Circula nas redes sociais um vídeo do youtuber Mateus Gonçalves, reproduzido pelo Movimento Brasil Livre – MBL, que acusa os Auditores-Fiscais do Trabalho de serem corruptos ao comentar, sob sua diminuta visão de mundo, a Portaria nº 1129/2017, editada pelo Ministério do Trabalho para dificultar a fiscalização de combate ao trabalho escravo no Brasil.
Ao longo de todo o vídeo, Mateus Gonçalves fala claramente que Auditores-Fiscais do Trabalho são corruptos, pressionam e recebem propina de empresários para não autuar e diz que “fiscal não trabalha”. O tom é pejorativo e arrogante. Frases como “a gente sabe que tem muito fiscal no Brasil que só quer saber de ganhar dinheiro”, “no fim, a gente sabe que o fiscal só vai embora da empresa quando ele pega a parte dele”, “esse monte de fiscal que nunca trabalhou de verdade”, “só na cabecinha de quem não gosta de trabalhar”, “eu acho que o colegial foi a última vez que esses fiscais fizeram algum trabalho na vida deles”, “fiscal a gente sabe como é: ele usa uma lei para criar um problema pra um cara rico e para resolver, o cara rico tem basicamente duas opções. Ou ele entra na Justiça e gasta uma grana com advogado pra tentar ganhar o processo ou ele paga metade dessa grana para o fiscal e o problema morre ali”, “a gente não pode deixar essa gente que nunca trabalhou na vida decidir como as pessoas vão gerar emprego”, são ditas pelo youtuber.
Em meio às acusações aos Auditores-Fiscais do Trabalho, o interlocutor do vídeo dá o seu conceito de trabalho escravo: “trabalho escravo é quando alguém trabalha obrigado e sem receber salário, quando trabalha por comida, casa, e às vezes, nem isso”. E classifica o Código Penal, que define o conceito de trabalho escravo no artigo 149, como “lei idiota”. A Lista Suja, para Mateus Gonçalves, é a “listinha do trabalho escravo”.
Atribui a governos e governantes do Partido dos Trabalhadores, especificamente a ex-presidente Dilma Rousseff, a criação de leis de fiscalização. O desinformado youtuber não sabe que a fiscalização se iniciou em 1995, sob o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que o Brasil foi denunciado e condenado na Corte Internacional de Direitos Humanos por mais de uma vez, que trabalhadores foram assassinados, assim como Auditores-Fiscais do Trabalho na Chacina de Unaí.
Sentado na frente da câmera, no conforto de sua casa ou escritório, o rapaz bem vestido, com estereótipo de intelectual, patrocinado, reproduz um pensamento retrógrado e preconceituoso, além de revelar que desconhece totalmente a realidade dos trabalhadores do Brasil, de uma forma geral, e de forma particular, dos trabalhadores resgatados da escravidão contemporânea. Revela, também, ignorar os conceitos adotados por organismos internacionais, como a Organização Internacional do Trabalho – OIT e Organização das Nações Unidas – ONU, para definir o trabalho escravo na atualidade. Enquanto a sociedade e os conceitos de dignidade humana evoluíram ao longo dos séculos, Mateus Gonçalves ficou parado no Século XIX. É lamentável.
Combate a trabalho escravo nada tem a ver com ideologia de “socialistas”, como afirma Mateus Gonçalves no vídeo. É política de Estado, de Direitos Humanos, de preservação de direitos básicos, de dignidade e da vida. Auditores-Fiscais do Trabalho vão ao local de trabalho das pessoas, o que poucos agentes de Estado fazem; não vão a campo para agir conforme sua vontade ou opinião; têm obrigação de cumprir a lei e normatizações internas do Ministério do Trabalho. Leis e normas, como se sabe, frequentemente, são forjadas por pressão social para regular situações reais. É comum que estejam, inclusive, aquém do que é necessário para garantir um patamar mínimo civilizatório a cidadãos e trabalhadores, freando a barbárie. Por isso mesmo, estão sempre em evolução e não o contrário, como pretende a Portaria nº 1.129.
As hipóteses levantadas pelo protagonista do vídeo em que os Auditores-Fiscais do Trabalho autuam empresas por trabalho escravo são absolutamente esdrúxulas e irreais. Trabalho escravo é caracterizado em situações extremas, em que trabalhadores são tratados sem qualquer traço de humanidade, tendo seus direitos sonegados e, muitas vezes, perdendo a saúde ou a vida.
O Youtuber Mateus Gonçalves deveria experimentar o peso de uma enxada ou o gume do facão sob o sol do canavial, o sabor de água barrenta de córregos e cacimbas dentro de matas fechadas na Amazônia, o gosto de carne podre pendurada, o frio e a chuva debaixo de lonas ou dentro de currais, o chão batido como cama, a fuligem e o calor dos fornos de carvão, ou ainda, a desolação de migrantes e imigrantes em busca de melhorar a vida atraídos e enganados por falsas promessas de aliciadores de trabalhadores, sem carteira assinada, sem salário, sem horas extras, sem comida. O perfil dos resgatados é de homens analfabetos, sem horizontes, presas fáceis para quem tem a intenção de enganar e explorar, pois acreditam que não têm outra alternativa. Ou de estrangeiros, acuados pelo medo de serem deportados e com documentos retidos pelos aliciadores. Os Auditores-Fiscais do Trabalho mostram a essas pessoas que a exploração não é natural, que eles têm direito a tratamento e vida dignos em troca de seu trabalho como quaisquer outros cidadãos brasileiros.
Mateus Gonçalves é um ignorante. Mas sabe o que faz, portanto, não é digno de pena e deve assumir as conseqüências de seus atos. Neste vídeo ofendeu milhares de pessoas de bem, as quais o Sinait representa e buscará a reparação de injúrias, calúnias e difamações cometidas nos 4’24” em que falou o que bem quis, de forma agressiva e pejorativa. Não ficará impune.