RJ: Resgate de trabalhadora doméstica pela Inspeção do Trabalho resulta em condenação judicial da empregadora


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
10/05/2022



*Com informações do MPT/RJ.


O resgate de uma trabalhadora doméstica, encontrada na cidade do Rio de Janeiro por Auditores-Fiscais da Superintendência Regional do Trabalho no estado (SRT/RJ), resultou na condenação judicial da empregadora. De acordo com sentença do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT/RJ), a mulher que manteve a trabalhadora doméstica em regime de trabalho análogo à escravidão por 38 anos terá que pagar à vítima multa por dano moral individual no valor de R$ 500 mil, e indenização por danos materiais em quantia mensal equivalente a que seria devida à vítima pela aposentadoria por idade, relativamente ao período de 22/12/2017 e o trânsito em julgado da sentença.


O resgate da trabalhadora ocorreu em 25 de janeiro de 2021, no bairro da Abolição, Zona Norte do Rio de Janeiro. A idosa, na ocasião com 63 anos, foi encontrada dormindo em um quarto sem energia elétrica e com os pertences armazenados em uma caixa de papelão.


A vítima também estava muito magra e com sinais de desnutrição. Ela informou à assistente social que não tinha livre acesso a alimentos e água potável e que a empregadora jogou fora seus pertences, nos quais havia anotações particulares em que constavam contatos de seus parentes. Segundo relatos de vizinhos, vivia sob constantes maus tratos, violência física, e realização de trabalhos exaustivos, sob o sol, absolutamente incompatíveis com sua idade e porte físico.


De acordo com a apuração da Fiscalização do Trabalho, com exceção do primeiro ano do contrato, a trabalhadora nunca tirou férias e nunca visitou a própria família. Houve pagamento de salários apenas nos primeiros anos, porém, no final da década de 1980, a vítima passou a laborar sem remuneração definida, recebendo apenas “dinheirinho” para que pudesse comprar “bala”, “biscoito recheado” e “doce”. A trabalhadora também não tinha amizades nem outros laços sociais durante os anos de trabalho.


Na inspeção, foi constatado que a trabalhadora era obrigada a catar latas de alumínio nas ruas, com o objetivo de vendê-las e reverter o dinheiro obtido à ré, que é professora assistente em regime de dedicação integral em uma universidade federal do Estado do Rio de Janeiro. Também foi verificado que a empregadora sacou os valores do auxílio emergencial da trabalhadora, apropriando-se deles de forma indevida.


A trabalhadora resgatada foi levada para um hotel, com o custeio de medicamento, roupas, transporte e alimentação, mediante utilização de verbas provenientes do Projeto Ação Integrada, e, posteriormente, foi transferida para um Centro de Acolhimento da Prefeitura.


Decisão


Na decisão, o juiz do Trabalho Nikolai Nowosh declarou a existência de relação de emprego entre a trabalhadora e a empregadora, na função de empregada doméstica, com remuneração equivalente ao salário-mínimo, no período de 38 anos (de 1º/1/1983 a 25/4/2021). Assim, determinou que a ré pague à vítima, com juros e correção monetária, férias, acrescidas dos respectivos terços, relativas a todos os períodos concessivos vencidos no curso do contrato com incidência da dobra legal sobre as férias; salários vencidos de todo o contrato e as gratificações natalinas de 1983 até 2020; as parcelas rescisórias referentes aos 90 dias de aviso-prévio indenizado; saldo de 25 dias de salário de janeiro/2021; férias, acrescidas do terço constitucional, mais 4/12 de férias proporcionais, relativas ao período concessivo em curso à época da extinção contratual, e 4/12 da gratificação natalina de 2021.


A empregadora deverá realizar o recolhimento da integralidade dos depósitos fundiários relativos ao pacto laboral, a partir da vigência da Lei Complementar nº 150/2015, e pagar a indenização de 40%, por meio de GFIPs, sob pena de execução pelo importe equivalente. Além disso, a sentença determinou também o pagamento, ao Projeto Ação Integrada, do valor relativo às despesas efetuadas com hotel particular depois do resgate da trabalhadora, no importe de R$3.513,09.


O juiz ainda ratificou, tornando definitiva, decisões anteriores que determinaram a manutenção da retenção de 15% dos vencimentos recebidos pela ré no exercício da função de professora; a restituição da CTPS e a carteira de vacinação da trabalhadora, bem como dos demais documentos da ex-empregada que eventualmente estejam no poder da ré, sob pena de multa, no valor único de R$10 mil, e o arresto de imóvel pertencente à empregadora.


Na sentença, o juiz também determinou o pagamento de indenização por dano moral coletivo, no valor de R$ 300 mil, a ser revertido em benefício da sociedade, destacando que “a perniciosa prática constatada reabre feridas históricas oriundas do sombrio período da escravidão institucionalizada, criando inaceitável mácula às conquistas sociais alcançadas ao longo de décadas. Não é demais ressaltar que a abominável conduta patronal caminha no sentido do injustificável retrocesso social, donde se extrai o dever de indenizar a coletividade pelos ilícitos praticados”.

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