Paulo Roberto Warlet da Silva foi empurrado, sofreu escoriações ao cair e agressões verbais de todo tipo, proferidas pelo dono da empresa contábil que ele fiscalizava no centro de São Paulo. Tudo filmado por uma funcionária a mando do agressor, que ainda prometeu postar o vídeo nas redes sociais
Por Lourdes Marinho
Edição: Nilza Murari
O Auditor-Fiscal do Trabalho Paulo Roberto Warlet da Silva, lotado na Superintendência Regional do Trabalho de São Paulo – SRT-SP, foi agredido física e moralmente no curso de uma fiscalização, na tarde desta terça-feira, 9 de junho, no centro de São Paulo. Empurrado, ele caiu e sofreu escoriações no cotovelo direito e na lombar. O caso se deu quando ele fiscalizava a empresa “SP Assessoria Contábil”, com quase 80 empregados, de propriedade de Paulo Cesar Pereira Júnior.
“O colega esteve na sede da Polícia Federal, em São Paulo, registrando a ocorrência. Consegui trocar mensagens com ele, oportunidade que obtive grande parte das informações sobre a agressão, além de ter recebido também informações de outros colegas”, explica o presidente do SINAIT Carlos Silva. O Sindicato Nacional da categoria já denunciou a agressão à Administração e disponibilizou todo apoio necessário ao Auditor-Fiscal.
O SINAIT levou o caso ao conhecimento do Secretário de Inspeção do Trabalho Celso Amorim e cobrou providências imediatas. “Lembrei ao Celso o ainda inexistente Protocolo de Segurança que o SINAIT cobra há meses da SIT, mas nada, até aqui, aconteceu de concreto. A não ser a agressão ao colega”, critica Carlos Silva.
Além disso, o SINAIT solicitou à Subsecretaria de Inspeção do Trabalho – SIT que leve o caso ao conhecimento do secretário de Trabalho, Bruno Dalcolmo, ao secretário Especial de Previdência e Trabalho, do Ministério da Economia, Bruno Bianco Leal, e ao ministro da Economia, Paulo Guedes. “Todos devem tomar providências imediatas”, cobra Carlos Silva.
Carlos informou ainda solicitou mais detalhes do fato, a fim de denunciar a agressão ao Ministério Público do Trabalho - MPT, Ministério Público Federal - MPF, à Direção Geral da Polícia Federal e ao Ministério da Justiça, para que tomem as devidas providências, nos limites de suas atribuições e competências.
“O SINAIT segue reiterando sua disponibilidade em apoiar o colega naquilo que for necessário e possível, bem como reafirma que exigirá as providências de todas as autoridades responsáveis, especialmente no âmbito do Ministério da Economia”, informa Carlos Silva.
Embaraço, desacato e agressão
“Passei por uma experiência horrível... Embaraço raiz, só faltou arma de fogo. Desacato, desobediência, ameaça, injúria, calúnia, difamação, vias de fato... Só escolher”, relata Paulo Warlet.
Segundo ele, mesmo com a chegada da Polícia Militar o dono da empresa não se deixou intimidar. “Fez ameaças claras mesmo na frente dos policiais. Disse que o mundo ia ficar pequeno para mim, que podia contar os dias para minha exoneração, que lá fora ninguém está seguro...”, conta Paulo Warlet.
De acordo com o Auditor-Fiscal, o agressor, que é advogado e dono da consultoria contábil, mandou uma funcionária filmar toda a agressão e disse que ia postar em todas as redes sociais com #bolsonaro, e ele estaria demitido em três dias.
Atitudes de incentivo ao desacato, perseguição, ameaças e violências incentivadas por autoridades que, ao contrário, deveriam agir em defesa da Auditoria-Fiscal do Trabalho e dos Auditores-Fiscais do Trabalho, contribuem para este tipo de ocorrência. Um exemplo disso ocorreu em agosto de 2019, quando circulou nas redes sociais um vídeo e mensagens no perfil de Facebook atribuído ao presidente da República, Jair Bolsonaro, atacando Auditores-Fiscais do Trabalho por fiscalizações realizadas no interior do Ceará, na atividade de extração da palha da carnaúba (relembre aqui).
