A Auditora-Fiscal do Trabalho Maria Neuzeli Arantes de Oliveira, lotada na Superintendência Regional do Trabalho de Mato Grosso, hoje do Ministério da Economia, lembra neste Dia Internacionalmente da Empregada Doméstica (27/04), o resgate em 2019 de uma jovem, então com 22 anos, que prestava serviços domésticos em condições análogas à escravidão em uma propriedade rural dos próprios tios, localizada no município de Chapada dos Guimarães (60 km de Cuiabá/MT).
A denúncia chegou à SRTb/MT por meio da coordenadora do Comitê Estadual de Prevenção e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Cetrap), Dulce Regina Amorim. Entre as irregularidades encontradas pela equipe de fiscalização, jornada exaustiva, trabalho forçado, condições degradantes, informalidades, cerceamento da liberdade, agressões físicas e psicológicas e não pagamento de verbas salariais.
Segundo a jovem, todos os dias a tia a obrigava a colocar o despertador programado para as 5h10min e sua jornada somente se encerrava à noite, depois do jantar.
A trabalhadora acordava muito cedo porque era responsável por acordar os primos para ir para escola e, em seguida, servi-los com preparo do café da manhã, cuidados com os uniformes e demais cuidados que os tios julgassem necessários.
Após a saída dos primos, suas tarefas prosseguiam: limpava casa, lavava banheiro todos os dias, varria quintal e áreas da casa, fazia almoço e jantar. Nos dias em que não havia aula para os primos, também era obrigada a acordar cedo para trabalhar porque, além das tarefas de casa, também trabalhava na lavoura.
Além dos trabalhos realizados gratuitamente à família, a trabalhadora ainda prestava serviços para terceiros - fazia faxinas, lavava roupas, preparava alimentos que eram vendidos em dias de festa - cujos pagamentos eram recebidos pelos tios.
“Constatamos que a trabalhadora - sem direito de escolha - era obrigada a fazer os trabalhos determinados pelos tios, sob pena de castigos inclusive físicos”, conta a Auditora-Fiscal.
A jovem também era submetida à condição degradante de trabalho, que é qualquer forma de negação ou subtração da dignidade humana pela violação dos direitos fundamentais básicos do trabalhador, notadamente os dispostos nas normas de proteção do trabalho e de segurança, higiene e saúde no trabalho.
E também nunca havia recebido pagamento pelos serviços realizados na propriedade dos tios e nem do vizinho, na produção de alimentos para festas.
Conforme apurado no depoimento da trabalhadora, de parentes e dos vizinhos, R.A. B. sofria constantes agressões físicas e psicológicas sintetizadas inclusive por agressões verbais com uso de palavras de baixo calão e ameaças de agressões físicas.
As agressões impostas pelos empregadores à sobrinha possuíam diversas matizes. Além da consumação das ameaças de castigos físicos, R.A. B. sofria repressões de toda sorte: não podia frequentar a escola, não participava de reuniões sociais, não possuía lazer, sequer poderia interagir com a vizinhança.
Suportava, ainda, diversas formas de discriminação dentro da família, a exemplo da alimentação. No momento de fazer as refeições, a trabalhadora não poderia comer os alimentos considerados mais gostosos porque estes eram destinados aos primos e demais familiares.
Providências
Após auditoria do local e entrevistas com os vizinhos, com trabalhadores e com o empregador, considerando a verificação de elementos que demonstravam a redução da trabalhadora R.A. B. a condições análogas à de escravo, a Auditoria Fiscal do Trabalho retirou a jovem do local de moradia e trabalho (residência dos empregadores) e à conduziu à Delegacia Especializada da Mulher em Cuiabá, onde foi acompanhada e assistida por uma tia e por Dulce Regina Amorim, do Cetrap.
Foi solicitado à Caixa Econômica Federal o número de PIS da trabalhadora, preenchida a guia de seguro desemprego. No mesmo ano, ela participou de capacitação pelo Projeto Ação integrada. Também recebeu três parcelas de seguro desemprego e o Cetrap também a ajuda com acompanhamento psicológico, cesta básica, roupas, entre outros.
Os empregadores foram notificados a apresentar a regularização da situação trabalhista, bem como apresentar os documentos comprobatórios dos pagamentos efetuados aos trabalhadores.