No Brasil, quase 57 mil pessoas foram resgatadas do trabalho escravo pelos Auditores-Fiscais do Trabalho desde 1995. A maioria dos resgates ocorreu no desmatamento e pecuária
Com informações do Uol
"Trabalho escravo é frequentemente encontrado em setores destruidores do clima. Em muitas partes do mundo, modelos de desenvolvimento baseados no extrativismo e no agronegócio voltados para a exportação estão piorando a vulnerabilidade à escravidão moderna ao monopolizar a terra e recursos naturais, poluindo o solo, o ar e a água, destruindo ecossistemas e causando migração." O alerta está em documento assinado por 58 organizações da sociedade civil e universidades que atuam nos cinco continentes, como a Anti-Slavery International e o Freedom Fund, enviado a Alok Sharma, presidente da COP26, e Patricia Espinosa, secretária-executiva da ONU para mudanças climáticas.
As organizações pedem que a cúpula das Nações Unidas trate da relação entre a mudança climática e a escravidão contemporânea, recomende aos governos que reconheçam as ligações entre ambas e a migração induzida pelo clima e garantam condições decentes para os trabalhadores do setor de energia renovável, muitas vezes vítimas desse tipo de exploração.
Kevin Bales, responsável pela cadeira de escravidão contemporânea na Universidade de Nottingham, no Reino Unido, e considerado um dos maiores especialistas mundiais no tema, afirma que há um perverso ciclo vicioso, em que escravizados são levados a destruir florestas e ecossistemas, o que contribui com as mudanças climáticas, que, por sua vez, trazem secas, inundações e desertificação, aumentando a vulnerabilidade social e gerando refugiados ambientais. Ou seja, levando mais pessoas a se tornarem vítimas do trabalho escravo.
Uma análise dos relatórios da Fiscalização do Trabalho mostra que, no Brasil, atividades econômicas que contribuem para a emissão de gases de efeito estufa e, portanto, para as mudanças climáticas, como desmatamento, produção de carvão e pecuária bovina, têm tido historicamente a maior incidência de pessoas submetidas a formas contemporâneas de escravidão. Ou seja, parte da destruição dos biomas brasileiros é feita com mãos cativas.
Floresta amazônica e trabalho escravo
Existe uma conexão intrínseca entre destruição da floresta amazônica e trabalho escravo. O exemplo do município de São Félix do Xingu, no Pará, é representativo disso: é um dos campeões nacionais em área desmatada e, ao mesmo tempo, campeão nacional em número de operações de resgate de trabalho escravo e um dos campeões em número de rebanho de gado. Seja no desmatamento para a abertura de pastos, seja na produção de carvão vegetal para abastecer usinas de ferro gusa, seja na extração de madeira de baixo valor para a construção civil ou de alto valor para a exportação, os empreendimentos estão conectados a redes de produção globais. E, não raro, financiados por empresas brasileiras e estrangeiras que se justificam dizendo que fazem o 'business as usual', ou seja, são apenas negócios.
Quase 57 mil foram libertados desde 1995, a maioria no desmatamento e pecuária
Quase 57 mil pessoas foram resgatadas oficialmente do trabalho escravo pelos Auditores-Fiscais do Trabalho desde 1995, quando o Brasil instituiu seu sistema de combate à escravidão. A maioria dos resgates ocorreu no desmatamento e pecuária de acordo com o Radar SIT - Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil, mantido pelo Ministério do Trabalho.
A produção de carvão vegetal foi a segunda atividade que mais usou escravizados em 2020 e está ligada diretamente à demanda por ferro gusa, matéria-prima do aço, que leva carvão em seu processo de produção.
Recomendações
As organizações sociais, universidades e entidades empresariais que apresentaram o documento na COP26, pedindo a atenção de governos para abordarem a relação entre as mudanças climáticas e a escravidão contemporânea, trouxeram recomendações. Entre elas:
Reconhecer a ligação entre a migração induzida pelo clima e a escravidão e, com isso, incluí-la como uma ação nas metas climáticas, criando provisão de recursos financeiros para combatê-las; Incluir a migração induzida pelo clima e ações antiescravagistas nas metas de cada país para combate às mudanças climáticas; e aproveitar a oportunidade de uma transição para a energia renovável sustentável para fornecer trabalho decente a todos os trabalhadores do setor de energia renovável. Por exemplo, escravidão contemporânea é usada na extração de minerais - matéria-prima para painéis solares e cadeias de fornecimento de energia renovável.
Outro exemplo é que, no Brasil, trabalhadores já foram resgatados do trabalho escravo em alojamentos de obras de usinas do rio Madeira, o que reforça o questionamento social do uso do termo "energia limpa" para tratar de hidrelétricas.
As organizações que assinam o documento, entre elas a Repórter Brasil, coordenada pelo jornalista Leonardo Sakamoto, afirmam que os impactos das mudanças climáticas já estão aumentando a vulnerabilidade à escravidão moderna e que o trabalho escravo também é frequentemente encontrado em setores econômicos destruidores do clima.
"O Banco Mundial prevê que cerca de 143 milhões de pessoas migrarão dentro de suas próprias fronteiras em apenas três regiões do mundo até 2050, a menos que sejam tomadas medidas para enfrentar a mudança climática. E 30,1 milhões de deslocamentos relacionados ao clima ocorreram em 2020, incluindo 9,8 milhões que afetaram crianças", conclui.
Para o grupo de organizações, "algo está quebrado e o status quo não vai consertar”.
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