Por Solange Nunes
Edição: Andrea Bochi
Em dez motivos, o SINAIT defende a rejeição da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 18/2011, que propõe alterar a Constituição Federal a fim de autorizar o trabalho sob regime de tempo parcial a partir dos 14 anos. Hoje, o texto constitucional permite que jovens na faixa etária de 14 a 16 anos trabalhem somente como aprendizes. A matéria está em análise na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) na Câmara dos Deputados. Na semana passada, a matéria saiu de pauta da comissão, em função da pressão do presidente do Sindicato Nacional, Bob Machado, e de representantes de outras entidades de proteção à infância.
Para o SINAIT, a proposta deve ser enterrada na CCJC. “É um assunto caro para o Sindicato e para os Auditores-Fiscais do Trabalho de todo o país que trazem, entre suas missões, a proteção à infância e a busca do trabalho protegido e seguro para os brasileiros”, afirma Bob Machado.
Em função disso, segue os dez motivos para a rejeição da proposta:
1. O projeto pretende, na verdade, a redução da idade mínima para o trabalho no Brasil
Atualmente, segundo o art. 7º, inciso XXXIII, da CF/88, na faixa etária dos 14 e 15 anos só é permitido o trabalho na condição de aprendiz.
A PEC 18/2011 pretende que adolescentes na faixa etária de 14 e 15 anos passem a trabalhar também como empregados em geral no atendimento da necessidade de mão de obra das empresas, sendo ressalvada apenas a condicionante do regime de tempo parcial.
2. Diferença entre a aprendizagem profissional e o trabalho em regime de tempo parcial
O trabalho em regime de tempo parcial é desenvolvido como os contratos de trabalho em geral em que o trabalhador é admitido para suprir a necessidade de mão de obra das empresas.
Na aprendizagem profissional, o aspecto formativo do trabalho se sobrepõe ao produtivo. É desenvolvida através de um contrato de trabalho especial, e tem por objetivo assegurar qualificação profissional, experiência prática em ambiente de trabalho seguro e protegido, direitos trabalhistas e previdenciários, realização de atividades compatíveis com as necessidades, habilidades e interesses dos jovens, transição do adolescente da escola para o mundo do trabalho, bem como acesso e frequência ao ensino regular.
3. Violação aos direitos fundamentais à proteção no trabalho e à profissionalização
A Constituição Federal de 1988 garantiu à criança e ao adolescente o direito fundamental à proteção no trabalho, através do estabelecimento da idade mínima de 16 anos para laborar (art. 7º, inciso XXXIII, da CF/88); bem como o direito à profissionalização, assegurado pela exceção à regra da idade mínima para o trabalho no caso do adolescente aprendiz, a partir dos 14 anos. (arts. 7º, inciso XXXIII, e 227 da CF/88).
A PEC 18/2011, ao pretender a redução da idade mínima para o trabalho, afronta diretamente os direitos fundamentais acima relacionados.
4. Vedação ao retrocesso social
A limitação da idade mínima para o trabalho (Cf. disposto no art. 7º, inciso XXXIII da CF/88) traduz um direito humano fundamental que tem por objetivo a satisfação de um dos Princípios norteadores da Carta Magna, a dignidade da pessoa humana.
Este direito encontra-se protegido pela cláusula da vedação do retrocesso social, tendo em vista que os direitos fundamentais, uma vez reconhecidos, não podem ser abandonados nem diminuídos (Cf. Convenção Americana de Direitos Humanos).
5. Violação de cláusula pétrea
A idade mínima para o trabalho trata-se de um direito fundamental de crianças e adolescentes que objetiva, em última análise, a proteção contra os malefícios do trabalho precoce.
A PEC 18/2011, ao pretender reduzir/diminuir este direito fundamental, viola literalmente o disposto no artigo 60, §4º, da CF/88, que estabelece que: “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir, dentre outros, os direitos e garantias individuais”.
6. Violação ao disposto na Convenção nº 138 da OIT
A PEC 18/2011 viola diretamente as disposições da Convenção nº 138 da OIT, pois reduz, ao invés de elevar, a idade mínima para a admissão a emprego ou trabalho, bem como não observa os parâmetros estabelecidos pela OIT para definição da idade mínima para trabalhar.
7. Prejuízos à saúde, à segurança e ao desenvolvimento físico, psíquico, moral e social
O trabalho infantil gera diversas consequências negativas e irreversíveis para a saúde e a segurança das crianças e adolescentes envolvidos, bem como sobre seu desenvolvimento físico, intelectual, social, psicológico e moral.
Entre 2007 e 2020, no Brasil, 290 crianças e adolescentes de 5 a 17 anos morreram e 27.924 sofreram acidentes graves enquanto trabalhavam. No mesmo período, 46.507 meninos e meninas tiveram algum tipo de agravo de saúde em função do trabalho.
A redução da idade para o trabalho, possibilitando que adolescentes com 14 anos de idade possam trabalhar como empregados em geral, coloca em risco a sua saúde física e psíquica, incluindo a possibilidade de ocorrência de acidentes do trabalho.
8. Consequências para a educação
Segundo estudo do UNICEF, 1,1 milhão de crianças e adolescentes estão fora da escola no Brasil, sendo que o trabalho infantil está entre os principais motivos de adolescentes na faixa etária de 15 a 17 anos não frequentarem a escola.
O trabalho precoce, mesmo em tempo parcial, afeta diretamente a frequência na escola, bem como a progressão dos estudos para a conclusão da educação básica na idade certa, na medida em que impede que o adolescente se dedique plenamente aos estudos, incluindo o tempo em sala de aula e o tempo destinado às tarefas escolares.
9. Subversão do papel da família, da sociedade e do Estado
Colocação de adolescentes com 14 anos de idade no mercado de trabalho, sob o fundamento de que precisariam trabalhar, implica em subverter do papel constitucionalmente atribuído à família, à sociedade e ao Estado, a quem incumbe, com absoluta prioridade, em atenção à sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento, o dever de assegurar as condições materiais, afetivas, sociais e psicológicas necessárias ao acesso e à proteção ao direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (Cf. art. 227 da CF).
10. Consequências econômicas e sociais
A PEC 18/2011, longe de ser a resposta para a vulnerabilidade social, acaba por contribuir diretamente para o incremento da exclusão social e marginalização, pois compromete os rendimentos futuros dos jovens, acarretando na reprodução do ciclo da pobreza.
Além disso, a inserção de adolescentes precocemente no trabalho também poderá trazer consequências na ocupação de trabalhos hoje realizados por adultos, levando a um maior desemprego deste último grupo, sobretudo da população mais jovem, de 18 a 24 anos de idade. Destaca-se que atualmente há 14 milhões de desempregados no País.