39ºEnafit: AFT debatem os desafios na fiscalização do trabalho doméstico, terceirizado e de empresas transnacionais


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
22/09/2023



Por Lourdes Marinho
Edição: Andrea Bochi


Os trabalhos técnicos desta quinta-feira, 21 de setembro, no 39º Enafit foram abertos com um talk show que abordou o trabalho doméstico, a terceirização e a responsabilização de empresas transacionais por violação a direitos fundamentais. O bate-papo foi mediado pelas Auditoras-Fiscais do Trabalho Cláudia Márcia de Sousa, do Piauí, e Lívia Ferreira, de São Paulo. 


Os Avanços e desafios da fiscalização trabalhista no trabalho doméstico foram destacados pela Auditora-Fiscal do Trabalho Dercylete Lisboa, do Rio de Janeiro. Ela explicou como tem sido a atuação da Inspeção do Trabalho neste campo. 


Disse que desde 1972, quando a obrigatoriedade de registro para trabalhadoras domésticas foi estabelecida, a fiscalização nessa área passou por uma transformação significativa. No entanto, somente a partir de 2015, com a Lei Complementar 150, após a Emenda Constitucional 72, é que a fiscalização começou a efetivamente abordar essa questão, iniciando suas atividades em Pernambuco. 


“As pioneiras nessa empreitada foram colegas de trabalho que, por conta própria, tomaram as primeiras iniciativas, como Cynthia Mara da Silva Alves Saldanha, Juliana Vilela Marcondes, Liane Durão de Carvalho, Tariana Fernandes Rocha Lima e Teresinha de Lisieaux Rodrigues Moura”, comentou. 


Somente a partir de 2021 que a fiscalização do trabalho doméstico recebeu um impulso significativo com a criação da Coordenação Nacional de Combate à Discriminação e Igualdade de Oportunidades no Trabalho. Imediatamente, foram iniciados cursos de capacitação voltados para essa temática. 


De acordo com a Auditora-Fiscal do Trabalho a pandemia e o caso Madalena, em Minas Gerais, desencadearam uma série de eventos que chamaram a atenção para a necessidade de ação fiscal nesse setor. Consequentemente, mais colegas viram-se compelidos a se engajar nessa complexa empreitada, que difere substancialmente do foco tradicional da fiscalização voltado para empresas e CNPJs”, explicou Dercylete. 


O trabalho doméstico, segundo ela, envolve uma realidade completamente distinta, especialmente quando se trata de situações análogas à escravidão, que frequentemente envolvem indivíduos que foram afastados da sociedade quando crianças. “Isso acrescenta uma dimensão psicossocial e de infantilização ao problema, tornando-o notoriamente desafiador”, avaliou. 


Ela explicou que as colegas Auditora-Fiscais desenvolveram estratégias e metodologias para se aproximar das trabalhadoras domésticas em situações vulneráveis. Isso incluiu a caracterização com base em indicadores específicos do trabalho doméstico, que têm suas próprias particularidades. 


Além da identificação das situações de trabalho análogo à escravidão, as Auditoras-Fiscais também se viram encarregadas de acionar a rede de proteção, incluindo assistência social e serviços de saúde, para proporcionar apoio contínuo às trabalhadoras resgatadas. 


“Este é um aspecto crucial da fiscalização, uma vez que vai além das responsabilidades tradicionais, abrangendo desde o alojamento adequado das trabalhadoras até a oferta de apoio adaptado à faixa etária, que pode variar consideravelmente”, comentou. 


Ela disse ainda, que infelizmente, a fiscalização se vê muitas vezes em dificuldades quando precisa garantir o apoio adequado a trabalhadores domésticos do sexo masculino, uma tarefa ainda mais desafiadora. Um exemplo recente envolveu o resgate de um trabalhador doméstico do sexo masculino, com mais de cinquenta anos, que enfrentou obstáculos para encontrar um local de abrigo adequado no município em que foi resgatado. 


Esses e outros relatos do acolhimento dado pelos agentes públicos que fazem o resgate dessas trabalhadoras e trabalhadores emocionaram a plateia. Muitos choraram com os depoimentos de Dercylete, que também ficou emocionada, e disse ser essencial essa acolhida para que as vítimas se sintam protegidas. 


Para a Auditora, “o compromisso e a sensibilização dos colegas têm sido os motores dessa transformação no cenário da fiscalização do trabalho doméstico, em que a Inspeção do Trabalho chegou”, disse Dercylete, para em seguida comentar que a Inspeção do Trabalho tem uma dívida por não ter agido mais cedo e abraçar a responsabilidade de buscar soluções para as trabalhadoras que foram negligenciadas por tanto tempo. 


Terceirização


“Lei de Terceirização, a correta interpretação e a necessária aplicação para a garantia de direitos fundamentais, tratadas pelo Auditor-Fiscal do Trabalho Rafael Brisque Neiva, de São Paulo, eletrizou o debate. Recentemente, em 2017, a lei sofreu importantes alterações que trouxeram à tona questões cruciais sobre a sua interpretação e aplicação corretas, especialmente no contexto da fiscalização do trabalho. 


Antes das mudanças ocorridas em 2017, a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) era a referência principal no que se trata de terceirização de serviços. No entanto, a mencionada alteração legislativa trouxe consigo uma reviravolta na regulamentação da terceirização, ampliando seu escopo para praticamente qualquer atividade, seja ela considerada atividade-meio ou atividade-fim. Esta mudança, por si só, representou uma significativa mudança de paradigma. 


