Por Solange Nunes, com informações da SIT
Edição: Andrea Bochi
Os Auditores-Fiscais da Superintendência Regional do Trabalho no Distrito Federal (SRTb/DF) resgataram 23 trabalhadores, submetidos a condições análogas à escravidão, em carvoarias localizadas na cidade de Cristalina (GO). A operação realizada em dois estabelecimentos da zona rural do município ocorreu no período de 7 a 11 de março e contou com a participação de representantes do Ministério Público do Trabalho e de agentes da Polícia Federal.
De acordo com o Auditor-Fiscal do Trabalho Rodrigo Ramos, que coordenou a operação, várias irregularidades foram constatadas pela equipe. “Falta do vínculo empregatício registrado em Carteira de Trabalho e as péssimas condições de alojamentos, entre outros problemas”.
Na primeira carvoaria, a equipe encontrou seis trabalhadores, todos sem vínculo empregatício e oriundos de cidades do interior de Minas Gerais e Goiás. As vítimas estavam alojadas em péssimas condições.
Rodrigo Ramos explicou que, um dos alojamentos era construído com tábuas de compensado, possuindo várias frestas, que permitem a entrada de insetos e animais peçonhentos: “Nele, as camas e os colchões estavam desgastados e sem qualquer condição de uso. O local estava infestado de percevejos. Diante dessas condições, os trabalhadores ali alojados - pai e filho - estavam dormindo no porta-malas de um veículo.”
O outro alojamento era construído apenas com uma barraca de lona, possuindo um único cômodo, no qual estava dormindo um casal. “Em ambos os locais não havia armários e não havia locais adequados para armazenamento de mantimentos ou objetos de uso pessoal”, disse o coordenador da operação Rodrigo Ramos.
Situação degradante
A água utilizada para consumo e preparo dos alimentos era captada em uma cisterna e armazenada em tonéis sem proteção e sem condições de higiene.
Os alimentos eram preparados em fogões de lenha improvisados, sendo que um deles estava instalado em área contígua ao alojamento construído com tábuas de compensado, o que caracterizava grave risco de incêndio.
Os Auditores-Fiscais do Trabalho também verificaram que não havia instalações sanitárias, de modo que os empregados faziam suas necessidades fisiológicas no mato.
Também constataram que os pagamentos não estavam sendo feitos nos prazos legais, de forma que alguns empregados estavam impossibilitados de deixar o local. Um dos trabalhadores, inclusive, acreditava que estava devendo ao empregador.
A constatação do trabalho em condição análoga à de escravo deu-se principalmente pela verificação da sujeição dos trabalhadores à condição degradante, no entanto, foram identificados, também, indicativos de submissão de empregados a trabalhos forçados.
Pagamento só após 60 dias
Na segunda carvoaria, 17 trabalhadores foram resgatados pela fiscalização. As vítimas eram oriundas de diversas localidades, sendo a maioria do interior do estado de Minas Gerais.
A maior parte dos trabalhadores estava sem registro e chamou a atenção da equipe a forma de contratação utilizada pelo empregador. Os resgatados vinham de suas cidades e permaneciam cerca de 45 a 60 dias no local. Após esse período, retornavam à sua cidade de origem e somente ao final do prazo recebiam o pagamento a que faziam jus pelo trabalho, acrescido do valor da passagem de volta. Muitos empregados deixavam o local sem terem os contratos formalizados e, portanto, sem receber as verbas rescisórias e sem os devidos recolhimentos de FGTS e INSS.
Os Auditores-Fiscais analisaram ainda que, desse modo, embora a carvoaria estivesse em funcionamento há cerca de um ano, a maior parte dos trabalhadores presentes estava no local há menos de dois meses, o que indica uma grande rotatividade na contratação.
Constatou-se ainda a sujeição dos empregados à condição degradante de trabalho, com alojamentos que não atendiam à Norma Regulamentadora NR-31, voltada ao Trabalho Rural, como falta de locais para refeição, quando os empregados faziam as refeições no meio das árvores; instalações sanitárias inadequadas; falta de armários ou locais para armazenamento de mantimentos e itens pessoais. Não havia instalações sanitárias nas frentes de trabalho.
A equipe verificou que a cozinheira dormia no mesmo espaço em que estava armazenada parte dos mantimentos, a geladeira e o freezer.
A água utilizada para consumo, inclusive para o preparo dos alimentos, era retirada de um curso d’água, situado próximo ao alojamento. A equipe constatou que diversos animais tinham acesso a esse local de captação, tendo sido observada, inclusive, a presença de fezes.
A operação apurou que, o pagamento era feito somente por produção, o que obrigou vários empregados a laborarem em domingos e feriados, bem como a trabalharem ainda que estivessem doentes, para não sofrerem prejuízo remuneratório. Também foi verificado que as jornadas de trabalho eram exaustivas, das 5h às 18h e em alguns dias em períodos ainda maiores.
Pós-Resgate
Em ambos os casos, os Auditores-Fiscais do Trabalho determinaram que os empregadores retirassem os trabalhadores imediatamente da frente de trabalho e que efetuassem os pagamentos devidos, tanto de salários, como de verbas rescisórias e que providenciassem o retorno dos empregados às suas respectivas cidades de origem.
A equipe de fiscalização emitiu, ainda, as Guias de Seguro-Desemprego do Trabalhador resgatado, de modo que cada trabalhador terá direito de receber três parcelas do benefício. As instalações e a atividade de produção e carvão foram interditadas, em razão do risco grave e iminente à saúde e segurança dos trabalhadores.
Ao final da ação, foram pagos R$ 176.641, 52 em verbas rescisórias e salários atrasados. Além disso, o Ministério Público do Trabalho, por meio de um Termo de Ajuste de Conduta, determinou o pagamento de R$ 45 mil a título de Danos Morais Individuais, valor que foi dividido pelos trabalhadores resgatados, acrescidos de R$ 40 mil a título de Danos Morais Coletivos.