Segundo a exposição do Auditor-Fiscal do Trabalho, Ramon de Farias, algumas possíveis mudanças podem falsear o número de aprendizes do país
Por Cristina Fausta
O Auditor-Fiscal do Trabalho Ramon de Faria Santos, participou de reunião, por videoconferência, da Câmara de Políticas e Normas do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente – Comtiba, sediado na cidade de Curitiba (PR), realizada na manhã de terça-feira, 5 de abril. Na ocasião, ele apresentou algumas ponderações a respeito do relatório final do Grupo de Trabalho Tripartite da Aprendizagem Profissional e Empregabilidade de Jovens – GTT, criado no âmbito do Conselho Nacional do Trabalho (CNT) para subsidiar mudanças normativas na aprendizagem profissional, falou sobre o Projeto de Lei (PL) 6461, que institui o Estatuto do Aprendiz e, ainda, comentou a Reforma do Ensino Médio. Ramon representou o SINAIT no evento. Sobre o GT, que apresentou seu relatório no mês de março, o Auditor-Fiscal chamou atenção dos conselheiros para alguns pontos relevantes que podem ser utilizados em mudanças normativas.
O primeiro deles é a possibilidade que ficou denominada como “benefícios regulatórios para inclusão de adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade social na aprendizagem”. “O que está escondido por trás desta frase é uma regra por meio da qual a empresa, ao contratar um adolescente em situação de vulnerabilidade, poderia contar a vaga como se fossem duas no cálculo de cotas previsto em Lei”, explicou o Auditor.
Ele acrescentou que esta regra, combatida pelo SINAIT e outros especialistas no tema durante a audiência pública promovida pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) realizada no dia 30 de março, propõe um princípio discriminatório e preconceituoso, uma vez que passa uma mensagem de política pública que enxerga o aprendiz em situação de vulnerabilidade como um adolescente/jovem de menor valor. O Auditor-Fiscal afirmou que o sindicato não é contrário à concessão de benefícios às empresas a fim de fomentar a contratação de adolescentes em situação de vulnerabilidades, mas que defende que esta priorização se dê com recursos vindos do Estado.
Outra mudança escondida na expressão dos benefícios regulatórios para estimular a empregabilidade e que o aprendiz, ao final do contrato que for efetivado pela empresa, continue contando para cota de aprendizagem pelo prazo de um ano. “A aplicação dessa regra criaria uma falsa percepção de que há um número grande de aprendizes no país, que as cotas estão sendo cumpridas, quando na verdade esses jovens já serão empregados”, explicou. O relatório do GT ainda prevê que as ocupações de motorista e dos profissionais de segurança e vigilância sejam excluídas da base de cálculo das empresas. Ele informou que uma Nota Técnica da Auditoria-Fiscal do Trabalho atesta a compatibilidade das duas atividades para ter aprendizes na área afim, mas que, infelizmente, este documento não foi apreciado pelo grupo de trabalho.
PL 6461
Sobre o projeto de lei que institui o Estatuto do Aprendiz, Ramon de Faria destacou que há muitos aspectos positivos para a política da aprendizagem, mas que outros merecem atenção da rede de proteção de adolescentes e jovens, como o disposto no art. 13, que prevê o aumento do prazo do contrato de aprendizagem de dois para três anos. “Essa mudança praticamente iguala o prazo da aprendizagem a um curso técnico, quando na verdade sabemos que a aprendizagem se dá para níveis e funções mais básicas. Por trás desse aumento do prazo, podemos estar falando da institucionalização do trabalho infantil maquiado por um contrato de aprendizagem mal dimensionado em relação ao seu tempo de duração”, argumentou.
Outro art. mencionado foi o de n.18, que determina que a contratação de aprendizes deverá atender, prioritariamente, aos adolescentes e jovens matriculados no ensino básico. “Atualmente, o decreto da aprendizagem estabelece que a contratação tenha como referência a idade, atendendo assim aos adolescentes entre 14 e 17 anos”, comentou.
Ele ainda discorreu sobre o art. 19, que sugere uma mudança no cálculo da cota que prevê o escalonamento da alíquota do cumprimento da cota no sentido de, quanto mais empregados a empresa tiver, menor seria a alíquota que ela deveria cumprir em relação ao número de aprendizes. “É uma inversão completa do princípio da isonomia, que determina que aquele que tem mais deve contribuir mais”, sintetizou.
Por fim, ele explicou a preocupação dos Auditores-Fiscais em relação ao art.24, que determina que a cota de aprendizes de cada estabelecimento será calculada por exercício fiscal, sendo a sua base de cálculo, a média da quantidade de empregados dos últimos doze meses considerando o período de janeiro a dezembro do ano anterior. “A empresa não teria, assim, o cumprimento da cota fixado de acordo com a sua realidade atual”, chamou a atenção.
Reforma do Ensino Médio
Concluindo sua participação, Ramon de Faria comentou, brevemente, a reforma do Ensino Médio e seus impactos na política da aprendizagem, sobretudo no ano de 2022. Há indicativos de que a reforma possa ser utilizada como uma justificativa para aumento do prazo do contrato de aprendizagem o que, no seu entendimento, é um argumento raso e sem aprofundamento técnico. “Não se pode cogitar que a política de profissionalização do país se dê falsamente alinhada com o tempo de formação do ensino médio que envolve dezenas de outras áreas de conhecimento, que não só a área da profissionalização”, afirmou.