RS: Auditores-Fiscais resgatam empregada doméstica que laborava sem direitos há 21 anos no município de Santa Maria


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
04/08/2023



Por Solange Nunes, com informações da SRTE-RS


Edição: Andrea Bochi


Auditores-Fiscais da Gerência Regional do Trabalho em Santa Maria (RS) resgataram, no dia 29 de junho, Adelaide Alexandrete, 45 anos, que trabalhava como empregada doméstica - há 21 anos numa residência – sem receber salário, no município de Santa Maria. O resgate que faz parte de uma operação de combate ao trabalho análogo ao de escravo em residência na cidade, é o primeiro resgate de empregada doméstica realizado no âmbito da Gerência Regional do Trabalho de Santa Maria (RS). O acesso ao domicílio foi autorizado pela Justiça do Trabalho do RS, em processo que corre em segredo de justiça. A ação ocorreu com o apoio do Ministério Público do Trabalho (MPT), Polícia Federal (PF) e Creas/Assistência Social do município de Santa Maria.


De acordo com a equipe de Auditores-Fiscais, a empregada, residia e laborava no âmbito doméstico há cerca de 21 anos. Período em que, não foi registrada como empregada, não recebeu salários, não teve descanso semanal remunerado, nem férias e nem décimo terceiro salário. Ainda no curso da operação, a trabalhadora foi diagnosticada pela médica como tendo baixa cognição e Transtorno de Ansiedade Generalizado (TAG).


Além disso, a equipe apurou, por meio de relatos, que a trabalhadora tinha restrições parciais para ir e vir livremente sozinha, sem autorização da empregadora.


Relatos de violência


A empregada relatou que sofria violência psicológica e por vezes físicas. Morava numa garagem adaptada para servir de residência, sem portas e paredes que separasse sua cama do resto do ambiente. Era obrigada a realizar trabalho pesado e de limpeza na residência e no estabelecimento comercial da família da empregadora que funcionava junto à casa (boate), o que incluía pintar as paredes da casa inteira, entre outros.


Em razão disso, comentou que chegou a ter o desejo de tirar a própria vida, apresentando crises de ansiedade e pânico. Informou que o único pagamento que recebia pelo trabalho realizado era a comida e moradia e que outras necessidades, como o fornecimento de roupas, eram atendidas por meio de doações. As restrições provocaram o distanciamento de seus familiares, os quais residem nos municípios de Santiago, Nova Esperança do Sul, Santa Rosa e Três de Maio (RS), não sabendo se estavam vivos. 


Desta forma, além da limitação intelectual, a trabalhadora não possuía laços com familiares e qualquer recurso financeiro. Relatou ainda que sofria constantemente ameaças e pressões psicológicas no sentido de que, caso saísse, “iria morar embaixo da ponte” e que não poderia retornar mais para lá, e de que nenhum familiar se importava ou gostava dela.


Boletim de ocorrência


Durante a apuração, entretanto, descobriu-se que havia um boletim de ocorrência informando o desaparecimento da Adelaide Alexandrete, feito em 2008, por familiares da vítima, que procuravam por ela, há anos. Enquanto isso, sua mãe, Delides Alves Garcia, tentou localizá-la por meio de programas de rádio e também enviou várias cartas para programas de TV. Nesse boletim de ocorrência, Delides Garcia alegava que estava cuidando de um filho de 12 anos da resgatada e que esse filho “pede muito pela mãe”. Em 2015 esse filho se suicidou.


Chamou atenção da equipe de fiscalização o fato da trabalhadora, nos mais de 21 anos que esteve na residência, nunca ter recebido bolsa-família ou qualquer outro benefício governamental, como auxílio emergencial na época da pandemia. A resgatada lamentou que no período em que esteve laborando na residência nunca teve poderes para decidir o que fazer da vida e nunca sequer comprou suas roupas, além de que não tinha sequer amigos ou acesso à internet.


Para os Auditores-Fiscais, este isolamento social, decorrente do cerceamento psicológico,  causou sua fragilidade e permitiu que os empregadores utilizassem de sua vulnerabilidade para mantê-la como dependente/explorada, se aproveitando da situação.


Durante a apuração, os empregadores argumentaram que estavam fazendo um ato caridoso, ao acolhe-la. Disseram ainda que a trabalhadora é que lhes deviam indenizar, mesmo estando há 21 anos sendo explorada e sem remuneração.


Direitos


Os Auditores-Fiscais do Trabalho resgataram a empregada doméstica das condições análogas às de escravo, emitiram guia do seguro-desemprego do trabalhador resgatado, que lhe garantirá o recebimento de três parcelas de um salário mínimo de R$ 1.320,00. 


O combate ao trabalho escravo doméstico é recente no país, tendo em vista que o reconhecimento dos direitos das empregadas domésticas se deu apenas a partir de 2013. O 1º resgate no Brasil ocorreu em 2017, e 1º resgate no RS foi em 2022.


Denúncias


Denúncias de trabalho análogo ao de escravo podem ser feitas de forma anônima no Sistema Ipê, no seguinte endereço: https://ipe.sit.trabalho.gov.br/

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