agora, ao pedido da antecipação dos efeitos da tutela.
Fácil vislumbrar que os requisitos do art. 273 do CPC estão presentes.
O reclamante necessita cuidar de seus dois filhos, atualmente com três
meses. Não tem trabalhado desde o nascimento das crianças, pois sua
companheira e mãe dos meninos abandonou o lar quando estes contavam com
treze dias de vida, ficando para o autor a incumbência de cuidar das crianças, como provam os documentos dos autos. A necessidade do autor ainda se agrava pelo fato de serem gêmeos, duplicando-lhe o trabalho.
Evidente que tornou-se impossível ao reclamante continuar trabalhando
sem ter com quem deixar os filhos, que nessa fase da vida, como é sabido de todos, necessitam de incessantes cuidados.
Não se pode olvidar, semelhantemente, e aqui não vai, peço venia,
nenhuma menção discriminatória, antes, o contrário, trata-se do reconhecimento da imprescindibilidade da mulher na vida de qualquer ser humano, que a um pai é bem mais difícil cuidar de filhos de tenra idade, também porque em uma sociedade que ainda guarda traços patriarcais como a brasileira, o homem não tem por hábito aprender a realizar tarefas domésticas, o que, sem dúvida, é um defeito de nós todos do sexo masculino, mas principalmente pelo fato de não ter a natureza concedido ao homem certos dons para cuidar dos filhos, como a possibilidade da natural amamentação.
Nada disso se diz aqui, repise-se, com intuito de desonerar o homem de
tais tarefas, mas apenas para demonstrar que naturalmente maiores dificuldades enfrentará o pai para cuidar dos recém-nascidos do que a mãe.
A verossimilhança do direito do reclamante, aliás, do direito indisponível e
inalienável de seus filhos, é inequívoca, pois estamos tratando do mais precioso direito que qualquer pessoa pode ter, que é o direito à vida.
Neste raciocínio, não me sobra dúvida de que se eu não superar
imediatamente a primeira impressão de ser inusitado um pedido de licença
maternidade, feito por um homem, de ser incomum um Juiz do Trabalho conceder um benefício previdenciário em uma ação trabalhista e outras questões de somenos Processo: 01479-2008-071-15-00-2 Pag.4
importância, para conceder, de pronto, os pedidos do reclamante, estarei colocando em risco não um direito alimentar do autor, mas a vida dos seus filhos, e não foi para isso que fiz os votos da magistratura.
Por tais fundamentos, bons ou maus, eu não tenho nenhuma dúvida de que
não me resta alternativa senão conceder imediatamente a antecipação dos efeitos da tutela pretendida pelo reclamante, outorgar-lhe, sem mais nenhum minuto de demora, o direito não só à licença à gestante, mas igualmente à percepção do salário maternidade desde a data em que o autor deixou de prestar serviços para a reclamada, ou seja, desde a data do término da sua licença paternidade, e assim o faço inaudita altera pars.
Intime-se, pois, o INSS, para que pague no prazo de dez dias o salário
maternidade devido ao reclamante desde a data do afastamento ora declarada e, fica ciente a empregadora reclamada de que, a partir de referida data, o autor está licenciado de suas funções e suas ausências ao serviço são tidas por plenamente justificadas.
Por conseguinte, redesigna-se a presente audiência, como URS, para o dia
03/11/2008, às 8h30, mantidas as cominações anteriores.
O reclamante apresenta, neste ato, cópia da petição inicial para contra-fé, à
qual deverá ser anexada uma cópia desta ata, de que consta o aditamento, para fins de notificação do INSS.
Sessão encerrada às 10h56.
Os presentes acompanharam a elaboração do termo de audiência por meio
de monitor instalado na mesa de audiência especialmente para este fim.
Nada mais.
MARCELO BUENO PALLONE
Juiz do Trabalho