30-3-2009 - SINAIT
Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea vem a público para derrubar um mito muito difundido no Brasil: o de que o Estado brasileiro tem excesso de servidores. Segundo o estudo, o Brasil está em 8º lugar entre os países da América Latina na proporção pessoas empregadas no serviço público em relação à População Economicamente Ativa – PEA, e muito atrás de países como Índia, Dinamarca, Suécia e EUA, por exemplo.
As áreas de educação, saúde, auditoria fiscal e fiscalização de fronteiras aparecem na pesquisa como as mais carentes de pessoal e a terceirização é apontada como um fator de baixa qualidade nos serviços prestados à população. A Região do país que mais emprega servidores é a Nordeste.
Rosa Jorge, presidente do SINAIT, considera o estudo importante para inibir ataques ao funcionalismo. “Muita gente gosta de colocar a culpa de tudo nos servidores públicos. Dizem que o Estado gasta demais, que a máquina pública é inchada, mas não tem qualquer dado para sustentar essa opinião. O pior é que uma mentira repetida muitas vezes acaba passando por verdade e a imagem do servidor público, por conta desta estratégia repetida por anos a fio, está muito arranhada. Esta pesquisa precisa ser bem divulgada, para esclarecer a população sobre os verdadeiros fatos”.
Veja matéria sobre as principais conclusões do estudo do Ipea.
30-3-2009 – Correio Braziliense
ESTUDO DESMENTE INCHAÇO NA MÁQUINA PÚBLICA
ACREDITE, MÁQUINA PÚBLICA NÃO ESTÁ INCHADA. Número de servidores no Brasil está abaixo do de países desenvolvidos e emergentes
LETíCIA NOBRE
Uma pesquisa sobre emprego público, realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), chegou a uma conclusão surpreendente: a máquina pública brasileira não está inchada. Comparada à de países desenvolvidos e com os da América Latina, a proporção de servidores públicos na faixa da população economicamente ativa é uma das menores (10,7%), segundo dados computados em 2005.
Em países como Dinamarca e Suécia, mais de 30% dos ocupados estão trabalhando para o estado. Em outros que têm o setor privado como alicerce, caso dos Estados Unidos, o percentual é de 14,8%, também usando dados de 2005. O pesquisador Fernando Augusto de Mattos, observa que a adoção do Estado de Bem-Estar Social por vários países europeus no período pós-Segunda Guerra Mundial fez com que o setor público passasse a ter um peso significativo na promoção do emprego e da qualidade de vida da população. A necessidade de políticas sociais universalistas fez a participação dos empregos públicos crescer mais nos países desenvolvidos do que nos subdesenvolvidos.
Na América Latina, onde a realidade social se assemelha à nacional, o Brasil está em 8º lugar de acordo com dados de 2006 da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). Na Argentina, essa relação é de 16,2%; no Paraguai, 13,4%, e no Panamá, primeiro colocado da lista, 17,8%. O processo de democratização recente também pesa na estrutura, comenta o pesquisador. O levantamento leva em consideração todos os trabalhadores empregados pelo Estado em um sentido mais amplo, incluindo administração direta, indireta e estatais de todo tipo.
Diferenças
Os índices dos emergentes — países que também guardam alguma semelhança com o Brasil —, como Índia (68,1%) e África do Sul (34,3%), ficam muito acima do nível nacional. Há um grave problema de formalização de empregos nesses países, comenta Mattos. Na Índia, por exemplo, o alto percentual está relacionado com o elevado contingente de forças militares e de segurança interna. Além da informalidade, o país carrega um baixo grau de desenvolvimento industrial em contraste com a ocupação agrícola.
O economista do Dieese Tiago Oliveira explica que o estudo questiona o discurso de que o Brasil tem um estado inchado, que surgiu nos anos 90. “A idéia de um país pesado e ineficiente caiu sobre o serviço público e se perpetua até hoje.” Porém, observa Oliveira, “ao mesmo tempo em que as pessoas dizem isso, vão aos postos de saúde e esperam por horas, por falta de médicos ou veem os filhos voltarem mais cedo para casa por falta de professores”.
O pesquisador do Ipea Fernando Mattos afirma que o resultado da pesquisa mostra a necessidade de ampliação do acesso da população aos serviços públicos e, por consequência, da ampliação do quadro de pessoas que realizam esses serviços.
