Fiscalização resgata 207 trabalhadores que atuavam na colheita, carga e descarga de uvas em Bento Gonçalves (RS)


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
27/02/2023



Operação teve início na quarta-feira, 22 de fevereiro, após um grupo fugir de um alojamento sem condições de higiene, onde sofriam agressões, e procurar a Polícia Rodoviária Federal, que acionou os Auditores-Fiscais do Trabalho para fazer o resgate.


Por Lourdes Marinho, com Informações da GRT de Caxias do Sul, do UOL e G1


Auditores-Fiscais do Trabalho resgataram de condições análogas às de escravo 207 pessoas que atuavam na colheita e carga e descarga de uvas em Bento Gonçalves (RS). Os trabalhadores denunciam que foram vítimas de ameaças e maus tratos, incluindo o uso de choques elétricos e spray de pimenta. Eles trabalhavam para uma empresa prestadora de serviço contratada pelas vinícolas Aurora, Salton e Cooperativa Garibaldi. Inicialmente, 150 trabalhadores haviam sido resgatados e depois 190. Dos 207, 194 voltaram para a Bahia em ônibus fretados, quatro ficaram na cidade e nove foram para outros municípios no estado.


A operação teve início na quarta-feira, 22 de fevereiro, após um grupo fugir de um alojamento sem condições de higiene onde, sofriam as agressões e procurar a Polícia Rodoviária Federal, que acionou os Auditores-Fiscais do Trabalho para fazer o resgate.


De acordo com o Auditor-Fiscal e gerente Regional do Trabalho de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, Vânius Corte, a fiscalização apreendeu no local uma máquina de choque elétrico e tubos de spray paralisante, que eram usados contra os empregados que reclamavam das condições de trabalho. “A situação era escandalosa”, disse Corte.   


A operação contou com o apoio do Ministério Público do Trabalho, da Polícia Rodoviária Federal e Polícia Federal. A assistência social do município e a Secretaria de Justiça do Rio Grande do Sul deram apoio no processo de acolhimento de vítimas.


Para o Auditor-Fiscal e coordenador do projeto de combate ao trabalho escravo da Superintendência Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul, Henrique Mandagará, "o nível de agressão física contra os trabalhadores foi o que chamou mais a atenção". Ele afirma que vigilância armada era usada para garantir que tudo permanecesse do jeito que o patrão queria.


Trabalhadores eram ameaçados com frequência. Alguns foram informados que, caso faltassem ao trabalho por questões de saúde, teriam que pagar todos os custos de transporte desde a Bahia. Isso fez com pessoas trabalhassem mesmo doentes. "Um cassetete era usado para manter o portão do alojamento aberto, o mesmo cassetete que depois era empregado para bater nos trabalhadores", conta o Auditor-Fiscal do Trabalho Rafael Zan, que também fez o resgate. Era uma forma, em sua avaliação, do empregador impor sua disciplina aos trabalhadores.


Segundo a fiscalização, exames de corpo de delito foram feitos e as agressões serão alvo de investigação policial. Zan afirma que foi constatada a presença de trabalhadores machucados, evidenciando maus tratos. Recrutados na Bahia, eles já chegavam com dívidas de alimentação e transporte e, no alojamento, tinham que comprar produtos a preços muito acima do valor de mercado. Tudo isso era anotado como dívida, o que prendia os trabalhadores aos patrões.


Quando receberam a proposta de emprego, foi prometido a eles salários de R$ 4 mil por mês e boas condições de serviço, como alimentação e alojamento decentes - o que não veio a acontecer. A jornada de trabalho, segundo a fiscalização, chegava a ir das 4h às 21h, configurando uma situação de exaustão. Pagamentos também estavam atrasados. Para piorar, quem não tinha dinheiro pegava empréstimo a juros que chegavam a 50% durante a safra de um outro aproveitador para poderem comprar itens de primeira necessidade.


Prisão


O responsável pela empresa, que mantinha esses trabalhadores nessas condições, foi preso e encaminhado, inicialmente, para a delegacia da Polícia Federal (PF) em Caxias do Sul. Após, foi transferido para um presídio em Bento Gonçalves. Ele tem 45 anos e é natural de Valente (BA). Segundo a PF, a empresa tem contratos com diversas vinícolas da região, presta serviços de apoio administrativo e os trabalhadores teriam sido contratados para atuar na colheita da uva.


Pagamento das verbas rescisórias e trabalhistas


Na sexta-feira (24), o empregador pagou R$ 100 mil aos trabalhadores para o custeio da viagem às suas cidades de origem. Nesta segunda-feira (27), serão pagos mais R$ 1 milhão de verbas rescisórias e trabalhistas.


Os Auditores-Fiscais do Trabalho continuam lavrando os autos de infração. De acordo com Vânius Corte poderão surgir multas trabalhistas. 


O Ministério Público do Trabalho (MPT) também está dialogando com a empresa Fênix e com as vinícolas tomadoras de serviço tanto para o pagamento de dano moral aos trabalhadores e de dano moral coletivo à sociedade quanto para um acordo visando à adequação do comportamento a fim de garantir que isso não volte a se repetir.


Se isso não for possível através de um termo de ajustamento de conduta, será feito por meio de uma ação civil pública apresentada à Justiça. Além da dimensão trabalhista, o flagrante do trabalho escravo deve abrir uma ação criminal contra os envolvidos. Redução de pessoas à condição análoga à de escravo é crime previsto no artigo 149 do Código Penal, com 2 a 8 anos de cadeia.


Trabalho escravo hoje no Brasil


De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea no Brasil: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) ou jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).


Desde a criação dos Grupos Especiais de Fiscalização Móvel (GEFM), base do sistema de combate à escravidão no país, em maio de 1995, mais de 60 mil trabalhadores foram resgatados e mais R$ 132 milhões de verbas rescisórias foram pagas aos trabalhadores.


Denúncias


Denúncias de trabalho escravo podem ser feitas de forma sigilosa no Sistema Ipê, sistema lançado em 2020 pela Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Dados oficiais sobre o combate ao trabalho escravo estão disponíveis no Radar do Trabalho Escravo da SIT.

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