O descumprimento resultará em multa de R$ 1 milhão por norma alterada, revogada ou revisada
Por Lourdes Marinho e Dâmares Vaz
Edição: Nilza Murari
A Procuradoria Regional do Trabalho da 10ª Região, Distrito Federal, do Ministério Público do Trabalho – MPT, ajuizou Ação Civil Pública – ACP com pedido de liminar contra a União, a fim de proibir todo o processo de revisão das Normas Regulamentadoras – NRs de Segurança e Saúde do Trabalho promovido pelo governo. A ACP pede também a nulidade da Portaria nº 1.359/2019, da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, que alterou os limites de tolerância para exposição ao calor, e a retomada da vigência dos enunciados normativos por ela modificados ou revogados. A ACP tramita na Vara do Trabalho de Brasília.
O descumprimento da liminar, caso concedida, resultará em multa de R$ 1 milhão por norma que altere, revogue ou revise uma NR. O valor será destinado a entidades públicas, projetos ou fundos a serem apontados pelo MPT, devendo, em caso de incidência de multas durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6/2020, ser priorizada a reversão para medidas de combate à pandemia gerada pelo coronavírus.
O Brasil, atualmente, figura entre os países com maior número de acidentes e mortes decorrentes do trabalho em todo o mundo. Os dados do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, coletados a partir de notificações recebidas pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, revelam que somente em 2018 ocorreram 623,8 mil acidentes de trabalho, com 154,8 mil benefícios previdenciários acidentários concedidos. De 2012 a 2018, a Previdência Social também gastou R$ 78,9 bilhões com os afastamentos acidentários.
Vale lembrar que os números acima concernem somente a empregados formais e a sinistros registrados por meio de CAT (comunicação de acidente do trabalho). Portanto, são extremamente subdimensionados, considerando-se a grande quantidade de trabalhadores sem registro, bem como de subnotificações de acidentes laborais.
“Diante desse quadro, é de se esperar que o procedimento de elaboração e alteração das normas regulamentadoras da saúde e segurança no trabalho seja conduzido com a devida cautela, de forma séria e criteriosa e sempre pautado com o necessário rigor técnico e científico. Infelizmente, não é o que tem ocorrido, consoante exposto ao longo da presente ação civil pública”, declara o MPT.
De acordo com o MPT, somente nos últimos cinco meses, seis NRs foram alteradas e, a qualquer tempo, pode vir a ser publicada mais uma portaria de modificação, alusiva à NR-31, que trata do meio ambiente no trabalho rural. Tal norma foi discutida pela Comissão Tripartite Paritária Permanente – CTPP somente em dois dias de reuniões, em 10 e 11 de março de 2020, nas quais também se iniciaram deliberações para ampla revisão das NRs 17 – Ergonomia, 4 – SESMT e 5 – CIPA.
O processo revisional tem tido continuidade mesmo na atual conjuntura do estado de calamidade pública em decorrência da pandemia gerada pelo novo coronavírus, contrariando os pedidos até da bancada dos empregadores e notificação recomendatória do MPT.
A próxima reunião da CTPP está agendada para os dias 7 e 8 de abril de 2020, por videoconferência, e requerendo o comparecimento das bancadas. Entre as propostas a serem apreciadas nesta reunião encontra-se a de revogação do Anexo 14 da NR-15, que trata, justamente, sobre insalubridade por riscos biológicos no ambiente laboral, afetando, em especial, os profissionais da saúde.
Na ACP, o MPT ressalta que as reuniões sobre as NRs demandam debates técnicos aprofundados, que deveriam ser conduzidos presencialmente e em um momento no qual houvesse possibilidade de efetiva consulta às bases pelas bancadas dos trabalhadores e empregadores a fim de discutir e uniformizar os seus posicionamentos. “Estas, porém, atualmente, estão focadas em estratégias para sobrevivência durante a crise, manutenção de empresas e empregos e em vultosas alterações organizacionais para prevenir contaminações e a propagação da epidemia”, diz o documento.
Participação dos Auditores-Fiscais do Trabalho
O MPT também requer a submissão das propostas a exame tripartite, em reuniões entre bancadas do governo, trabalhadores e empregadores, com composição paritária e participação do MPT e dos Auditores-Fiscais do Trabalho com autonomia técnica.
Para tanto, requer o encaminhamento das propostas de regulamentação e das atas das reuniões anteriores, a respeito da norma em questão, para as bancadas de empregadores e trabalhadores, previamente às reuniões designadas e com o tempo necessário para que elas consultem suas bases, como determinado pelas Convenções 81, 144 e 155 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, bem como pelo Decreto 7.602/11 e Decreto 9.944/19 e pela Portaria MTb 1.224/18.
O posicionamento do MPT é compartilhado pelo SINAIT. O presidente do Sindicato, Carlos Silva, aponta que alterações no sistema tripartite de elaboração e revisão das NRs resultaram na usurpação de competências organizacionais da área técnica, que embasavam o processo. Para a entidade, o resgate desse modelo de revisão tripartite e de consenso é fundamental para a garantia de efetividade das NRs.
“Essas mudanças permitem que prospere uma agenda com condução mais política do que técnica na revisão das normas. Um aspecto que atesta esse lado político é o calendário absurdamente curto que foi estabelecido para revisão de mais de 30 NRs. Em um processo regular de revisão, o prazo médio seria de 18 meses, por exemplo. Mas, nesse momento, revisões levam no máximo 3 meses, resultando em textos que trazem prejuízos para a segurança e saúde dos trabalhadores, o que contribui para o aumento dos acidentes e mortes de causas ocupacionais”, analisa Carlos Silva.
Ele acrescenta que alterações também têm sido feitas nas ementas das NRs, com enxugamento dos itens passíveis de serem autuados pelos Auditores-Fiscais do Trabalho, o que diminui a possibilidade de punição dos empresários infratores. “Todo o processo tem sido tocado de forma açodada, sem ouvir os Auditores-Fiscais do Trabalho e nem a sociedade, conforme preconiza a Convenção 144 da OIT.”
Consulta Pública
A ACP também requer que, nos procedimentos de revisão, alteração ou revogação de normas regulamentadoras, sejam observadas a elaboração de texto técnico básico e sua submissão a consulta pública, de modo a promover a publicidade e possibilitar a análise e o encaminhamento de sugestões por parte da sociedade.