Qualificação
Apesar de os números desmistificarem o discurso da máquina inchada, nenhum dos especialistas descarta que há desequilíbrio entre áreas administrativas: algumas têm excessiva carência. Há um déficit grande nas áreas de saúde, educação, mas também nas de auditores fiscais e previdenciários ou mesmo na fiscalização das fronteiras”, alerta Tiago Oliveira. A qualidade, que não foi alvo da pesquisa do Ipea, é lembrada. “Não se pode esquecer que o bom serviço prestado à população depende da qualificação dos servidores”, pondera Mattos.
Servidor da Universidade de Brasília há 32 anos, Cosmo Balbino é contrário à ideia de inchaço do setor público. Para ele, o baixo índice brasileiro diante dos registrados em muitos países não é um indicador ruim. “O Estado sofre de uma carência de médicos e professores. Desde que haja qualificação profissional, não há necessidade de muitos empregados”, avalia. “Com a terceirização do serviço público, há perda de qualidade profissional porque não há critérios rígidos para contratação.”
Balbino entende que o processo de adequação tecnológica dos cargos públicos, incluindo a UnB, resultou numa menor carência de trabalhadores. “A tecnologia acabou com muitos empregos.” Dessa forma, ele sugere uma alternativa para solucionar a falta de vagas de trabalho. “Hoje em dia, há condições de se ter bons salários com poucas pessoas”, avalia.
Emprego formalizado
O avanço da formalização do trabalho no Brasil, tanto no estoque de empregos públicos quanto no de privados, também justifica a baixa relação entre o total de trabalhadores e aqueles que estão a serviço do Estado. Entre 2003 e 2006, a ocupação com carteira assinada cresceu 13,3% nas seis principais regiões metropolitanas, segundo dados do IBGE. Em 2003, o índice foi de 39,7% e, no último levantamento, de janeiro deste ano, o percentual avançou para 49,4%.
O crescimento do emprego formal aconteceu tanto no setor privado quanto no público. O governo está eliminando, inclusive, o vinculo precário dos terceirizados que estão nas atividades-fim, observa Tiago Oliveira, economista do Dieese. A estruturação das carreiras nos cargos governamentais moraliza o perfil do serviço público e isso aconteceu, principalmente, nos municípios, diz Fernando Mattos, coordenador da pesquisa do Ipea sobre o serviço público.
Angela Torres, analista de comunicação social de uma empresa pública, confirma a diminuição de empregados públicos com relação ao resto da população nos últimos anos. “Quando eu entrei, havia 50% a mais de funcionários na minha instituição. Foi um progresso natural, pois era possível fazer o mesmo trabalho com menos pessoas”, afirma. Completando 24 anos de trabalho no Serpro, Torres enfatiza a utilidade desse setor. “Uma das coisas principais é servir a sociedade, seguir as políticas públicas que atendem o cidadão”, conclui.
Regiões
Quase 7% da população que vive no Centro-Oeste estava contratada pelo Estado, em 2007. Percentual acima da média nacional (5,36%). A concentração de atividades no Distrito Federal e a promoção de concursos públicos nos estados e municípios impacta no índice, justifica Fernando Mattos.
Entretanto, o desenvolvimento econômico dos estados nortistas fez com que a região se destacasse na recente aceleração do crescimento do quadro de empregos públicos e contribuísse para a atual distribuição. Há 14 anos, o Brasil tinha 7,8 milhões de servidores públicos. Desses, 525 mil estavam no norte do país, ou 6,73% do total. Na apuração de 2007, a participação passou a ser de 8,69% ou 883 mil servidores num universo de 10,1 milhões.
27-3-2009 – Valor Econômico
Artigo - Emprego público no Brasil: o que deve ser dito
Por Eneuton Pessoa, Fernando Augusto Mansor de Mattos e Marcelo Almeida de Britto - Do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA
Ainda está por ser feita uma discussão mais rigorosa acerca do emprego público no Brasil. O pouco que se tem discutido sobre o tema apresenta apenas argumentos carregados de preconceitos e "ideologia", raramente embasados em dados rigorosos e informações corretas. O ideário neoliberal (hoje completamente desmoralizado) encarregou-se, durante décadas, de perpetrar inverdades ou análises pouco rigorosas que acabaram motivando medidas de redução do pessoal ocupado ou de "reformas" na administração pública que culminaram em prejuízo para a execução de atividades-fim do serviço público, e em piora na qualidade e na eficiência dos serviços prestados à população que deles necessita.
