Sinait reforça importância de instituições lutarem pela autonomia da Inspeção do Trabalho


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
30/10/2017



Apelo foi feito durante o seminário que tratou dos Impactos da Sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso da Fazenda Brasil Verde


Por Lourdes Marinho


Edição: Nilza Murari


O presidente do Sinait, Carlos Silva, reforçou a necessidade e importância de todas as instituições e sociedade reconhecerem e lutarem pela independência e autonomia da Auditoria-Fiscal do Trabalho para que essa categoria secular consiga atuar de maneira efetiva protegida contra interferências políticas indevidas, como a mais recente cometida pelo Ministério do Trabalho com a publicação da Portaria 1.129. A Portaria promove interferências ilegais na Inspeção do Trabalho, além de alterar o conceito de trabalho escravo para favorecer os exploradores. 


De acordo com Carlos Silva, a Portaria nº 1.129/17 é um instrumento “que deixa clara a retaliação à Inspeção do Trabalho, que em diversas ocasiões tem divergido das posições políticas do Ministério do Trabalho”, declarou. 


O pedido do dirigente sindical foi feito durante o seminário que tratou dos “Impactos da Sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Fazenda Brasil Verde”, e discutiu o trabalho escravo contemporâneo no país, nesta segunda-feira, 31 de outubro, na Escola Superior do Ministério Público da União. O evento é promovido pela Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo – Conatrae.


Na ocasião, Carlos Silva atuou como mediador na primeira mesa de debates do seminário que reuniu integrantes do Ministério Público do Trabalho - MPT e Ministério Público Federal - MPF, juízes e servidores da Justiça Federal e do Trabalho para divulgar a sentença e sensibilizar os operadores do Direito para a pauta do trabalho escravo. O evento contou também com a participação da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que declarou “estar na centralidade a defesa da dignidade da pessoa humana”.


O presidente do Sinait destacou o orgulho que é para ele representar a categoria de Auditores-Fiscais do Trabalho, que atua na defesa dos direitos dos trabalhadores desde a primeira República, quando a carreira foi criada, em 1891. 


Ele disse ainda, que a “a imagem que a excelentíssima procuradora Raquel Dodge tão bem descreveu, no início do seminário, de uma mãe com seu filho, deitados em uma rede, num curral, sobre as fezes frescas do gado foram, sem dúvida, captadas por Auditores-Fiscais do Trabalho, que lá estavam, até mesmo antes da existência dos Grupos Especiais de Fiscalização Móvel, criados para articular o Estado brasileiro na luta pela erradicação do trabalho escravo”, afirmou. 


O presidente do Sinait ainda fez uma deferência à Auditora-Fiscal do Trabalho Vera Jatobá, que estava na plateia. Ela assinou, em 1994, a primeira Instrução Normativa do Ministério do Trabalho de Combate ao Trabalho Escravo, como Secretária de Inspeção do Trabalho. 


Debate


Beatriz Afonso, diretora do Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional - CEJIL, e frei Xavier Plassat, da Comissão Pastoral da Terra relataram os casos de resgates na Fazenda Brasil Verde e do trabalhador José Pereira, como os divisores de água no combate ao trabalho escravo no país.


O caso do trabalhador trouxe para a sociedade o problema do trabalho escravo e o da fazenda condenou o Brasil por negligência no combate a este crime, sendo a primeira sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos - CIDH a responsabilizar um país da OEA. 


A sentença criou uma perspectiva ampliada para tratar o tráfico de pessoas, que também está relacionado ao trabalho escravo. Apesar dos avanços da sentença, eles entendem que a decisão da Corte não avançou para romper o elo da reincidência e permitir a inclusão dos trabalhadores.


Indenizações


De acordo com a secretária Especial de Direitos Humanos, Flávia Piovesan, que também participou do debate, o Estado já começou a pagar as indenizações aos trabalhadores. O Estado brasileiro tem um ano para indenizar cada uma das 128 vítimas resgatadas durante fiscalizações do Ministério do Trabalho na Fazenda Brasil Verde, no sul do Pará, nos anos de 1997 e 2000.  Somente nessa fazenda, mais de 300 trabalhadores foram resgatados pelos Auditores-Fiscais do Trabalho, entre 1989 e 2002.


