Por Dâmares Vaz
Edição: Nilza Murari
A criação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel – GEFM em 1995 foi um marco no combate ao trabalho escravo no Brasil e trouxe reconhecimento internacional ao esforço nacional de enfrentamento dessa forma tão cruel de violação dos direitos humanos.
Os 25 anos de atuação do Grupo Móvel estão intrinsecamente ligados à totalidade das políticas públicas contra o tráfico e escravização de pessoas. Registrar e disseminar todas as informações dessa trajetória são formas de preservar os avanços civilizatórios alcançados pelo País.
Ciente da importância dessa informação chegar à sociedade, o SINAIT vem buscando maneiras de contar a história do Grupo Móvel e do combate ao trabalho degradante, na qual os Auditores-Fiscais do Trabalho tiveram, desde o início, papel central.
Assim, apresenta o cordel “Fomos nós mão redentora nestes 25 anos!”, escrito pelo músico, compositor e poeta pernambucano Allan Sales.
Confira:
Fomos nós mão redentora nestes 25 anos!
I
Já faz vinte e cinco anos
Que essa história aconteceu
José um desempregado
Lavrador que conheceu
Numa cidade pequena
Onde se passa essa cena
E tudo o que sucedeu
II
Quando lá apareceu
Um tal de contratador
Procurando mão-de-obra
De cabra trabalhador
Pra assim fazer serviço
E firmar um compromisso
E ganhar algum valor
III
Era ele agricultor
Mas terra não possuía
Só trabalhos temporários
Vez em quando é que havia
E assim foi contratado
Trabalhar em outro estado
E assim ele seguia
IV
O cabra lhe prometia
A boa situação
Pediu os seus documentos
Pra fazer contratação
Mas depois não devolvendo
Os documentos retendo
Abuso sim, cidadão
V
Segue na estrada então
E depois nas vicinais
E chegou numa fazenda
Ali em Minas Gerais
Pra plantar muito feijão
Ficar de calos nas mãos
E cuidar de animais
VI
Primeiro mês foi demais
Não estava acostumado
À jornada extenuante
Muito mal alimentado
Coisa pouca que comia
E a água que bebia
Era do cocho do gado
VII
E também foi maltratado
Por jagunços que havia
Que ficavam vigiando
Enquanto o labor seguia
Vigiando ali na roça
Davam bronca davam coça
Quem corpo mole fazia
VIII
O patrão assim vigia
Como antiga escravidão
Mas a parte mais cruel
Soube ele cidadão
Disseram que ele devia
Pelas coisas que comia
Era grana de montão
IX
Pois ali num barracão
Coisas que ele comprava
Preço alto de lascar
Muito caro assim custava
Descobriu-se devedor
O patrão o seu credor
Num ardil ali estava
X
Essa conta aumentava
E assim ficou cativo
Da ganância do sujeito
Escravocrata lascivo
Fosse ele então fugir
Um jagunço a perseguir
E não sairia vivo
XI
Um sistema opressivo
Rejeita a legislação
Escraviza este povo
Praticando enganação
Ele ali braçal obreiro
Com outros em cativeiro
Na moderna escravidão
XII
Mas um dia veio então
A fazenda visitada
Era um povo diferente
Com uma fala educada
Foram ali fiscalizar
In loco verificar
Coisa que estava errada
XIII
Toda gente entrevistada
Respondendo ao fiscal
Era um tal de Grupo Móvel
Que chegou pra dar final
No labor escravizado
E também tinha do lado
A Polícia Federal
XIV
Revelou ele afinal
Tudo que ali foi feito
Que devia muita grana
Que no chão era seu leito
E o irmão do asqueroso
Do patrão cabra seboso
Da cidade era o prefeito
XV
E assim todo malfeito
Por aí se reparou
Assinaram a carteira
E o salário assim pagou
Do estado a autoridade
Defendendo a sociedade
De quem dela abusou
XVI
A história se passou
De cordel qual ficção
Mas tem fundo verdadeiro
Que envergonha esta nação
O SINAIT rememora
Estes anos nesta hora
Vinte cinco na missão!!
XVII
Disse Joaquim Nabuco
Ao falar da escravidão
Que ela então nos marcaria
Após sua abolição
Boa parte da história
No Brasil a trajetória
De humana exploração
XVIII
Fomentar exportação
Ser assim periferia
Dos grandes centros de mando
Que comandam economia
No Brasil colonial
Que aqui foi bestial
O grilhão da tirania
XIX
Vinte e cinco nesta via
Estes anos de missão
Todos na força tarefa
Até mais longe rincão
E mais de cinquenta mil
São libertos no Brasil
Nesta humana remissão
XX
Denúncia da escravidão
Um bispo aqui fazendo
Foi Dom Pedro Casadáliga
Em setenta acontecendo
Foi em plena ditadura
Uma era obscura
O mundo ficou sabendo
XXI
Isso nos estarrecendo
Pois de fato existia
O Brasil diante da ONU
Isso então reconhecia
Em noventa e cinco o ano
Neste ato soberano
De postura mudaria
XXII
Dos primeiros nesta via
País a reconhecer
A escravidão moderna
Entre nós acontecer
E pra fiscalização
No combate nesta ação
Algo novo foi fazer
XXIII
Foi aqui então trazer
Este Grupo Especial
De Fiscalização móvel
Foi ação primordial
Entes competentes sérios
Do trabalho ministérios
E a Polícia Federal
XXIV
Veio o Auditor-Fiscal
Condições fiscalizar
De trabalhos degradantes
Que se põem a escravizar
De parte considerável
Foi o grupo responsável
Na missão de libertar
XXV
E se pôs a legislar
O Brasil pra coibir
Campanhas informativas
Que se pôde construir
Toda a sociedade
Ante tal iniquidade
Combater e suprimir
XXVI
Tendo leis para suprir
Por aqui legislação
Coibir todos abusos
Neste campo de opressão
Proposta de confiscar
Quem aqui escravizar
Ter a expropriação
XXVII
Proposta de prevenção
E assim não se omitir
Recomenda a OIT
Prevenção e reprimir
Esta coisa tão medonha
Que à gente envergonha
Extirpar vê-la sumir
XXVIII
Tal projeto imprimir
Lista Suja então criar
De empresa criminosa
Que flagrada a usar
Mão-de-obra escravizada
Nesta lista aí citada
Toda ela cadastrar
XXIX
Nesta hora aqui lembrar
Unaí triste chacina
Nossos quatro companheiros
Ante à fúria assassina
Do mandante a impunidade
Toda anormalidade
Que aqui ainda domina
XXX
Compromisso que se assina
Pela erradicação
Nosso Pacto Nacional
Humanista na visão
Pra empresas brasileiras
E também as estrangeiras
A tal crime dizer não
XXXI
Vendo a uberização
Na contemporaneidade
As escravidões futuras
Impostas à sociedade
Nosso povo se inteirando
O combate preparando
Forjar pra posteridade
XXXII
Esta é nossa verdade
Postulados soberanos
Auditoras auditores
Focados nos mesmos planos
Ante à casta exploradora
Fomos nós mão redentora
Nestes vinte cinco anos!!
Confira aqui a publicação em forma de cordel.