AFT responde artigo do jornalista Gilberto Dimenstein


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
23/01/2009



23-1-2009 – SINAIT


 


O Auditor Fiscal do Trabalho Renato Bignami (SP) enviou carta ao jornalista Gilberto Dimenstein e ao jornal Folha de São Paulo respondendo a artigo publicado no dia 13 de janeiro, sobre a postura do ministro Carlos Lupi, do Trabalho e Emprego, acerca das demissões nas grandes empresas sob a alegação de dificuldades causadas pela crise econômica. Dimenstein classifica a posição do ministro e do Ministério do Trabalho e Emprego como “ilusão de marketing” e defende a flexibilização da legislação trabalhista.


Em sua resposta, Bignami disse ao jornalista que esta é uma posição perigosa e simplista, pois dentro do termo “flexibilização” pode caber qualquer coisa, posto que não há um consenso sobre qual o alcance de medidas flexibilizatórias.


 


Leia, a seguir, o artigo do jornalista e a resposta do AFT:


 


 


13-1-2009 – Folha de São Paulo 


Artigo - O ministro e a mentira do emprego


Gilberto Dimenstein



O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, transformou seu cargo, no ano passado, numa festa de boas notícias. Periodicamente, ele mostrava, orgulhoso, o aumento do emprego e seus recordes, como se fossem uma obra do governo --o que, significava, por tabela, também sua vitória pessoal. O que é, obviamente, uma ilusão de marketing.
A ilusão aparece agora quando diminuiu, para dizer o mínimo, a festa dos anúncios. Qual é agora a reação do ministro? Culpar as empresas. Ele defende que, em troca de apoio oficial, as empresas se comprometam a não demitir. O governo era responsável pela boa notícia, mas nada tem a ver com a má notícia.
Assim como as empresas não eram moralmente boas porque contratavam -- fazem isso porque contratar significa mais lucros  –, elas não demitem porque são "ruins", mas apenas porque precisam balançar suas contas.
Uma das melhores posições que o governo poderia ter para garantir o emprego, além de gastar menos e melhor para reduzir impostos e sobrar mais recursos ao investimento, era defender a flexibilização das leis trabalhistas.
O que garante emprego é o crescimento econômico combinado com a melhoria da educação -- e o que garante isso é o estímulo ao empreendedorismo e inovação. O resto é ilusão, como os anúncios do ministro.


 


Gilberto Dimenstein, 52, é membro do Conselho Editorial da Folha e criador da ONG Cidade Escola Aprendiz. Coordena o site de jornalismo comunitário da Folha. Escreve para a Folha Online às segundas-feiras.
 
Resposta do AFT
Renato Bignami (SP):

 
Carta ao jornalista Gilberto Dimenstein,


Acompanho há tempos a carreira do ilustre jornalista, sempre empenhado com as questões sociais que tanto afligem nosso desigual país, e observo que os temas relacionados com os mais desvalidos sempre pautaram e inquietaram seus valiosos textos. No entanto não posso me furtar a comentar o texto intitulado “O ministro e a mentira do emprego”, publicado em sua coluna “Pensata” no último dia 13/01/2009, que mais do que expressar sua insatisfação e crítica à propaganda política do ministro do Trabalho traz, em seu conteúdo, um sofisma dos mais perigosos e rasos que andam pululando na imprensa de aqui e de alhures já há algum tempo.


Ora, que o governo tem feito propaganda com o “espetáculo de crescimento” ao qual assistimos nos últimos anos e que muito contribuiu para a diminuição das taxas de desemprego no nosso país já é fato notório, sabido e bem absorvido pela opinião pública. Que a terrível crise que assola os mercados globais arrebatou nossa fragilizada economia, com sérias consequências para o emprego, também todos notamos e sentimos, dia após dia, nas nossas peles. Mas daí a concluir que “uma das melhores posições que o governo poderia ter para garantir o emprego, além de gastar menos e melhor para reduzir impostos e sobrar mais recursos ao investimento, era defender a flexibilização das leis trabalhistas” (grifamos), é, no mínimo, algo extremamente inusitado, simplista e preocupante, tendo em vista o alcance que as opiniões do jornalista têm e o altíssimo grau de incerteza e insegurança que o termo carrega.


