Entre as mudanças, que a aprendizagem seja direcionada para os jovens de 13 a 18 anos em situação vulnerável
Por Lourdes Marinho
Edição: Andrea Bochi
O Auditor-Fiscal do Trabalho Ramon de Faria Santos defendeu mudanças para aprimorar o texto do PL 6461/19, que institui o Estatuto do Aprendiz, na Audiência pública “A aprendizagem profissional e o enfrentamento do trabalho infantil no Brasil: riscos, perspectivas e desafios”, promovida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). Ele representou o SINAIT no segundo dia de debate, na quarta-feira, 30 de março.
A audiência também tratou do relatório final do Grupo de Trabalho Tripartite da Aprendizagem Profissional e Empregabilidade de Jovens - GTT. O GTT foi criado no âmbito do Conselho Nacional do Trabalho (CNT) para subsidiar mudanças normativas na aprendizagem profissional. O MPT está ouvindo várias entidades importantes nesta área de atuação, inclusive as que pela sua relevância deveriam integrar o GTT, mas ficaram de fora.
Para o Auditor-Fiscal, a manutenção da aprendizagem vinculada à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é fundamental para assegurar os direitos trabalhistas e previdenciários desses jovens aprendizes. Ele entende que a Auditoria-Fiscal do Trabalho com seus mais de 130 anos de atuação e com experiência na área da aprendizagem profissional, desde a sua criação, tem condições de contribuir com o aprimoramento do texto do estatuto.
O representante do SINAIT apontou vários perigos do texto atual, como o artigo 13 do projeto de lei, que aumenta o prazo da contratação do jovem aprendiz de 2 para 3 anos. “Isso é ruim porque reduz a rotatividade, o alcance do aprendiz abrangido pelo programa. A ampliação do prazo/tempo de serviço não está alinhada a eleição do aprendiz para o nível técnico, e sim para nível básico, onde deve ser mantida, com alguns aperfeiçoamentos”, alertou, entre outros apontamentos.
Também sugeriu que o artigo 18 do estatuto, que inverte a prioridade do adolescente para um jovem, seja revisto à luz do artigo 227 da Constituição, que estabelece prioridade absoluta para adolescente e não aos jovens.
As mudanças trazidas no artigo 19, classificada por ele como o mais preocupante de todos, por se tratar da cota de aprendizagem, também foram abordadas em sua fala. Segundo ele, no que se refere à base de cálculo é acertado o direcionamento dado no texto do PL, mas a regra de arredondamento que foi alterada dentro da proposta é uma regra extremamente prejudicial, porque vai causar efeito negativo com redução de vagas. “Existem hoje 300 mil estabelecimentos enquadrados na lei da aprendizagem, se prevalecer o texto atual do PL vai haver redução de 150 mil vagas”, explicou.
Além disso, a obrigatoriedade de contratação de aprendizes pelas empresas que têm sete empegados passará para 13 empregados. “O artigo 19 inverte a lógica. A empresa que tem mais empregado contrata menos aprendiz”, apontou o Auditor-Fiscal, ressaltando que todas essas mudanças causam muita insegurança jurídica.
Neste sentido, Ramon Santos sugeriu a criação de um artigo no PL que estabeleça a certidão negativa das empresas que cumprem a cota para efeito de participação em licitações, como exige a lei de licitação atualmente. “É fundamental ter previsão legal para isso, talvez o estatuto do aprendiz tenha um local ideal para que haja a inserção de um sistema de consulta pública da cota. Essa informação é de interesse público, se a empresa cumpre ou não a cota do número de aprendizes”, reforçou.
Ele ainda apontou que o artigo 24 do estatuto tem alta possibilidade de judicialização, gerando problemas futuros para implementação de aprendizagem, caso não seja revisto. O texto do dispositivo estabelece uma cota de aprendizes por média anual. “Imagina uma empresa que no ano passado tinha vários empregados e no outro ano entra em crise financeira, não pode ser exigido dela o cumprimento da cota do ano passado. Esta regra é interessante especificamente para empresas com sazonalidade”, argumentou.
