Ministério do Trabalho ataca o combate ao trabalho escravo contemporâneo no Brasil


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
16/10/2017



A Portaria 1.129/2017 publicada hoje no DOU propõe alterar o conceito de trabalho escravo, tenta inviabilizar a fiscalização e poderá criar a falsa impressão de que a escravidão contemporânea não mais existe


Por Nilza Murari


O Ministério do Trabalho publicou nesta segunda-feira, 16, no Diário Oficial da União – DOU, a Portaria nº 1.129/2017, assinada pelo ministro Ronaldo Nogueira. Com o pretexto de regular o pagamento do Seguro-Desemprego a trabalhadores resgatados do trabalho escravo e de atualizar da Lista Suja, a Portaria reformula o conceito do trabalho escravo contemporâneo e impõe uma série de dificuldades à fiscalização e à publicação da Lista Suja.


“É mais uma medida do governo com o objetivo de enfraquecer a fiscalização e o combate ao trabalho escravo”, diz Carlos Silva, presidente do Sinait, para quem o ministro do Trabalho passou dos limites de suas atribuições legais e provoca enorme retrocesso no combate à escravidão contemporânea, atendendo a interesses de quem se beneficia da exploração de trabalhadores.


A Portaria altera os conceitos de trabalho escravo que estão no artigo 149 do Código Penal, o que está sendo tentado pelo Congresso Nacional há alguns anos por meio de projetos e que tem forte resistência dos atores sociais comprometidos com a erradicação do trabalho escravo. “A portaria condiciona a caracterização do trabalho escravo ao consentimento ou não do trabalhador e à privação do direito de ir e vir, o que nem sempre ocorre. Muitas vezes o trabalhador não vai embora por falta de opção, ou por vergonha, porque acha que tem que saldar a dívida com o patrão, o que não significa que seu trabalho seja digno. Há muitos outros elementos presentes para comprovar a escravidão. O Ministério quer que voltemos ao conceito do Século XIX, de grilhões e correntes. Não vamos aceitar”, aponta Carlos Silva.


O governo quer tornar muito difícil para os Auditores-Fiscais caracterizar o trabalho escravo. Sob as regras da Portaria nº 1.129/2017, em pouco tempo haveria a falsa impressão de que a escravidão acabou no país, mascarando a realidade. “Com essa portaria, em pouco tempo haveria redução de mais de 90% dos resgates de trabalhadores. É o caso de tentar mudar a lei para alterar uma realidade, só que, nesse caso, para pior”, afirma o presidente do Sinait.


Muitos aspectos da Portaria ainda estão sendo analisados. Até agora, nada de positivo foi constatado. O texto tenta retirar a atribuição dos Auditores-Fiscais do Trabalho para configurar o trabalho escravo, ao estabelecer a obrigatoriedade de ocorrência policial. Faz exigências descabidas para a lavratura de autos de infração. Propõe alteração e redução do conceito de jornada exaustiva, trabalho degradante e condições análogas às de escravo, tentando se sobrepor ao Código Penal.  Tenta manipular politicamente a inclusão de empregadores na Lista Suja, pois isso dependeria da autorização expressa do ministro do Trabalho.


Vale lembrar que está sobre a mesa do ministro a mais recente atualização do cadastro, entregue ainda por André Roston, que foi dispensado do cargo de chefe da Divisão para a Erradicação do Trabalho Escravo – Detrae na semana passada. Até agora, apesar do desmentido do MTb, as informações apontam ingerência política em razão de declarações que desagradaram o governo e empresários. A Lista ficou suspensa por mais de dois anos e somente voltou a ser publicada por determinação judicial, que o MTb, a princípio, se negou a cumprir. Ou seja, a resistência à divulgação dos empregadores escravagistas parte da própria cúpula do Ministério do Trabalho.


A Portaria pretende, na prática, acabar com a fiscalização e com o trabalho escravo contemporâneo como se configuram hoje. “A escravidão continuaria, mas não apareceria nas estatísticas. É muito conveniente para o governo e empresários criminosos, mas péssimo para os trabalhadores e para a Auditoria-Fiscal do Trabalho. É mais um duro ataque, que vem complementar o saco de maldades da terceirização ilimitada e da reforma trabalhista, que já abriram muitas brechas para legalizar ilegalidades. O Sinait e os Auditores-Fiscais do Trabalho não vão aceitar mais essa investida, mais esse ataque, mais essa ingerência sobre a Auditoria-Fiscal do Trabalho. Vamos fazer tudo para que isso não prospere. Não pode prosperar, é muito retrocesso!”, conclui Carlos Silva.


Reação


As consequências da Portaria nº 1.129/2017 já provocam a reação de entidades e instituições militantes da causa da erradicação do trabalho escravo. Muitas manifestações estão sendo publicadas em redes sociais e Notas Públicas de protesto estão sendo produzidas.


Todos destacam a tentativa de fazer o que o Congresso Nacional, por meio de lei, não foi capaz de fazer até o momento, devido à resistência da sociedade. Reconhecem o ataque à fiscalização e a proteção aos maus empregadores para que não figurem na Lista Suja.


Clique aqui para ler a Portaria nº 1.129/2017 na íntegra.

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