Madalena: A escravidão nas senzalas modernas das grandes cidades


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
02/05/2022



A reação da mulher negra ao tocar a mão branca ganhou notoriedade no país


Por Cristina Fausta 
Edição: Andrea Bochi 


A história da doméstica Madalena Santiago da Silva resgatada por Auditores-Fiscais do Trabalho da Superintendência Regional de Trabalho na Bahia (SRTb/BA), no mês de março, é um grito às autoridades para que, além das questões trabalhistas, patrões respondam por outros crimes e se responsabilizem pela restauração de danos que afetam a vida de milhares de trabalhadores brasileiros que ainda vivem em condições análogas à escravidão.


A mulher, negra e pobre, viveu 54 dos seus 62 anos trabalhando sem direito a descanso, salário, férias, décimo terceiro e, para agravar o quadro, era vítima de racismo. Madalena Santiago foi retirada da casa dos pais aos oito anos de idade. Desde então, passou a viver com os patrões no município de Lauro de Freitas, região metropolitana de Salvador, na Bahia.


Durante sua rotina de serviços e por todo o período em que viveu com a família, a empregada era constantemente humilhada por causa da cor de sua pele. A mulher, que nunca estudou, contou aos Auditores-Fiscais que sequer saía sozinha na rua, fato que hoje, mesmo livre, a impede de levar uma vida normal, segundo relatou a Auditora-Fiscal do Trabalho Liane Durão. “A família se aproveitava de sua baixa autoestima. Os maus-tratos raciais a inferiorizaram tanto que, hoje, ela sequer consegue tomar um ônibus”, relatou a Auditora.


O caso que vitimou Madalena Santiago ganhou repercussão nacional quando ela recebeu uma repórter em sua casa, onde mora de aluguel e foi mobiliada com ajuda de uma vizinha, para contar a sua história com essa família. A violência a marcou com o medo que ela demonstrou ao chorar e temer o toque da mão branca da jornalista. “Tenho receio de pegar na sua mão branca, olhe para cor, olhe para sua e para minha”, disse Madalena e chorou.


Roubo e reabilitação


O patrão de Madalena, falecido, a aposentou por tempo de serviço. O dinheiro do benefício estava sendo guardado, mas a quantia acumulada, de R$ 20 mil reais, foi roubada pela filha da família, que ainda fez empréstimos em seu nome.


As marcas da vida dura que levou embora sua infância, juventude e seus melhores anos estão presentes na autoimagem de Madalena Santiago e na sua capacidade de enxergar uma vida diferente e melhor. Para amenizar essas perdas, os Auditores-Fiscais a encaminharam ao Centro de Combate ao Racismo Nelson Mandela, entidade ligada à Secretaria de Promoção da Igualdade Racial do Governo do Estado da Bahia, onde está recebendo tratamento psicológico. Os Auditores também se empenham, nestes casos, com o processo de empoderamento da vítima.


“Esta semana ela já vai para sua terceira sessão de terapia. Também haverá uma atuação em prol do seu empoderamento, com mudança de cabelo, maquiagem e outros procedimentos que ela desejar”, afirmou Liane Durão ao atualizar as informações sobre o caso.


Combate ao trabalho escravo e doméstico


Segundo dados do Ministério do Trabalho e Previdência, de 1995 até 2022, foram resgatados 3.451 trabalhadores e foram pagos R$ 6 milhões em rescisões. A Bahia ocupa o segundo lugar na lista suja do Ministério do Trabalho e Previdência, perdendo apenas para o estado de Minas Gerais. Oito empregadores baianos que submetiam 72 trabalhadores a condições análogas à escravidão fazem parte do cadastro de empregadores.


Este ano, pela primeira vez, um empregador doméstico passou a integrar a listagem em decorrência de um caso descoberto em 2017, na cidade de Elísio Medrado. A atualização da lista ocorre semestralmente e tem a finalidade de dar transparência aos atos administrativos que decorrem das ações fiscais de combate ao trabalho escravo executadas por Auditores–Fiscais do Trabalho, que podem contar com a participação de integrantes da Defensoria Pública da União, dos Ministérios Públicos Federal e do Trabalho, da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, e por vezes das forças policiais estaduais.


O Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores à condição análoga à de escravo é disciplinado pela Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH nº 4 de 11, de maio de 2016 e existe desde 2003, na forma dos sucessivos atos normativos que o regulamentaram desde então.


Em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou constitucional a criação e a manutenção do Cadastro de Empregadores, também conhecido como “Lista Suja do Trabalho Escravo”. A decisão do STF confirma o entendimento de que a publicação do Cadastro de Empregadores não é sanção, mas sim o exercício de transparência ativa que deve ser exercido pela Administração, em consonância ao princípio constitucional da publicidade dos atos do poder público e, em nível infraconstitucional, com o previsto na Lei de Acesso à Informação, Lei nº 12.527 de 18 de novembro de 2011, que prevê expressamente o direito de acesso à informação.


Confira o cadastro de Empregadores que submeteram trabalhadores a condições análogas à escravidão.


Denuncie


Denúncias de trabalho escravo podem ser feitas de forma remota e sigilosa no Sistema Ipê, sistema lançado em 15 de maio 2020 pela Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT). O Sistema Ipê é o único sistema exclusivo para recebimento de denúncias de trabalho análogo à escravidão e integrado ao Fluxo Nacional de Atendimento às Vítimas do Trabalho Escravo.

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