39º Enafit: Auditores-Fiscais discutem o trabalho escravo contemporâneo com estudantes de Direito da USP


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
19/09/2023



Por Cláudia Machado


Edição: Andrea Bochi


Na manhã de segunda-feira, 18 de setembro, a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) foi palco do seminário "Aspectos Multidisciplinares do Trabalho Escravo Contemporâneo". O evento foi parte integrante do 39º Enafit e reuniu especialistas que compartilharam suas perspectivas e experiências na luta contra essa grave violação dos direitos humanos e destacou o protagonismo da Auditoria-Fiscal do Trabalho no combate a situações de precariedade, abuso e violação de direitos fundamentais no ambiente de trabalho.


O seminário foi coordenado pelo professor Otávio Pinto e Silva que falou da sua satisfação em receber a equipe de Auditores-Fiscais para discutir com os universitários um tema tão relevante com estudantes de Direito. O Auditor-Fiscal do Trabalho Renato Bignami abriu os trabalhos com uma análise profunda da evolução dos conceitos relacionados ao trabalho escravo nos últimos cem anos. Ele destacou a falta de clareza na diferenciação entre condições análogas à escravidão e infrações trabalhistas, revelando uma tensão entre órgãos do Judiciário e do sistema de justiça.


Bignami contextualizou a história do mercado escravocrata, que envolveu várias regiões, incluindo o Brasil, e resultou em milhões de pessoas traficadas. Ele enfatizou a intensa circulação de mão de obra entre essas áreas, bem como as estimativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre o número de trabalhadores escravizados em diferentes continentes, destacando a gravidade da situação na Ásia.


A presença do Brasil em cadeias de valor globais foi sublinhada por Bignami, que mencionou uma variedade de produtos sujeitos a condições precárias de trabalho, desde carne até café. Ele enfatizou a importância de abordar as violações dos direitos fundamentais em cadeias de valor.


A discussão sobre as convenções internacionais relacionadas ao trabalho escravo também foi abordada pelo Auditor, com destaque para a Convenção de 1926, que define a escravidão como o estado em que um indivíduo é tratado como propriedade, e a Convenção de 1930 da OIT, que define o trabalho forçado como trabalho realizado contra a vontade do trabalhador, do qual ele não pode sair.


A Auditora-Fiscal do Trabalho Suêko Uski compartilhou a história da criação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), em 1995, para lidar com denúncias de trabalho escravo no Brasil. Ela destacou a importância das pioneiras que fizeram parte desse grupo, Cláudia Ribeiro, Valderez Monte e Marinalva Dantas. Suêko também mencionou casos emblemáticos, como o de José Pereira em 1989, trabalhador que fugiu de condições de trabalho escravo em uma fazenda, além da pressão política e social enfrentada pelos Auditores Fiscais que lidam com casos de trabalho escravo.


Já o palestrante Renato Mendes, também Auditor-Fiscal do Trabalho, abordou a legislação relacionada à proibição do trabalho escravo no Brasil, destacando o artigo 149 do Código Penal brasileiro, que define o crime de redução de alguém a condição análoga à de escravo. Ele explicou como essa legislação descreve várias condutas que configuram o trabalho escravo, como trabalho forçado e jornada exaustiva.


Mendes falou sobre os instrumentos regulamentadores, como a "Lista Suja" de empregadores que utilizam trabalho escravo, e enfatizou a importância da Constituição Federal em proibir o trabalho escravo e relacioná-lo com fundamentos como dignidade e cidadania.


A Auditora-Fiscal do Trabalho Lívia Ferreira falou sobre o impacto do trabalho escravo nas mulheres e crianças, especialmente em oficinas de costura em São Paulo. Ela destacou como as condições insalubres nas oficinas afetam a saúde das crianças e como as mães enfrentam a difícil tarefa de equilibrar o trabalho com o cuidado dos filhos. Lívia relatou casos de crianças adoecidas no ambiente de trabalho da mãe e citou o caso de uma gestante, que foi impedida várias vezes de ir ao médico fazer o pré-natal. Após diversas situações de abuso, a trabalhadora denunciou seu empregador e foi resgatada pela Fiscalização do Trabalho.


Por sua vez, o Auditor Rafael Brisque abordou a questão da terceirização de serviços à luz da Lei 6.019 de 1974, ressaltando a relação entre terceirização, precarização do trabalho e trabalho análogo à escravidão. Ele mencionou como a terceirização foi inicialmente concebida para aumentar a produtividade, mas acabou sendo desvirtuada ao longo dos anos.


Brisque explicou as mudanças na legislação de terceirização e como ela impacta a fiscalização e a proteção dos direitos dos trabalhadores, enfatizando a necessidade de regulamentações adequadas e fiscalização rigorosa.


Por fim, o Auditor-Fiscal do Trabalho Lucas Reis destacou a importância da devida diligência nas cadeias de valor e a crescente importância das empresas nas relações internacionais. De acordo com ele, as grandes corporações têm poder econômico significativo, superando o PIB de muitos países. Ele abordou a necessidade de regulamentações internacionais para evitar violações de direitos humanos e ambientais por parte das empresas. Lucas falou ainda, da contradição entre controle da qualidade do produto e a falta do controle nas condições de trabalho. “As grandes empresas transacionais, multinacionais detêm a batuta do processo produtivo, elas que ditam o ritmo do trabalho, elas que ditam más condições de trabalho de forma indireta quando elas controlam a qualidade dos produtos. E se elas têm a batuta do processo produtivo, são elas que devem responder pelas violações aos direitos humanos e por prática de trabalho escravo.


Para Lucas Reis “é importante discutir a devida diligência nas cadeias de valor para que as empresas possam se responsabilizar pelas violações de direitos humanos que ocorram desde a extração da matéria prima, até a entrega do produto ao consumidor final”.


Participaram do seminário a professora Silvana Abramo, coordenadora do Núcleo Trabalho Além do Direito do Trabalho da universidade, que disse agradeceu a oportunidade de debater o tema com os Auditores. “Em São Paulo temos o trabalho escravo urbano especialmente nas oficinas de costura e nas residências, com a escravização de empregadas domésticas”. A professora Ana Amélia, da Academia Paulista de Direito do Trabalho, falou da satisfação da Academia Paulista poder colaborar com a discussão do tema que muitas vezes parece ultrapassado, mas na verdade não é. “O trabalho escravo existe e está aí, levar essa realidade para os estudantes de direito é importante para a formação pessoal e profissional deles”. Os núcleos que as professoras representam contribuíram para a realização do seminário.​

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