Por Solange Nunes
Edição: Nilza Murari
“A MP 905 fere de morte a Inspeção do Trabalho no Brasil. Sem a fiscalização, nós não podemos transformar realidades”, destacou Carlos Silva, presidente do SINAIT, durante audiência pública na Comissão Mista que analisa a Medida Provisória – MP nº 905/2019, que cria o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo. Além disso, o texto traz artigos que interferem na autonomia da Inspeção do Trabalho no Brasil. Os debates foram mediados pelo senador Sérgio Petecão (PSD-AC), presidente da Comissão, e pelo deputado Christino Áureo (PP-RJ), relator da MP 905, e ocorreram nesta terça-feira, 18 de fevereiro, no Senado Federal, em Brasília (DF).
De acordo com Carlos Silva, a MP 905/2019 traz em vários artigos medidas que prejudicam e ferem de morte a Fiscalização do Trabalho no Brasil. Para ele, a extinção do Ministério do Trabalho facilita a adoção dessas medidas e fragiliza a fiscalização e a proteção aos trabalhadores. “O contexto onde a estrutura governamental se dedicaria a garantir o cumprimento efetivo dos direitos trabalhistas deixou de existir no Brasil, de maneira que, com a MP, abre um caminho para uma vida de maior sofrimento para os trabalhadores”.
O presidente destacou que, nos últimos 11 anos, as fiscalizações realizadas pelos Auditores-Fiscais alcançaram mais de 380 milhões de vínculos de trabalhadores. A interferência prevista pela MP no trabalho da fiscalização e o novo contrato Verde e Amarelo podem prejudicar os resultados futuros. “É apenas mais uma forma precarizante de contratação que se junta às que foram trazidas para o ordenamento jurídico brasileiro com as reformas trabalhistas apresentadas”.
A MP traz retrocessos e ataques prejudiciais à sociedade brasileira perpetrados por meio de perdas trazidas à Inspeção do Trabalho. “Identificamos sete artigos que atacam a independência e autonomia técnica imprescindíveis para que a Inspeção do Trabalho cumpra o seu papel sem ingerências políticas que tentam desfigurar o objetivo para o qual foi criada há 128 anos, num Decreto de 1891”.
Dupla visita
Carlos Silva explicou que todos os artigos da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT estão sendo alterados pelo artigo 28 da Medida Provisória. “Entre várias mudanças, uma prejudicial para a Inspeção do Trabalho é a alteração abrupta do critério da dupla visita, que deve ser seguido pelos Auditores-Fiscais do Trabalho”.
A dupla visita, enfatizou o presidente do SINAIT, é um critério de exceção que, pelas alterações trazidas, transforma-se numa regra. “O artigo é um escracho da ingerência política na Inspeção do Trabalho, porque lá está textualmente escrito ‘agora haverá possibilidade de uma visita orientadora do Auditor-Fiscal do Trabalho agendada’”.
O agendamento, esclareceu Carlos Silva, ocorrerá por meio da autoridade política do órgão, o secretário especial de Previdência e Trabalho. “Isso é um absurdo, porque ataca a autonomia e a independência que são necessárias para a garantia de uma concorrência leal e justa”.
Ele lembrou que, recentemente, países integrantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE reforçaram a importância da existência de uma Inspeção do Trabalho forte para garantir solidez na questão da renda, concorrência leal e para permitir que o crescimento econômico seja sustentável.
Denunciou ainda que na regra trazida para a dupla visita, “90% dos estabelecimentos brasileiros em funcionamento não poderiam ser autuados numa primeira visita em razão de um flagrante desrespeito à legislação trabalhista”.
O art. 627-A da MP representa, na visão do SINAIT, um resgate da Mesa de Entendimento instituída pela CLT. Trata de procedimento especial da Fiscalização do Trabalho que pode resultar num Termo de Compromisso. A MP poderá dar força de execução a ele. “O Termo de Compromisso já existe na lei desde 1994/1995 e é uma alternativa, na ocasião, para soluções de problemas complexos. Só que depois de 1994 este instrumento de fiscalização não gozava de um elemento para sua real execução. A mudança por meio da MP 905 é bem-vinda desde que não fira outros órgãos. O fortalecimento do Termo de Compromisso da Inspeção do Trabalho não pode significar o enfraquecimento de instrumento de outros órgãos”.
