GEFM resgata doméstica explorada por 32 anos na residência de um pastor, em Mossoró (RN)


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
01/02/2022



Em outra parte da mesma operação, a fiscalização resgatou na capital do estado, Natal, uma doméstica e cuidadora da empregadora, uma mulher idosa, com problemas de saúde mental 


Por Lourdes Marinho, com informações de Leonardo Sakamoto do UOL
Edição: Andréa Bochi


Uma mulher que trabalhava há 32 anos como empregada doméstica na residência de um pastor, em Mossoró (RN), foi resgatada de trabalho análogo à escravidão pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel – GEFM, coordenado por Auditores-Fiscais do Trabalho. De acordo com a fiscalização, a mulher sofreu abuso e assédio sexual do empregador, um Pastor da Assembleia de Deus. Ela chegou ao local ainda adolescente, com 16 anos.


Responsável pelos serviços domésticos da casa, ela recebia em troca moradia, comida, roupa e alguns presentes, porém nunca teve salário ou conta bancária. Além disso, não tirava férias nem interrompia os afazeres aos finais de semana.


A denúncia de trabalho escravo chegou ao Ministério do Trabalho e Previdência por meio da conta @trabalhoescravo no Instagram, mantida pelo Instituto Trabalho Digno. Uma fiscalização foi enviada ao local e considerou a ocorrência de trabalho forçado, condições degradantes e jornadas exaustivas.


Usando uma narrativa absurda – porém comum – entre as pessoas que exploram funcionários, a família, que consiste no pastor, na esposa e nos quatro filhos, afirmou que a mulher não era escravizada já que era tratada “como se fosse uma filha” desde que chegou à casa.


“Famílias 'pegam meninas para criar', gerando uma relação de exploração. É uma prática comum na região, infelizmente", explica a Auditora-Fiscal do Trabalho, Gislene Stacholski, que atuou na investigação da denúncia.


​A família é de baixa renda e vive em uma casa humilde. A trabalhadora dividia os mesmos espaços com todos até que, na pandemia, o pastor e sua esposa se mudaram para a casa pastoral, na cidade vizinha, Açu, voltando, de tempos em tempos, à antiga residência. "A despeito de uma filha também ajudar nas tarefas domésticas, a vítima prestava um serviço diário, cuidando da casa e ajudando na criação dos filhos do casal", afirmou a Auditora-Fiscal do Trabalho Marina Cunha Sampaio, que coordenou a ação em Mossoró.


Maria (nome fictício da vítima) desistiu de estudar antes de terminar o primeiro ciclo do ensino fundamental. De acordo com a fiscalização, o casal nunca cogitou uma adoção formal da "filha". O pastor chegou a avaliar, há alguns anos, que fosse pago um salário a ela, mas isso nunca aconteceu. O INSS foi recolhido durante algum tempo, o que contribuiu para o reconhecimento de vínculo trabalhista.


Abusos e assédios sexuais duraram 10 anos


Além disso, o pastor afirmou que o relacionamento era “consensual”, apesar de a empregada ter dito que tinha “nojo” do empregador e que fugia dele na casa. Os abusos e assédios sexuais teriam durado dez anos. A família também sabia que isso ocorria, mas manteve as aparências.


“Ela não teria como consentir ou não com relações sexuais porque estava na situação vulnerável de alguém que é reduzido à condição análoga à de escravo. Consideramos que foram relações de abuso”, afirma a coordenadora da ação.


“A empregadora ainda disse que perdoava a trabalhadora por conta da relação com o marido, ignorando a situação de exploração ao qual ela a submetia”, continua Marina.


Rescisão


Os cálculos dos salários atrasados e verbas rescisórias feitos pelos Auditores-Fiscais do Trabalho totalizaram cerca de R$ 88 mil – parte da dívida já prescreveu. Além disso, o Ministério Público do Trabalho pediu R$ 200 mil em danos morais individuais para Maria, valor condizente com a baixa renda da família do pastor. Até agora, não houve acordo para pagamento da trabalhadora.


Por isso, o MPT deve entrar com uma ação civil pública solicitando o pagamento. Enquanto isso, ela foi para a casa de uma irmã e deve receber três parcelas do seguro-desemprego que é concedido, desde 2003, aos resgatados do trabalho escravo. Também será encaminhada a um centro que trata de violência contra mulheres.


Outro resgate


Em outra parte da mesma operação, uma mulher foi resgatada na capital do estado, Natal. Nascida em 1969 e analfabeta, ela estava há cinco anos trabalhando como doméstica e cuidadora para sua empregadora, uma mulher idosa e alcoólatra com problemas de saúde mental.


Permanecia 24 horas à disposição dela, inclusive à noite, dormindo num colchão na cama ao lado da patroa. Descansava apenas a cada 15 dias, trabalhava nos feriados e tirou férias apenas uma vez. Recebia cerca de R$ 500 por mês. De acordo com a fiscalização, ela entendia que o péssimo tratamento que recebia, o que incluía gritos e xingamentos, não era correto. Mas se sentia responsável pela saúde da empregadora. Neste caso, também não houve acordo para o pagamento de salários atrasados, verbas rescisórias e a indenização por dano moral individual. A trabalhadora voltou para a sua cidade no interior e o caso também vai para a Justiça.


Em ambos os casos, o Ministério Público Federal vai receber os relatórios da fiscalização, feitos pelos Auditores-Fiscais do Trabalho, para a abertura de ação criminal dos envolvidos.


Em 2021, 27 pessoas foram resgatadas do trabalho escravo doméstico no Brasil


O Brasil encontrou 1.937 pessoas em situação de escravidão contemporânea em 2021, maior número desde os 2.808 trabalhadores de 2013, segundo o Ministério do Trabalho e Previdência. O serviço doméstico envolveu 27 vítimas - em 2020, haviam sido apenas três.


"Em razão da grande repercussão do resgate da trabalhadora doméstica Madalena Gordiano no final de 2020 em Patos de Minas, o número de denúncias aumentou, o que levou a Inspeção do Trabalho a realizar 49 ações fiscais com o objetivo de verificar possível situação de escravidão contemporânea em ambientes domésticos rurais e urbanos", afirmou o Auditor-Fiscal Maurício Krepsky, chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae) da Secretaria de Inspeção do Trabalho.


Mais de 57 mil trabalhadores foram resgatados desde 1995, em fazendas de gado, soja, algodão, café, frutas, erva-mate, batatas, cebola, sisal, na derrubada de mata nativa, na produção de carvão para a siderurgia, na extração de caulim e de minérios, na construção civil, em oficinas de costura, em bordeis, entre outras atividades.

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