Para os dirigentes do SINAIT, a impunidade de crimes cometidos contra os agentes públicos – a exemplo do mais emblemático, a Chacina de Unaí, que completou 16 anos em 28 de janeiro deste ano, sem que os mandantes estejam presos – têm ensejado outros infratores a acharem que podem fazer o mesmo.
Entenda o caso
As agressões verbais ao Auditor-Fiscal do Trabalho começaram quando ele chegou para fiscalizar o escritório contábil, por volta das 15h desta terça-feira, 9 de junho. Segundo Warlet, o proprietário da assessoria contábil teve uma reação gratuita e exacerbada. Queria saber sobre a denúncia que o levara até ele e também ver a Ordem de Serviço, o que ele recusou. De acordo com o Auditor-Fiscal, o Ministério Público do Trabalho já fiscalizava a empresa.
Diante da enxurrada de agressões verbais, palavras de baixo calão, e da dificuldade imposta pelo proprietário da empresa para fazer a fiscalização, Paulo chamou a Polícia Militar que, ao chegar para assegurar a fiscalização, presenciou toda a agressão, inclusive física.
“A Polícia chegou em 15 minutos e também filmou toda a ação. Quando eu passava de uma sala para outra, fazendo a fiscalização, o dono da empresa me empurrou. Ao cair perto de uma mesa, sofri escoriações no cotovelo direito e na lombar”, conta Paulo, informando que a PM tentou acalmar o agressor.
O Auditor-Fiscal deu voz de prisão ao empresário. Todos foram conduzidos pela Polícia à delegacia. Mas o delgado declinou do caso, e pediu que eles se dirigissem à Polícia Federal, órgão competente para instaurar o inquérito, por se tratar de crime contra agente federal. Na sede da PF os Auditores-Fiscais Ruy Arruda e Antônio Fojo acompanharam e apoiaram espontaneamente o colega Paulo Warlet.
De acordo com Paulo Warlet, o vídeo da PM, com 40 minutos de filmagem, está no inquérito e é usado como prova das agressões cometidas pelo empresário. O Auditor-Fiscal também passou por exame de corpo de delito, comprovando os ferimentos causados pela agressão, que caracterizam o crime de lesão corporal.
O empresário pagou fiança de R$ 1.045,00 e foi liberado.
A ação fiscal terá prosseguimento, pois não foi concluída. Segundo Warlet, houve denúncia de descumprimento das normas de prevenção à transmissão da Covid-19. A situação encontrada comprova a denúncia. O local tem teto baixo, não tem janelas, as pessoas trabalham amontoadas em baias contíguas. A empresa não fornece máscaras e nem exige o uso delas por parte de seus empregados. O Auditor-Fiscal conseguiu entrevistar alguns trabalhadores. Todos foram testemunhas das agressões verbais e física. Alguns se movimentaram para conter o patrão, que se manteve extremamente agressivo e exaltado durante todo o ocorrido.
Outras agressões contra AFTs
Ataques e ameaças a Auditores-Fiscais do Trabalho têm ocorrido com frequência. Somente em 2019, ocorreram mais de cinco ameaças de morte, a maioria durante operações rurais, em vários estados, como Ceará, Pará, Pernambuco e outros.
Em setembro de 2019, o presidente do SINAIT, Carlos Silva, também cobrou a criação de um protocolo de segurança para as equipes de fiscalização de combate ao trabalho escravo durante reunião deliberativa da Subcomissão Permanente de Combate ao Trabalho Análogo ao Escravo. A sessão na Subcomissão da Comissão do Trabalho, Administração e Serviço Público – CTASP, da Câmara dos Deputados tratou do aprimoramento dos mecanismos de fiscalização e combate do trabalho análogo à escravidão.
A cobrança também tem sido feita em audiências públicas na Câmara e no Senado e às autoridades competentes.