Ataque à independência técnica
O artigo 627-B ataca a independência técnica dos Auditores-Fiscais do Trabalho. Esclareceu que o artigo cria duas figuras novas na Inspeção: os projetos especiais de fiscalização setorial e as ações coletivas de prevenção e saneamento. As duas figuras alteram o “modus operandi” de planejar a Inspeção do Trabalho.
Carlos Silva disse ainda que quem planeja a Inspeção do Trabalho, necessariamente, tem que ser integrante do Sistema Federal de Inspeção do Trabalho. “E não é isso que está no texto da Medida Provisória. A iniciativa desse planejamento parte da Secretaria de Trabalho, o que para o SINAIT é um equívoco”.
O presidente do SINAIT criticou o CARF Trabalhista previsto no art. 635, o Conselho Paritário Tripartite, responsável por decidir em última instância as questões relacionadas às autuações dos Auditores-Fiscais do Trabalho. “A existência do CARF põe em xeque a política nacional de combate ao trabalho escravo, porque a este CARF, composto de empresários, governo e representantes de trabalhadores, serão dirigidos os autos de infrações caracterizadores da existência de trabalho escravo”.
O CARF é constituído por pessoas indicadas pelo secretário especial da Previdência e vai ser gerido no âmbito na Secretaria de Trabalho. “O ambiente é absolutamente segregado da área técnica finalística do Sistema Federal de Inspeção do Trabalho. Numa constituição política, o resultado será político”.
Ele também analisou o artigo 161 da CLT – que trata da atribuição do Auditor-Fiscal do Trabalho para interditar e embargar –, que está sendo alterado pela MP 905, de maneira a driblar uma decisão judicial. “O Auditor-Fiscal interdita e embarga em situação de risco iminente às pessoas. Há uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho de Rondônia, mantida pelo Tribunal Superior do Trabalho, que reconhece com exclusividade a autoridade de interditar e embargar do Auditor-Fiscal do Trabalho. A alteração acaba com mais esta independência”.
Ferida de morte
Finalizou dizendo que a MP fere de morte a política de Inspeção do Trabalho criada há 128 anos. “Essa ferida de morte vem sem um debate amplo. A MP traz uma política de Inspeção assistencialista para o fraudador da legislação, que impede o Auditor-Fiscal do Trabalho de autuar e retira do Sistema Federal de Inspeção do Trabalho a sua capacidade e seu dever constitucional de planejar, executar e realizar a Inspeção do Trabalho”.
O presidente disse que a Inspeção do Trabalho é um compromisso do Estado brasileiro firmado perante a comunidade internacional. “Num afã precarizante de contratação não podemos destruir a Inspeção do Trabalho como foi destruído o Ministério do Trabalho. Sem fiscalização, nós não conseguiremos transformar realidades”.
O discurso do presidente do SINAIT foi referendado pelo deputado federal Bira do Pindaré (PSB-MA), que defendeu os direitos trabalhistas, que estão sendo solapados na MP. Os senadores Paulo Rocha (PT-PA), um dos autores da Lei de Combate ao Trabalho Escravo no Brasil, e Paulo Paim (PT-RS) destacaram a importância da Fiscalização do Trabalho para o Brasil.
Emendas
Na ocasião, o presidente Carlos Silva e a vice-presidente Rosa Jorge conversaram com vários parlamentares, inclusive com o relator Christino Áureo, que recebeu emendas dos dirigentes do SINAIT. Durante a conversa, os dirigentes reforçaram a importância de preservar a autonomia e existência da Inspeção do Trabalho para a proteção dos direitos dos trabalhadores e para o crescimento do país.
Ao final da audiência, o deputado Christino Áureo disse que irá ler o relatório nesta quarta-feira, 19 de fevereiro, às 10h, na Comissão Mista que examina a MP 905/2019.
Assista aqui a íntegra da fala de Carlos Silva na audiência.