Por Dâmares Vaz, com informações da SIT.
Edição: Andrea Bochi
Em ação fiscal realizada no fim de março, Auditores-Fiscais do Trabalho da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) resgataram 49 pessoas da escravidão em propriedades produtoras de maçãs em São Joaquim (SC). Também participaram da fiscalização o Ministério Público do Trabalho (MPT), a Defensoria Pública da União (DPU), a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Federal.
A equipe começou a fiscalização no dia 29 de março, inspecionando um dos alojamentos onde estava parte dos 49 trabalhadores. Eles vieram da cidade de Caxias (MA), aliciados por um intermediador de mão-de-obra, comumente chamado de “gato”, e “ofertados” aos donos das propriedades que estavam na fase de colheita de maçã. O aliciador também administrava o trabalho nas plantações. As vítimas viajaram da cidade maranhense até São Joaquim em ônibus fretado pelo gato, que cobrou R$ 650 pela passagem, a serem descontados de seus salários.
Coordenador da ação fiscal, o Auditor-Fiscal do Trabalho Cláudio Secchin relata as péssimas condições de higiene e conservação encontradas nas acomodações dos trabalhadores: “Eles não receberam papel higiênico, roupa de cama e colchões. Foram descontados dos salários R$ 200 por colchão, além de R$ 120, por trabalhador, para pagar o aluguel das casas. Também existia o desconto de R$ 140 de cada vítima para o pagamento da alimentação. E era cobrado ainda o valor de R$ 60 pela carne”.
Em um dos alojamentos, 22 trabalhadores se dividiam em três quartos pequenos – até seis pessoas por cômodo –, restando caracterizada moradia coletiva de família. Não havia cama e nem água potável, as instalações de energia elétrica eram precárias, e não existiam armários para a guarda dos pertences. O lugar tinha apenas um banheiro para tomar banho e um vaso sanitário, para homens e mulheres.
Em outro alojamento, a fiscalização encontrou vazamento de água, umidade e mofo nas paredes. Também estava superlotado, sem camas, sem água potável e sem armários. Alguns cômodos do porão não possuíam sequer ventilação ou janela.
Em relação à alimentação, nos alojamentos os trabalhadores faziam suas refeições sentados no chão ou sobre as camas. Nas frentes de trabalho, os empregadores disponibilizavam almoço, refeitório e banheiro, mas não havia sanitário nas áreas plantadas, onde as necessidades fisiológicas eram feitas no mato e sob os pés de maçã. A água fornecida não passava por nenhum tipo de tratamento e era consumida em condições não higiênicas, com uso comum de copos.
Tráfico de pessoas
A Auditoria-Fiscal do Trabalho constatou que os trabalhadores foram vítimas de tráfico de pessoas e tiveram limitadas suas possibilidades de deixar o serviço em razão de dívidas contraídas com o aliciador de mão-de-obra. Dois dos três produtores de maçã fiscalizados pagavam diretamente ao aliciador pela produção dos empregados. Na maioria das vezes, nenhum valor chegava para os trabalhadores, por causa dos descontos abusivos que o gato fazia.
Em depoimento à equipe fiscal na sede da Polícia Federal, em Lages (SC), o “gato” informou que recebia uma comissão por cada “bin”, como é chamada a caixa cheia de maçã.
Pós-Resgate
A Auditoria-Fiscal do Trabalho notificou os empregadores pela caracterização de trabalho análogo ao de escravo, com a constatação da existência de trabalho degradante. Os donos das propriedades quitaram as verbas rescisórias de todos os resgatados, calculadas pelos Auditores no valor total de R$ 174.333,37, e ainda pagaram as despesas da viagem de retorno dos trabalhadores para Caxias, no valor de R$ 900 por pessoa.
Os Auditores-Fiscais do Trabalho emitiram também as guias de seguro-desemprego do trabalhador resgatado, pelas quais cada um dos resgatados faz jus ao recebimento de três parcelas de um salário-mínimo.
O Ministério Público do Trabalho determinou a cada empregador o pagamento do valor de R$ 10 mil por dano moral coletivo. Por ação da Defensoria Pública da União, cada trabalhador vai receber R$ 1 mil a título de dano moral individual.
Denúncias
Denúncias de trabalho análogo ao de escravo podem ser feitas de forma anônima no Sistema Ipê, no seguinte endereço: https://ipe.sit.trabalho.gov.br/.