Sobre o artigo 70, que institui o valor de multa por descumprimento da cota, ele destacou como muito importante. De acordo com Ramon, nos últimos cinco anos a Fiscalização do Trabalho autuou 30 mil estabelecimentos por descumprir a cota de aprendizagem. “Se esses estabelecimentos cumprissem a cota, hoje teríamos 140 mil aprendizes a mais no mercado de trabalho”, lamentou. O Auditor-Fiscal sugeriu incluir um dispositivo que prevê a atualização do valor da multa e mais um aporte mensal por descumprimento de cota, para desestimular a continuidade da irregularidade.
Em geral, os expositores defenderam que o Congresso Nacional faça mudanças na lei da aprendizagem de forma pontual. Entre as mudanças, que a aprendizagem seja direcionada para os jovens de 13 a 18 anos em situação vulnerável. 70% do trabalho infantil no Brasil está na faixa etária de 14 a 18 anos.
Também apontaram alguns desafios dos programas de aprendizagem para os jovens, como fomento à educação digital para que eles saiam habilitados para o mercado de trabalho, combate à evasão escolar e a criação de políticas públicas de incentivos e recompensa para a retenção escolar.
Grupo de Trabalho Tripartite
Ramon Santos também falou sobre o relatório final do GTT, instituído no âmbito do Conselho Nacional do Trabalho para tratar da aprendizagem profissional. “A proposta do GTT não pode ser considerada como política de vulneráveis. A proposta é ruim porque ainda reduz o número de vagas para os aprendizes”, afirmou.
Ele entende que ações afirmativas devem dar prioridade e não excluir oportunidades. “Além de uma atitude preconceituosa e discriminatória com aqueles que são mais vulneráveis, essa proposta ainda tem um efeito colateral muito ruim, de reduzir o número de vagas de aprendizes em todo o país quando o relatório fala claramente em aumentar número de vagas."
Entre as alternativas sugeridas pelo relatório para o incentivo da contratação de vulneráveis, o repsentante do SINAIT destacou a possibilidade de incentivos financeiros e fiscais. Citou como exemplo o benefício emergencial do governo, que subsidia parte do salário dos empregados, como uma política de fomento à manutenção do emprego que poderia muito bem ser replicada para estimular contratação de vulneráveis.
Sobre as situações de motorista e vigilante, citadas no relatório e muito questionadas pelos participantes da audiência, Ramon disse que “mesmo incluídas no relatório e sendo um tema extremamente técnico, o relatório não enfrentou a questão principal dessas duas ocupações, que é o aprendizado.”
Segundo ele, o fomento viria com cursos de aprendizagem voltados para atividade-fim, tanto dos segmentos de transporte como de vigilância. “Essas seriam propostas técnicas que atenderiam à demanda dos dois segmentos, de terem aprendizes em suas atividades-fim”.
Ele informou que uma Nota Técnica da Auditoria-Fiscal do Trabalho atesta a compatibilidade das duas atividades para ter aprendizes na área fim, mas infelizmente não foram objeto de análise do GTT. “Mesmo sendo o GTT um grupo que se diz técnico, não se aprofundou na técnica necessária para enfrentar esses dois temas”, lamentou.
Para o AFT, uma política tão importante como a aprendizagem precisa ser debatida, sempre, ouvindo todos, o que não aconteceu no presente caso.
Tanto na abertura como no encerramento da audiência, a Procuradora do Trabalho Ana Maria Villa Real, que conduziu o debate, destacou que Ramo Santos é uma referência na aprendizagem no Brasil. E que foi uma honra tê-lo como representante dos Auditores e das Auditoras-Fiscais do Trabalho. “A presença da Auditoria-Fiscal aqui abrilhantou e enriqueceu o evento e a gente, de alguma forma, se sente de mãos dadas em prol da aprendizagem profissional”, disse a procuradora, reforçando que a participação do Auditor no evento foi uma indicação do SINAIT.