Os trabalhadores foram encontrados em condições degradantes; um grupo estava alojado em um curral e o outro em galinheiro
Com informações da Detrae (Ministério do Trabalho e Previdência)
Onze trabalhadores foram resgatados de condições análogas às de escravo em duas fazendas no norte de Mato Grosso. O resgate foi realizado entre os dias 8 e 16 de setembro em uma ação conjunta do Grupo Especial de Fiscalização Móvel - GEFM, da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), acompanhado pelo Ministério Público do Trabalho e pela Polícia Federal.
Em Itaúba foram encontrados cinco trabalhadores envolvidos na catação de raízes, etapa de preparação do solo para plantio de soja, em uma fazenda em que anteriormente se explorava a pecuária. Residentes no município de Lago da Pedra, no Maranhão, chegaram a Mato Grosso entre abril e setembro deste ano. O grupo, que já retornou para o seu estado de origem, estava submetido a condições degradantes de trabalho e a jornadas exaustivas.
Inicialmente os trabalhadores chegaram a ficar alojados na mata, em um barraco feito de galhos e coberto por lona plástica, sendo depois instalados em um barraco utilizado como galinheiro próximo à sede da fazenda, feito de madeira, com piso de chão batido e paredes laterais improvisadas com lona, sem porta, com uma espécie de “varanda” onde se podia armar as redes, já que camas ou colchões não foram disponibilizados.
Também foi constatada sua submissão a jornadas exaustivas: um dos trabalhadores iniciou seu labor às 5h da manhã e o terminou às 20h30. Além da extensão das jornadas diárias e da penosidade do trabalho exercido, também foi verificado que não eram concedidas folgas a cada sete dias de trabalho e, ainda, que os dias não trabalhados deixavam de ser remunerados pelo empregador, mesmo quando o afastamento se dava por razões de saúde. Um dos trabalhadores resgatados pegou leishmaniose, doença parasitária que está associada à desnutrição, deslocamento de população ou condições precárias de habitação e saneamento. Quando, por conta própria, decidiu procurar um médico, foi orientado a se afastar das atividades por 25 dias, período em que não trabalhou, mas também nada recebeu.
Não havia instalações sanitárias nas frentes de trabalho. No alojamento, roupas e demais pertences eram mantidos dentro de malas devido à falta de armários. No mesmo cômodo havia um fogão e um botijão GLP para preparo das refeições. Os mantimentos eram guardados no mesmo local e dispostos em prateleiras de madeira. Na falta de geladeira, a carne consumida era deixada em outro “barraco”, o do tratorista, onde também utilizavam a água da torneira para beber, lavar louça, roupa e cozinhar.
Já em Guarantã do Norte, outras seis pessoas foram resgatadas. Os Auditores-Fiscais do Trabalho constataram que os trabalhadores estavam alojados em um curral, visivelmente ativo, onde se encontravam também as áreas de vivência. Alguns trabalhadores dormiam em redes ou camas improvisadas, e tinham que conviver com fezes de animais. A atividade desenvolvida no estabelecimento era a construção de um silo para armazenamento de grãos.
As condições de segurança, saúde e higiene nos locais de trabalho e no alojamento eram igualmente precárias. Antes de serem mandados para o curral, os trabalhadores resgatados ficaram alguns dias em uma casa distante cerca de um quilômetro da obra. Todavia, o local estava bastante sujo e infestado de pulgas e morcegos.
A equipe de fiscalização verificou que o curral, cujo piso era de madeira, estava sujo com fezes de animais; havia um brete (corredor de passagem do gado para ser marcado e vacinado). Havia, ainda, estrume dos animais nesse brete, por onde também passavam os trabalhadores quando iam preparar suas refeições, que eram consumidas em bancos de madeira e com os pratos nas mãos ou apoiados no colo. A água consumida não era filtrada. Para dormir, alguns trabalhadores improvisaram paletes em cima do brete.
