Normas Regulamentadoras, leis e fiscalização trabalhistas não são entrave ao País. Desmonte dessa estrutura, sim


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
30/12/2020



Há anos, leis trabalhistas e normativos de Segurança e Saúde do Trabalho do País sofrem ataques sem precedentes, perpetrados por governantes diversos que, além de tudo, não hesitam em exibir sua desinformação sobre os assuntos. Não pela primeira vez, nesta segunda-feira, 28 de dezembro, o presidente da República Jair Bolsonaro fez afirmações desarrazoadas sobre o papel das Normas Regulamentadoras (NRs) de Segurança e Saúde no Trabalho (SST) e sobre a atuação dos Auditores-Fiscais do Trabalho na fiscalização de seu cumprimento. Em entrevista ao programa da CNN Prime Time, o chefe do Estado brasileiro declarou ainda ter lado quando o assunto é direito trabalhista versus maus empregadores.


Há muitos setores organizados da sociedade que investem contra o regramento de proteção ao trabalhador. Passando pela tentativa de alteração do conceito de trabalho escravo no Congresso Nacional, ou por absurda portaria editada por ministro de Estado. Seja pela aprovação da reforma trabalhista e, mais recentemente, pelo processo de desmonte das Normas Regulamentadoras, conduzido pelo Ministério da Economia, que absorveu a pasta Trabalho. E, desde 2019, o governo tem tomado medidas efetivas para deslocar a competência da revisão das NRs da área técnica para a área política, num completo descaso com a vida e integridade física dos trabalhadores brasileiros. Um exemplo foi a extinção das Comissões Técnicas Temáticas Tripartites, que empobreceu a reflexão técnica mais aprofundada que os debates ali propiciavam.


Nas palavras do presidente do País, ser empregador no Brasil não é fácil em razão de “um emaranhado de legislação, de direitos”. E quanto a ser trabalhador, é fácil? Num País que acidenta mais de 700 mil trabalhadores por ano, dos quais cerca de três mil morrem e outros milhares ficam permanentemente incapacitados, é fácil ser trabalhador? A verdade é que os números contradizem os argumentos sustentados pelo mandatário e expõem a realidade – o Brasil é um dos recordistas mundiais em acidentes e adoecimentos ocupacionais e o trabalhador precisa de mais, e não menos, proteção.


Além do desmantelamento do normativo de SST, a sua fiscalização, pelos Auditores-Fiscais do Trabalho (os servidores de Estado que detêm essa competência), também está cada vez mais enfraquecida. A Auditoria-Fiscal do Trabalho está com o menor quadro funcional dos últimos anos, pouco mais de 2 mil servidores na ativa – 45% dos 3.644 cargos criados por lei estão vagos. Deveriam ser pelo menos 8 mil, para fiscalizar milhões de empresas em solo nacional, de acordo com estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea, de 2012, desenvolvido em parceria com o SINAIT. E não há a perspectiva de concurso.


O País perde muito com isso. Em 2019, o Brasil teve um prejuízo de R$ 122,8 bilhões com acidentes, adoecimentos e mortes decorrentes do trabalho, de acordo com levantamento produzido pelo pesquisador Remígio Todeschini, ligado à Universidade de Brasília – UnB.


Em face da afirmação presidencial de que “um país como o nosso tem tudo para ser uma grande nação. Mas tem uma legislação complicada, que cria dificuldade para vender facilidade”, o SINAIT pontua que investimentos em SST aumentam a competitividade e a produtividade das empresas, reduzindo os custos resultantes de acidentes de trabalho e de problemas de saúde relacionados com o trabalho e aumentando a motivação dos trabalhadores. Além disso, uma diminuição dos acidentes e problemas de saúde relacionados ao trabalho atenua a pressão sobre os sistemas públicos e privados de proteção social, seguros e pensões.


O que vem sendo chamado de “simplificação” e “modernização” pelo governo representa, na verdade, retrocesso social, com aumento da morbidade e mortalidade no trabalho e reflexos negativos diretos sobre os resultados do setor econômico nacional, que terá de arcar com os custos acidentários crescentes.


As NRs foram elaboradas como instrumentos regulamentadores do equilíbrio das relações trabalhistas e garantidores da qualidade de vida do brasileiro. Foram um marco na efetivação de garantias constitucionais como dignidade da pessoa humana, valor social do trabalho, saúde e segurança do trabalhador e diminuição de riscos inerentes ao trabalho.


Em relação ao processo de elaboração das NRs, a metodologia que existia, anterior ao desmonte promovido pelo governo, era bem estruturada e observava integralmente o princípio da publicidade, com participação efetiva dos atores sociais e realização de consultas públicas. Era um processo regulatório que valorizava e respeitava o diálogo social, impulsionando a constante atualização demandada pela interação entre trabalhadores e empregadores. 


Ao falar dos Auditores-Fiscais do Trabalho e da atividade de inspeção, o presidente dá a entender que os servidores agem arbitrariamente e que as NRs foram elaboradas ao acaso, sem profundas e amplas discussões técnicas entre técnicos, trabalhadores e também empregadores.


Não é o primeiro ataque, como dito. Uma postagem de 10 de agosto de 2019, em um perfil de Facebook atribuído ao presidente da República, investiu contra Auditores-Fiscais do Trabalho por fiscalizações realizadas no interior do Ceará, na atividade de extração da palha da carnaúba. No vídeo da postagem, duas pessoas enumeraram autos de infração aplicados em razão de várias irregularidades encontradas no local fiscalizado, e o conteúdo alcançou mais de 7 mil comentários e 20 mil compartilhamentos, uma grande maioria incitando violência contra os servidores.


Não deveriam ser toleradas de autoridades atitudes de incentivo a desacato, perseguição, ameaças e violências. Essas autoridades, ao contrário, deveriam agir em defesa da Auditoria-Fiscal do Trabalho e dos Auditores-Fiscais do Trabalho. Afinal, é uma carreira de Estado, cujo dever de executar, manter e organizar a fiscalização está inscrito na Constituição Federal.


É ainda mais preocupante esse tipo de atitude quando se constata que os casos de agressões contra Auditores-Fiscais do Trabalho e outros servidores ligados à fiscalização vêm numa crescente – somente em 2019, foram seis as ocorrências de violência física contra Auditores-Fiscais do Trabalho. Há registro de episódios nos estados do Acre, Bahia, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Pará, Pernambuco, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo – veja aqui a linha do tempo com os casos de assassinatos, agressões e ameaças ocorridos desde 2004 até junho de 2020. O mais grave deles foi a Chacina de Unaí, em 2004, quando três Auditores-Fiscais do Trabalho e um motorista do extinto Ministério Trabalho foram executados em razão do exercício de suas funções de fiscalização, ao averiguar irregularidades trabalhistas.


O SINAIT reitera que o trabalhador precisa de mais, e não menos, proteção. E não é esse o objetivo do governo ao tomar medidas que desmontam as NRs e enfraquecem a Fiscalização do Trabalho.


Diretoria Executiva Nacional – DEN do SINAIT

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