Polícia foi chamada pela síndica. Policiais disseram que tinham ido atender a uma ocorrência de tentativa de assalto. Episódio gerou constrangimento e humilhação aos Auditores-Fiscais
Por Lourdes Marinho
Edição: Nilza Murari
Os Auditores-Fiscais do Trabalho Danilo Barroso Frota e Filipe Colares Nascimento foram impedidos de entrar em um condomínio durante uma fiscalização para averiguar irregularidades em relação às medidas de proteção à Covid-19, em uma empresa de teleatendimento, no dia 23 de julho, em São Paulo.
Ao chegarem ao condomínio, no bairro Morumbi, eles se identificaram na portaria, disseram onde iam, inclusive autorizaram que o porteiro pegasse os dados de suas Carteiras de Identidade Fiscal, e retiraram as máscaras para serem fotografados. Pediram, somente, que por se tratar de fiscalização, não informassem à empresa a que se dirigiam, por se tratar de ação sigilosa.
Mas o responsável pela portaria disse que eles teriam que falar com a síndica, que era advogada. Os Auditores-Fiscais foram colocados em uma sala. A síndica ligou para o telefone de Filipe e disse que não reconhecia a prerrogativa deles para fiscalizar o local sem anuncio prévio, a não ser com ordem judicial.
Filipe informou que isso era obstáculo à ação fiscal e que teriam que lavrar um auto contra a administração do condomínio por resistência à fiscalização. De acordo com Filipe, a síndica se descontrolou ao telefone, impossibilitando o diálogo.
Depois de dez minutos de espera, ouviram som de sirenes de polícia. Ele conta que duas viaturas com seis policiais fortemente armados chegaram cantado pneus. “Os policiais adentraram à sala dizendo que vieram atender denúncia de ocorrência de que dez pessoas tentaram assaltar o prédio, se dizendo fiscais”, conta Filipe.
“Esclarecemos que se tratava de uma fiscalização, mas os policiais não compreendiam o que acontecia e não sabiam que os fiscais têm livre acesso aos locais de trabalho, e que a polícia deveria ajudar a garantir a fiscalização”, explica o Auditor-Fiscal.
Apesar de, em nenhum momento, os policias destratarem os agentes públicos, eles permaneceram na sala decidindo o que fazer com situação. Depois de longas tentativas de entendimento o próprio gerente da administração no condomínio, que havia atendido os Auditores-Fiscais inicialmente, procurou convencer os policiais de que se aqueles senhores (fiscais) estavam tão calmos, diante da polícia, não seriam assaltantes. Mas os Auditores-Fiscais só foram autorizados a subir para fiscalizar a empresa acompanhados pelos policiais.
Felipe conta ainda que, quando a polícia já tinha ido embora, a síndica/advogada chegou ao condomínio e se recusou a receber/assinar o auto de infração lavrado contra o condomínio. “Ela continuou exigindo a Ordem de Serviço – OS da fiscalização, que tinha sido, inclusive, fotografa pelo gerente do condomínio antes da chegada dos policiais”, ressaltou.
“A síndica, que a todo instante reforçava sua condição de advogada, não tinha como ignorar a lei. Podia até consultar a internet sobre a prerrogativa do Auditor-Fiscal adentrar o ambiente de trabalho”, diz Filipe.
Ele ressalta que a fiscalização era uma ação em uma empresa de teleatendimento, requerida pelo Ministério Público do Trabalho – MPT, de prevenção ao contágio por Covid-19.
Disse ainda que, apesar das irregularidades constatadas, como o ambiente era fechado, sem circulação de ar, com uso de máscaras inadequadas pelos empregados e mobiliário sem afastamento suficiente, a empresa não foi autuada, por se enquadrar no critério da dupla visita. Nesses casos, a autuação ocorre na segunda visita da fiscalização se o empregador não corrigir as irregularidades trabalhistas.
“Estamos indignados porque, mesmo depois de nos identificarmos, fomos humilhados por termos sido denunciados à polícia como bandidos, pelo fato de a síndica afirmar que a fiscalização não tinha prerrogativa diante das normas do condomínio, repetindo, insistentemente, que lá dentro era a lei do empregador”, desabafa Filipe Colares.
Danilo Frota também se pronuncia sobre o caso. “Foi muito humilhante, a gente sente uma desvalorização profissional e uma desmoralização institucional. Abala a gente, porque é um desrespeito ela [a síndica] nos confundir com bandidos, mesmo depois de termos nos identificado. É uma humilhação chegar um monte de policial”.
Na visão dele, esse pode ser o “novo normal”, em que os agentes públicos são vistos como usurpadores e desonestos. “A situação mostra que está se tornando corriqueiro, esse movimento de desrespeito às instituições”, lamentou.
Ambos expressam preocupação com as situações de violência que têm visto acontecer com maior frequência com os colegas. “Se hoje é assim, como será daqui pra frente com a redução do número de Auditores-Fiscais para fiscalizar o cumprimento da legislação de proteção do trabalhador?”, questiona Filipe Colares.
Ele teme que a proteção dos trabalhadores pela Auditoria-Fiscal possa ser impossibilitada diante da atual tendência de aumento de ameaças e agressões a agentes do Estado, e que o trabalho da fiscalização fique prejudicado. Citou como exemplos os casos ocorridos com um colega do Rio Grande do Sul, espancado e colocado em cárcere privado ao anunciar uma fiscalização, e o mais recente, ocorrido com o colega Paulo Roberto Warlet da Silva, quando fiscalizava uma empresa de contabilidade.
Lembrou ainda de outra situação de constrangimento vivenciada durante uma fiscalização, em outra ocasião, quando emitiu relatório ao Ministério Público do Trabalho, pedindo denúncia à Polícia Federal, mas para a qual até hoje não teve retorno.
Assistência jurídica
No dia seguinte, pretendendo tomar providência referente a esta situação ocorrida na fiscalização no Morumbi, os Auditores-Fiscais procuraram a diretora do SINAIT Ana Palmira Arruda Camargo, que é de São Paulo, em busca de orientação e ajuda. Eles foram prontamente atendidos. Um advogado foi contratado pelo Sindicato e já protocolou pedido de inquérito junto à Polícia Federal.
De acordo com o presidente do SINAIT, Carlos Silva, o Sindicato está prestando toda a assistência necessária aos Auditores-Fiscais, inclusive na denúncia feita à Polícia Federal, com assessoramento de advogados. O caso terá todos os seus desdobramentos, especialmente perante à Subsecretaria de Inspeção do Trabalho – SIT, para que tome providências urgentes e imediatas.
“Este caso, que é o segundo em menos de 45 dias, somente na Grande São Paulo, torna cristalinas as consequências da demora do governo em implantar o Protocolo de Segurança para os Auditores-Fiscais do Trabalho. O SINAIT, apresentou e reapresentou minuta, reiteradas vezes, desde 2014. O SINAIT integra um Grupo de Trabalho na SIT que discute o tema, mas que não chega ao fim há anos!”, desabafa Carlos Silva.
Confira aqui a linha do tempo publicada pelo SINAIT com casos de assassinatos, agressões e ameaças a Auditores-Fiscais do Trabalho desde 2004, quando ocorreu a Chacina de Unaí.