Por Solange Nunes, com informações do Jornal da Paraíba
Edição: Andrea Bochi
Uma trabalhadora doméstica, de 57 anos, que não teve o nome revelado por motivos de segurança, foi resgatada após passar 39 anos em situação análoga à escravidão, em Campina Grande, no Agreste paraibano. O resgate da vítima aconteceu na quarta-feira, 2 de fevereiro, durante uma operação deflagrada por Auditores-Fiscais do Trabalho do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), após denúncia anônima pelo Disque Direitos Humanos.
De acordo com a Auditora-Fiscal do Trabalho Lidiane Barros, a vítima foi tirada da cidade paraibana de origem, Cuité, aos 18 anos, pelo empregador e a família dele. “Cuidava dos patrões idosos, limpava a casa, arrumava e cozinhava, além dos cuidados com a matriarca da família que ficou acamada e com dificuldades de locomoção. A empregada vivia ainda um processo de coação psicológica que a levava a aceitar as condições indignas de trabalho com afirmações de que ela teria responsabilidades com os idosos por ser uma pessoa considerada da família”, descreveu a Auditora.
Jornada exaustiva
A equipe apurou que a carga de trabalho da vítima era intensa e de domingo a domingo. Além disso, há pelo menos cinco anos, o trabalho aumentou ainda mais, quando ela passou a ser responsável pelo cuidado de cerca de 100 cães adotados pelos patrões. Essas atividades eram feitas todos os dias da semana, inclusive aos domingos e feriados.
A jornada da trabalhadora começava por volta das 7h e se encerrava após a meia-noite por causa do alto número de cachorros e da obrigação de limpar toda a casa e espaços destinados ao abrigo dos animais, além de alimentá-los.
A trabalhadora doméstica recebia salário mensal, 13º e férias, no entanto, não usufruía de descanso semanal remunerado, feriado e das férias de 30 dias. Apesar de ter folgas eventuais nos feriados de São Pedro e Réveillon, nunca pôde ficar mais de quatro dias fora das funções.
Segundo a Auditora Lidiane Barros, este foi o primeiro caso de resgate em trabalho doméstico na Paraíba. A operação foi realizada a partir de uma denúncia feita pelo Disque Direitos Humanos – por meio de ligação ao número 100 – sobre a possível exploração de trabalho.
Adoecimento e condições precárias de moradia
Em função do trabalho excessivo, a trabalhadora doméstica desenvolveu um adoecimento nas unhas das mãos, que segundo relatos, teve início “quando comecei a usar sabão, água sanitária e ficar por muito tempo com as mãos na água”. Ainda aos Auditores do Trabalho, ela contou que sente coceira, dor e inchaço nas unhas.
Para a fiscalização, o problema nas unhas junto às coceiras pelo corpo da vítima, pode ser enquadrado como adoecimento em virtude do trabalho, já que tem contato diário com urina, fezes e vômitos dos aproximadamente 100 animais do canil e dentro da casa, explica a Auditora-Fiscal do Trabalho Lidiane Barros que coordenou a ação fiscal.
No local de repouso, a trabalhadora doméstica disse que costumava dormir em um quarto com cama e armário, mas foi apurado durante a operação pela equipe do GEFM que o colchão em que ela dormia foi destinado às cachorras em trabalho de parto. Por isso, ela teria passado a dividir um colchão de solteiro com a idosa da qual cuidava.
Verbas rescisórias
Após a apuração da situação, os Auditores-Fiscais afastaram a trabalhadora doméstica do local, ainda, na quarta-feira, 2 de fevereiro, e a equipe levou a vítima para a casa de familiares no interior do estado.
Após o resgate, o empregador foi notificado para quitar a rescisão e fazer o pagamento de todos os direitos que não foram garantidos. O patrão também será autuado por submeter a trabalhadora doméstica a uma condição análoga à escravidão.
A trabalhadora doméstica também terá direito ao recebimento de três parcelas, do Seguro-Desemprego especial do Trabalhador Resgatado, no valor de um salário-mínimo de R$ 1.212,00, cada.
A Defensoria Pública da União (DPU) está representando a trabalhadora doméstica e vai propor um acordo ao empregador para pagamento de todas as verbas rescisórias devidas e um valor a título de dano moral individual para reparar toda a exploração de trabalho e danos à saúde física e mental da empregada.
Não sendo aceita a proposta, a DPU ingressará com as outras medidas judiciais. Além disso, está acompanhando a empregada junto aos órgãos de serviço social e de saúde para garantir atendimento médico e psicológico.
A assistência social de Cuité prestou o acolhimento necessário à trabalhadora, a qual recebeu atendimento médico e da assistência social.
Além dos Auditores-Fiscais do Trabalho do GEFM, participaram também da ação, agentes da Polícia Federal (PF) e representantes da Defensoria Pública da União (DPU) e do Ministério Público do Trabalho (MPF).
Denúncias
Denúncias de trabalho análogo ao de escravo podem ser feitas de forma anônima no Sistema Ipê.