De acordo com Rafael Brisque, um dos aspectos mais notáveis dessa revisão foi a introdução de uma disposição que atribui à empresa contratante uma responsabilidade direta pela garantia das condições de segurança e saúde dos trabalhadores em casos de terceirização lícita. Essa responsabilização não estava presente na Súmula 331, que apenas previa uma responsabilidade subsidiária por créditos trabalhistas. 


Para o Auditor-Fiscal, essa nova responsabilidade direta da contratante de serviços é um avanço importante na proteção dos trabalhadores e um estímulo à contratação mais diligente e à fiscalização mais eficaz dos contratos de terceirização. 


“A contratante agora deve agir com cautela e diligência na seleção e monitoramento da prestadora de serviços, pois qualquer violação das normas de segurança e saúde pelos terceirizados a coloca em risco de responsabilidade direta. Até mesmo em casos de trabalho em condições análogas à escravidão, a contratante pode ser responsabilizada, caso tenha contribuído para essa situação”, explica Brisque. 


Ele ressalta, que apesar dessas mudanças legais, é contra a terceirização de serviço, porque frequentemente está associada à precarização das condições de trabalho. “A realidade atual, com a terceirização irrestrita em diversas atividades, exige uma atuação eficaz por parte das autoridades de fiscalização do trabalho”, reforçou Brisque. 


Nesse contexto, o artigo 5º da Lei de Terceirização surge como uma ferramenta valiosa para a Inspeção do Trabalho. Sua aplicação pode contribuir significativamente para minimizar os efeitos negativos da precarização do trabalho, garantindo uma fiscalização mais eficiente e inteligente. Ao responsabilizar diretamente as empresas contratantes, o artigo 5º incentiva uma abordagem mais cuidadosa e responsável na gestão de contratos terceirizados. 


Por fim , ele reforçou que as alterações recentes na lei de terceirização trouxeram desafios para o mundo do trabalho no Brasil. 


“A responsabilização direta das contratantes representa um avanço importante na proteção dos direitos dos trabalhadores, mas também requer uma atuação vigilante das autoridades para garantir o cumprimento efetivo da lei e minimizar os riscos de precarização do trabalho”, diz o Auditor-Fiscal. 


Responsabilização da cadeia produtiva 


O exemplo da legislação francesa, conhecida como "Lei do dever de vigilância", que pune as empresas multinacionais por violações aos direitos humanos, foi trazido pelo Auditor- Fiscal do Trabalho Lucas Reis. A norma tem se destacado como um horizonte para muitos países que debatem a importância da responsabilização da cadeia produtiva e o combate ao trabalho escravo. 


A lei exige que empresas com sede na França e mais de cinco mil funcionários, ou empresas com mais de dez mil funcionários, mesmo sem sede naquele país, monitorem toda a sua cadeia de produção e se responsabilizem por violações dos direitos humanos em qualquer ponto dessa cadeia. 


“Isso representa um avanço significativo na proteção dos trabalhadores e dos direitos humanos em um cenário global dominado por empresas multinacionais”, avalia Reis. 


Dados trazidos pelo Auditor-Fiscal do Trabalho revelam que das cem principais entidades econômicas do mundo, 69 são empresas e 31 são países. Ou seja, o poder econômico das grandes empresas se tornou evidente, com algumas delas superando o PIB de muitos países. 


“Olha a disparidade aí entre as empresas e entre os países? Se o Walmart fosse um estado, seria mais rico que quase todos os países do mundo, exceto nove países. Olha o poderio econômico das grandes empresas?”, exemplificou Reis. 


Ele lembrou que em 2017, enquanto o Brasil aprovou a reforma trabalhista, que provocou a flexibilização da legislação trabalhista, na França isso aconteceu no sentido contrário. A França aprovou, em 2017, a Lei 399 que obriga as grandes empresas, as empresas nacionais a exercerem a devida vigilância em toda a sua cadeia de produção, o que ele entende ser uma ‘luz no fim do túnel’ contra a impunidade das empresas transacionais. 


A aprovação desta lei foi em resposta a um desastre violento que aconteceu em Bangladesh, em 2013, em um prédio que abrigava a fábrica de roupas Rana Plaza, que deixou 1.138 mortos e trouxe à tona as condições de trabalho degradantes do setor têxtil de Bangladesh, onde eram produzidas peças para o mercado mundial de moda. Entre as vítimas estavam empregados de empresas terceirizadas de grandes marcas famosas no setor. 


Segundo ele, a resposta a essa questão da responsabilização tem provocado debates internacionais sobre a necessidade de um tratado internacional que responsabilize as empresas por violações dos direitos humanos. 


De acordo com Reis, a legislação francesa serviu como modelo para outras iniciativas europeias, destacando a importância de responsabilizar as empresas com base na capacidade de controle do processo produtivo, em vez de apenas no vínculo empregatício. 


“No Brasil, embora ainda não haja uma lei de diligência similar, houve iniciativas de fiscalização que responsabilizaram empresas por violações dos direitos humanos em suas cadeias de produção. Isso indica um caminho possível para a implementação de uma legislação brasileira semelhante”, pontuou o Auditor-Fiscal. 


Mesmo sem lei, ele citou exemplos importantes de iniciativas muito interessantes de fiscalização a partir desses conceitos de cadeia produtiva, como uma ocorrida em 2017, em São Paulo, que responsabilizou a Danone Nestlé por violações aos direitos humanos, por submeter trabalhadores a escravidão contemporânea. Os trabalhadores entregavam os produtos na porta de casas. A responsabilização se deu por meio da terceirização na cadeia produtiva. 


“É uma experiência interessante, que pode servir de norte pra gente pensar também em inovações para a Fiscalização do Trabalho, enquanto a gente não tenha uma lei brasileira específica de vigilância”, finalizou. 

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