Os dados e reflexões aqui apresentados são resultantes de uma pesquisa intitulada "Trabalho no Setor Público Brasileiro", que vem sendo desenvolvida no Ipea e que pretende avaliar o setor público brasileiro sob três aspectos: a) o aspecto quantitativo, que se preocupa em produzir uma ampla radiografia de estatísticas de emprego do setor público brasileiro; b) em termos qualitativos, procura-se destacar que a natureza do trabalho no setor público é diferente do trabalho no setor privado e é levando isso em consideração que se deve avaliar a construção institucional do Estado brasileiro, sempre com um foco na problemática da dívida social brasileira; c) a pesquisa também visa a cobrir uma lacuna de estudos sobre políticas de gestão na área de recursos humanos no Brasil, procurando fornecer aos futuros gestores do setor público brasileiro uma análise não-neoliberal dos desafios que se colocam atualmente para o Estado brasileiro em uma sociedade desigual e carente de serviços públicos de qualidade.
Um primeiro dado importante que merece ser mencionado é que, no Brasil, segundo os microdados da Pnad, o emprego público representava, em 2007, apenas cerca de 11,5% do total dos ocupados no país. Esta parcela de emprego público na ocupação total está bem abaixo, por exemplo, de todos os países europeus importantes, muitos dos quais chegam a atingir marcas superiores a 30%. Mesmo nos EUA, país com destacada tradição liberal, o percentual do emprego público na ocupação total é de cerca de 15%.
Na América Latina, segundo dados recentes divulgados pela Cepal, há países cujo peso do emprego público na ocupação total é maior do que a brasileira, destacando-se Panamá (18%), Costa Rica (17%), Uruguai (16%), Argentina (16%) e mesmo o Paraguai (13%).
Tomando-se como referência a relação entre emprego público e população, também se verifica, no Brasil, um baixo percentual: a parcela do emprego público na população gira em torno de 5%, contra 7% nos EUA e próximo de 10% na Europa ocidental (quando não mais, como nos países escandinavos, que não raro superam 15%).
Em números absolutos, no ano de 1995 o emprego público no Brasil perfazia o total de 7,843 milhões de servidores. Em 2007, ele alcançou a cifra de 9,827 milhões. Deve-se destacar, porém, que este crescimento praticamente apenas acompanhou a evolução da população. Tanto é que, em 1995, o estoque de emprego público representava 5,1% do total da população e, em 2007, 5,4%.
Quando se observa a evolução recente do emprego público por esfera de governo, verifica-se uma leve redução nas esferas federal e estadual e um forte crescimento no âmbito municipal. Em 1995, o emprego federal correspondia a 18% do emprego público, o estadual, 44% e o municipal, 38%. No ano de 2007, esses percentuais eram de 15%, 35% e 50%, respectivamente.
O aumento do peso do emprego municipal deveu-se a três fatores: na educação, a universalização do ensino fundamental e a expansão da pré-alfabetização de crianças em idade pré-escolar; na saúde, praticamente todos os municípios foram alçados à condição de gestão plena da atenção básica, inclusive a saúde preventiva – em grande parte calcada no Programa de Saúde da Família -, que vem requerendo a contratação de milhares de agentes comunitários de saúde. Por último, desde a Constituição de 1988, foram criados quase 1.500 municípios, gerando a necessidade de montagem das funções administrativas municipais. Preliminarmente, os microdados da Pnad sobre ocupações na esfera municipal corroboram essa afirmativa.
Também o senso comum que considera o serviço público um reduto de privilégios carece de fundamentos mais sólidos. Quando consideramos os estatutários, a categoria mais bem posicionada dentre os servidores, observa-se que, desde os anos 1990, eles vêm perdendo uma série de direitos. As várias alterações constitucionais a partir da EC 19/98, dentre as quais se destacam o fim do Regime Jurídico Único no serviço público – com exceção para as funções exclusivas de Estado -, o fim da isonomia salarial, o fim do estatuto da estabilidade no serviço público e o fim da aposentadoria integral tiveram, entre outros propósitos, o objetivo de aproximar as relações de trabalho nos setores público e privado, apesar da natureza diferente do trabalho em cada um deles.
Deve-se destacar, porém, que nos últimos anos tem aumentado o peso dos estatutários, devido ao aumento do número de concursos públicos, o que tem reduzido em parte o grau de informalidade que imperou ao longo dos anos 1990 nas ocupações do setor público brasileiro. Em suma, no conjunto, o que esses dados demonstram é que o emprego público não é excessivo no Brasil, sobretudo quando se leva em conta as necessidades de serviços essenciais por parte da população que não pode pagar por eles. Neste sentido, o desafio de aumentar a eficiência e a eficácia da máquina pública no país não se contrapõe, antes, se coaduna, com a expansão de serviços que requerem a expansão do emprego público.