A tão proclamada “flexibilização das leis trabalhistas” virou mais um bordão desses que circulam levianamente e sem compromisso pelas ruas e nas conversas de bares que uma proposta realmente séria e calcada em estudos científicos. Há décadas que se usa e abusa desse bordão e sempre com um sentido diferente daquele anteriormente desejado. Juristas especializados em Direito do Trabalho, economistas do trabalho, cientistas sociais, empresários de renome, sindicalistas dos mais qualificados e até mesmo jornalistas há anos tentam, em vão, definir e limitar o que seria a “flexibilização das leis trabalhistas”. Digo em vão pois a doutrina pátria e também a internacional tentam de maneira quase sobre-humana cunhar uma definição para o termo sem que se alcance um consenso mínimo satisfatório para que tal expressão possa obter algum, qualquer mesmo que seja, sentido científico. O único consenso alcançado é de que a expressão detém um altíssimo grau de variabilidade dependendo de com qual interlocutor estejamos falando. Trocando em miúdos: “flexibilização das leis trabalhistas” é um termo altamente polissêmico e não se presta para definir uma situação tão complexa quanto as relações modernas de trabalho, em qualquer parte que seja.


Apenas para exemplificarmos, sugiro que o jornalista se faça a si mesmo as seguintes perguntas: O que quer dizer com flexibilização? Seria desregulamentação pura e simples? Revogamos as leis trabalhistas e deixamos a regulação do trabalho para o direito privado? Ou o jornalista apenas pleiteia a mudança de parte do ordenamento jurídico? Qual seria essa mudança? Como se daria essa mudança, projeto de lei, medida provisória, negociação coletiva ou negociação “inter partes”? Mas, o que ele consideraria leis trabalhistas para efeitos da mudança pleiteada? Seria a Consolidação das Leis do Trabalho, a conhecida CLT? Inteira ou apenas algumas partes? Quais partes? No conceito de “leis trabalhistas” o articulista incluiria a Constituição Federal (lei maior) que prevê quais são os direitos fundamentais dos trabalhadores ou apenas as leis ordinárias? Observe também que se o articulista se referia apenas e tão somente a uma mudança em determinados dispositivos da lei, sem proclamar a desregulamentação pura e dura de toda a legislação do trabalho, este é um pleito que se realiza com uma frequência incrível, pois desde que a legislação do trabalho assalariado foi criada vários dispositivos vêm sendo frequentemente reformados, tanto formal, quanto jurisprudencialmente.


O crescimento econômico, quando ocorre de forma constante e sustentável, tem trazido sim algum crescimento nas taxas de emprego, mas não o suficiente para distribuir de forma satisfatória a renda no nosso país e nem de longe de maneira proporcional ao crescimento da própria economia (alguns economistas trabalham com a seguinte proporção: para cada 3 pontos de crescimento no PIB, equivale 1 ponto no crescimento da economia, dada a crescente mecanização e informatização de todos os setores da economia). A “flexibilização das leis trabalhistas”, onde quer que ela tenha sido realizada e qualquer que seja o sentido empregado, não é nem de longe a responsável pela geração de empregos. Flexibilização entendida como retirada de direitos tem sido o pano de fundo para a volta de formas tao precárias de trabalho como o trabalho degradante, o análogo ao escravo, o forçado, o informal e a fraude. Sem direitos, o trabalhador não come, não mora, não compra, não vive e a economia despenca de vez.


 


Renato Bignami - Auditor Fiscal do Trabalho, Mestre em Direito do Trabalho - Universidade de S. Paulo, Doutorando em Direito do Trabalho -  Universidad Complutense de Madrid

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