Sem acesso a água potável, indígenas tinham que beber, tomar banho e lavar as roupas em um córrego
Por Lourdes Marinho com informações da SRT/RS
Edição: Andrea Bochi
Uma ação conjunta entre Auditores-Fiscais do Trabalho, representantes do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da Polícia Militar Ambiental de Mato Grosso do Sul resgatou 11 indígenas de condições análogas à escravidão na fronteira com o Paraguai, em uma fazenda no município de Antônio João (MS). Os trabalhadores são jovens, quatro deles são menores. A operação de resgate teve início no dia 18 de maio e encontra-se em andamento.
Sem acesso a água potável, os trabalhadores tinham que beber, tomar banho e lavar as roupas em um córrego, e ainda dormiam no chão. A alimentação, custeada pelos trabalhadores, era composta por um pouco de arroz e como mistura uma sardinha ou animais silvestres caçados pelos próprios indígenas.
Nesta quinta-feira, 26 de maio, a Fiscalização do Trabalho esteve na aldeia para fazer a rescisão dos trabalhadores. Os indígenas também receberam as guias do Seguro-Desemprego ao Trabalhador Resgatado – são três parcelas, cada uma no valor de um salário-mínimo, emitidas pelos Auditores-Fiscais. O empregador ainda deverá arcar com o pagamento de multas decorrentes da lavratura de autos de infração, bem como de eventuais indenizações a título de danos morais individual e coletivo.
Além das providências tomadas para responsabilização trabalhista e garantia de direitos das vítimas, os Auditores-Fiscais do Trabalho irão encaminhar o relatório da fiscalização ao Ministério Público do Trabalho para as medidas cabíveis em relação aos danos morais sofridos pelos indígenas, e também ao Ministério Público Federal para apuração do crime de trabalho.
Precarização
A maioria dos indígenas contratados para a atividade de catação de pedras – que consistia na retirada de pedras e de vegetação indesejada – residia, antes do aliciamento, na Aldeia Campestre, localizada às margens da rodovia MS-384, no município de Antônio João.
Em depoimentos coletados durante a diligência, eles relataram que a jornada de trabalho era de segunda-feira a sábado, das 6h às 17h, e que receberiam R$ 65 por dia, valor do qual eram descontadas despesas com alimentação. Todos laboravam sem registro em carteira – boa parte sequer possui certidão de nascimento. Um deles estava, desde fevereiro deste ano, na fazenda de 4 mil hectares.
Parte dos trabalhadores vivia em barracos de lona plástica improvisados no meio da mata, que não os protegia de intempéries como chuva e dos animais peçonhentos. Outros dormiam em camas improvisadas – colchões velhos e sujos, colocados sobre o chão e toras de madeira, montadas em um galpão construído perto da sede. A varanda desse espaço também era utilizada como “alojamento” pelos indígenas, onde dormiam no chão.
Ao grupo não eram oferecidos locais apropriados para guarda, conservação e preparo de alimentos – comiam em um canto qualquer, nem água potável, instalações sanitárias, equipamentos de proteção individual ou coletiva e materiais de primeiros socorros. Como consequência, eles tomavam banho em um riacho próximo da sede da propriedade rural, sem nenhuma privacidade. E faziam as necessidades fisiológicas no mato, a céu aberto.
Panorama
A escravidão moderna é configurada quando constatada a submissão a trabalhos forçados, a jornadas exaustivas, a condições degradantes de trabalho ou a servidões por dívida.
Dados do Radar da SIT – Subsecretaria de Inspeção do Trabalho revelam que 2.868 trabalhadores e trabalhadoras foram resgatados dessas condições em Mato Grosso do Sul, desde 1995. Desde 2004, mais de 600 indígenas foram resgatados pela Inspeção do Trabalho no Brasil.
Em Mato Grosso do Sul os casos de trabalho escravo se concentram no meio rural. Entre os setores econômicos mais frequentemente envolvidos nos resgates, destacam-se: cultivo de cana-de-açúcar, produção florestal e criação de bovinos.
Denúncias sobre trabalho escravo podem ser feitas por meio Sistema Ipê ou Disque 100 e 180.