MS: Resgate realizado em 2022 resulta em sentença que obriga escravagista a pagar R$ 300 mil por danos morais coletivos


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
03/08/2023



Vítimas foram submetidas a diversos abusos, como morar em chiqueiro de porcos, falta de salário e servidão por dívida


Por Dâmares Vaz, com informações da Auditoria-Fiscal do Trabalho em Mato Grosso do Sul.


Edição: Andrea Bochi


Com base em uma ação fiscal realizada em maio de 2022, a Vara do Trabalho de Corumbá (MS) condenou o pecuarista e proprietário da Fazenda Rancho Nossa Senhora Aparecida e do Sítio Retiro Tamengo, Carlos Augusto de Borges Martins, conhecido como “Carlinhos Boi”, a pagar R$ 300 mil por danos morais causados à sociedade, como resultado da constatação de trabalho em condições análogas à escravidão em sua propriedade rural. Martins foi condenado à revelia, pois não apresentou defesa.


As vítimas, um casal, foram encontradas por investigadores da Polícia Civil, com apoio de integrantes da Polícia Militar Ambiental, que faziam uma investigação sobre um corpo encontrado às margens do Rio Paraguai, num local perto de Corumbá. Ao encontrarem o casal, os agentes registraram por fotos o ambiente insalubre onde o trabalhador e sua companheira viviam em situação degradante, e chamaram a Auditoria-Fiscal do Trabalho.


O Auditor-Fiscal do Trabalho André Kempf, que participou da ação fiscal, avaliou a sentença como “muito importante, ainda mais tendo em vista a celeridade da decisão, que incentiva o reforço das ações desenvolvidas pelo Estado de combate a práticas ilícitas de trabalho”. Ele lembrou que existem sentenças semelhantes no âmbito da Justiça Federal, mas geralmente com demora. “Nesse caso, que foi julgado na Justiça do Trabalho, a sentença foi relativamente rápida.”


Kempf também comenta que a inspeção foi atípica em razão de ter começado com uma diligência policial, de ter havido a retirada prévia dos trabalhadores pela polícia, e de a situação de degradância ter sido encontrada em um local próximo da cidade, apesar da dificuldade para se chegar à outra margem do Rio Paraguai. “Graças à constante colaboração das forças policiais com os Auditores-Fiscais do Trabalho em ações de combate à escravidão, os policiais conseguiram identificar, durante a investigação, a situação em que os trabalhadores estavam.”


Mas ele também pontuou não ser o ideal a retirada dos trabalhadores antes da chegada dos Auditores-Fiscais do Trabalho, pois o empregador pode alterar o ambiente e destruir evidências. “Mas, em razão da situação extremamente precária, foi o que ocorreu. Logo em seguida, nos deslocamos para Corumbá e conseguimos colher os depoimentos dos trabalhadores, que estavam nos aguardando”, falou o Auditor.


Degradância, falta de salário e servidão por dívida


O casal foi recrutado e supervisionado pelo empregador e seus dois filhos sem a realização dos exames médicos admissionais e sem registro em carteira de trabalho. Os autos de infração, lavrados pelos Auditores-Fiscais do Trabalho, apontaram total descaso do empregador com as vítimas, que viviam em condições sub-humanas de sobrevivência na fazenda.


O funcionário trabalhava no rancho havia pouco mais de dois meses, contratado por empreitada pelo valor de R$ 60 por hectare de terra roçada. Entretanto, o trabalhador afirmou nunca ter recebido pagamento e disse que estava com uma dívida superior a R$ 2 mil para com seu patrão, referente à alimentação fornecida durante o período em que o casal permaneceu no local.


As condições de habitação na fazenda eram precárias e desumanas. Antes mesmo de habitar no alojamento improvisado, o trabalhador e sua companheira foram sujeitos pelo pecuarista a morar em um chiqueiro de porcos por um mês. Depois, o casal foi alojado num barracão improvisado, de chão batido, com paredes e telhado feitos de caixas plásticas, madeiras e lonas. Mas, mesmo depois da mudança para o barracão, o trânsito dos suínos era livre pelo lugar, o que não era muito diferente das condições degradantes em que as vítimas viviam anteriormente.


No barracão não havia móveis, utensílios básicos e instalações sanitárias adequadas, obrigando a família a fazer suas necessidades no mato. A água consumida era retirada diretamente do Rio Paraguai, sem tratamento, e o casal, isolado e privado de locomoção, dependia dos patrões para fornecer alimentos, o que nem sempre ocorria, sujeitando-os a doações dos vizinhos para conseguir comer.


Reparação


Como reparação às vítimas, o Ministério Público do Trabalho (MPT) ingressou com ação requerendo o valor de R$ 75 mil como indenização individual ao trabalhador. Nesse ponto, no entanto, o empregador contestou o valor.


Ao analisar o caso, a juíza do Trabalho Lilian Carla Issa aceitou parcialmente o pedido do MPT e condenou o réu a pagar uma indenização de R$ 10 mil para o trabalhador, além da obrigação de anotar o contrato na carteira de trabalho e efetuar o pagamento das verbas salariais e rescisórias devidas.


Já o valor da indenização por danos morais coletivos será revertido a entidades e órgãos públicos ou privados, sem fins lucrativos, indicados pelo MPT, que desenvolvam atividades de interesse público e social, preferencialmente relacionadas direta ou indiretamente ao trabalho.


 

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