Trabalho escravo urbano e rural


O deputado estadual Carlos Bezerra Júnior (PSDB/SP), outro debatedor do painel, traçou um paralelo entre a escravidão rural e urbana. De acordo com os dados da Inspeção do Trabalho e da CPT, apresentados por ele, atualmente o trabalho escravo urbano supera o rural. “O uso da mão de obra escrava está concentrado nos frigoríficos, carvão de mineradora, construção civil e indústria têxtil, ou seja, a maioria está relacionado aos grandes produtores, ao empresariado”, apontou.


De acordo com o deputado, nas confecções de São Paulo dois terços dos imigrantes bolivianos trabalham em condições análogas às de escravo. Para reforçar o combate ao crime tanto na área urbana como na rural, o parlamentar sugeriu o fortalecimento da “Lista Suja” – mecanismo que prevê o corte das fontes de financiamento para os infratores – e a criação de leis estaduais que responsabilizem as empresas que utilizarem trabalho escravo, a exemplo da lei paulista. O deputado é autor da Lei n° 14.946, que pune empresas que utilizarem direta ou indiretamente o trabalho análogo à escravidão no Estado de São Paulo.


“Estamos deixando a posição de referência nacional no combate ao trabalho escravo para nos tornarmos em vergonha mundial, com uma canetada”, disse o deputado, ressaltando estar convencido de que a sociedade brasileira é maior que os interesses do grupo que alterou a portaria.


Trabalho escravo nas cadeias produtivas globais 


O representante da ONG Repórter Brasil, Leonardo Sakamoto, destacou a inserção do trabalho escravo nas cadeias produtivas globais. Segundo ele, os ataques à “Lista Suja” aumentaram quando deixaram de figurar na lista os fazendeiros de gado para dar lugar aos fazendeiros de grandes grupos criadores de gado da região Amazônica, grandes empresas da construção civil e de vestuário, conhecidas pelo varejo.


Para Sakamoto é preciso que o Brasil adote um processo de responsabilização global voltado para a empresa. “Se não fizermos isso, nós vamos perder. O combate ao trabalho escravo parou de avançar pela atual conjuntura política do Brasil”, disse Sakamoto, afirmando a necessidade de a sociedade avançar e partir para o ataque. 


Para ele, o caso Brasil Verde foi uma interferência necessária, mas é preciso fortalecer os processos nacionais, a exemplo da Lei Bezerra, em São Paulo, e de outras iniciativas, como executar de fato a Emenda Constitucional 81/2014 – PEC do Trabalho Escravo.


Caso José Pereira


Até 1995 o Brasil não reconhecia a escravidão contemporânea. O caso de José Pereira criou um movimento para que fosse reconhecido o problema. José Pereira era um adolescente de 17 anos, aliciado junto com outros trabalhadores. Ele e outro colega, Paraná, fugiram e foram perseguidos, alcançados e alvejados. Paraná foi morto e José se fingiu de morto. Os algozes nunca foram punidos e a CPT levou o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos - CIDH em 1994.


Em 1995 o governo brasileiro reconheceu a existência do trabalho escravo e começou a tomar providências. A partir deste caso, surgiram instrumentos de combate como a criação do Grupo Móvel, reconhecimento do crime de aliciamento, criação do Seguro-Desemprego Especial e da Lista Suja, alteração do artigo 149 do Código Penal, entre outros.


Sentença Brasil Verde


Em 2016, em uma sentença inédita, o Brasil foi condenado pela CIDH da OEA sob a acusação de omissão e negligência no combate ao trabalho escravo. Publicada em 15 de dezembro de 2016, a decisão encerrou o Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde Estado Brasileiro, que havia sido protocolado em 1998 pela Comissão Pastoral da Terra – CPT e pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional - CEJIL, com base em 12 ocorrências de trabalho escravo no decorrer de 10 anos, envolvendo mais de 300 trabalhadores do Piauí, aliciados para a referida fazenda no sul do Pará. Todos os trabalhadores foram resgatados pelos Auditores-Fiscais do Trabalho.

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