Notificados, os empregadores realizaram os pagamentos das verbas salariais e rescisórias devidas aos trabalhadores, custeando também o retorno ao Maranhão para aqueles que foram resgatados em Itaúba/MT. A Auditoria-Fiscal do Trabalho emitiu as guias de Seguro-Desemprego Especial do Trabalhador Resgatado, que dão às vítimas o direito de receber três parcelas, de um salário-mínimo (R$ 1.100,00) cada. Serão lavrados, ainda, os autos de infração correspondentes às irregularidades constatadas.
Como um dos resultados da fiscalização, os proprietários rurais assinaram Termo de Ajuste de Conduta (TAC) perante o Ministério Público do Trabalho (MPT) e assumiram diversas obrigações que, caso descumpridas, resultarão em multas. A principal delas é a de absterem-se de manter, direta ou indiretamente, trabalhador em condições contrárias às disposições de proteção do trabalho ou de sujeitá-los à condição análoga à de escravo.
Uma terceira pessoa, que atuava como intermediário ou "gato", também firmou TAC e deverá abster-se de contratar trabalhadores em favor de terceiros ou de arregimentá-los com falsas promessas de emprego, registro e direitos trabalhistas. Ele não poderá realizar descontos ou cobranças de passagens de ida e retorno dos locais de origem, bem como cobrar ou descontar valores relacionados à moradia, alimentação, ferramentas de trabalho e equipamentos de proteção.
Trabalho infantil proibido e interdição de alojamento de trabalhadores
Em outras duas fiscalizações realizadas durante a operação, também foram encontradas graves irregularidades. Numa fazenda em Feliz Natal, os Auditores-Fiscais do Trabalho interditaram o local utilizado como alojamento pelos trabalhadores, uma vez que na edificação havia fiação exposta em razão da precariedade das instalações elétricas, e a presença de produtos inflamáveis, como agrotóxicos e óleos lubrificantes – cujo armazenamento não poderia ter sido realizado nas áreas de vivência –, além da próprias paredes e piso da instalação de madeira. Os trabalhadores foram alojados pelo empregador em uma casa, na zona urbana do município.
No município de Paranaíta, a equipe de fiscalização flagrou o trabalho de dois adolescentes, ambos com catorze anos de idade, em atividade que é proibida para menores de 18 anos. Foi determinado o afastamento do trabalho e os pagamentos das verbas devidas pelos empregadores foi realizado, sendo os adolescentes acompanhados por suas mães.
Balanço da operação
Assim como em Itaúba, nas fazendas fiscalizadas em Feliz Natal e Paranaíta a atividade realizada pelos trabalhadores era a preparação do solo para o plantio de grãos, em locais anteriormente utilizados como áreas de pastagem. A fazenda de Guarantã do Norte, em cujo curral os trabalhadores foram alojados, mantém a criação de gado bovino, mas investiu na construção de um silo para os grãos. “A expansão das áreas de plantio na região amazônica não causa apenas impactos ambientais, como queimadas, desmatamento e escassez de água, mas também afeta as relações sociais, econômicas e de trabalho, possibilitando a submissão de trabalhadores à escravidão contemporânea e outras formas de superexploração laboral”, destaca Magno Riga, coordenador do Grupo Especial de Fiscalização Móvel.
Todos os trabalhadores identificados pela equipe de fiscalização se encontravam na informalidade, isto é, sem os registros em carteira feitos por seus empregadores. A ausência de proteção social e a vulnerabilidade dela decorrente agrava a situação dos trabalhadores, migrantes em busca de renda para sustento de suas famílias, atraídos ao Mato Grosso em razão da expansão do agronegócio exportador.
Os integrantes da equipe de fiscalização chamaram atenção para o discurso, muito comum entre os empregadores, de que a terceirização seria permitida nessas atividades. “A terceirização não pode ser confundida com o comércio de trabalhadores, prática que é proibida pela legislação internacional ratificada pelo Brasil, principalmente quando estes trabalhadores são expostos a graves violações de direitos fundamentais”, afirma Riga.