MG: adolescente é resgatado em fazenda de ex-juiz do trabalho


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
16/10/2023



Jovem de 17 anos utilizava foice para cortar toras de eucalipto, prática enquadrada na Lista Piores Formas de Trabalho Infantil. Juiz culpa pai do funcionário pela contratação irregular


*As informações são da Repórter Brasil.


Auditores-Fiscais do Trabalho resgataram um adolescente de 17 anos de condição análoga à de escravo em uma carvoaria de um ex-juiz do trabalho, em Itacambira (MG). O resgate aconteceu em janeiro de 2023.


De acordo com o relatório da operação, o jovem atuou 23 dias sem registro, sem treinamento e sem equipamentos de proteção. O adolescente retirava os galhos dos troncos de eucaliptos e os cortava com uma foice para alimentar os fornos da carvoaria.


Tanto o uso da foice para corte de madeira quanto o trabalho ao ar livre sem proteção adequada são proibidos por lei para menores de 18 anos. Essas atividades estão enquadradas na Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil, descritas pela Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.


Ainda segundo o relatório, o jovem havia recebido apenas boné, botina, luva e caneleira, acessórios considerados insuficientes pela fiscalização para garantir sua proteção.


Os Auditores-Fiscais também relataram que o adolescente percorria de moto, sozinho, 40 km diariamente na ida e volta do trabalho. Em sua garupa, levava um galão de gasolina para ser usado na motosserra e em outros veículos.


“Apesar de o contrato ter sido curto, ele estava sob um grande risco nesse período”, afirma Rogério Lopes Costa Reis, Auditor-Fiscal do Trabalho que coordenou a operação.


O ex-juiz do trabalho pagou R$ 9.275,25 em verbas rescisórias e fundo de garantia, além de R$ 2 mil por danos morais individuais ao adolescente. Ele ainda desembolsou R$ 3 mil por danos morais coletivos.


Falta de água, banheiro e primeiros socorros


Com 300 hectares, a Fazenda Tamanduá tem aproximadamente metade de sua área plantada com eucaliptos. É de lá que os 7 trabalhadores encontrados pela fiscalização tiram a madeira que abastece os 21 fornos que produzem o carvão vegetal.


Os Auditores-Fiscais relataram que não havia banheiros nem água potável no local. Os trabalhadores eram obrigados a trazer galões de água de casa e compartilhar entre si ou a beber de uma nascente próxima sem tratamento, nem proteção para evitar que animais tivessem acesso a ela.


A fiscalização também verificou que não havia material de primeiros socorros e que os 6 trabalhadores encontrados na fazenda junto ao adolescente não tinham realizado o exame admissional, que só foi feito após a visita dos Auditores.


O empregador argumentou que o adolescente não residia no local de trabalho, recebia um salário acima do mínimo e realizava uma jornada abaixo das 44 horas semanais. Além disso, sustentou que os outros 6 trabalhadores encontrados na fazenda na mesma condição do jovem de 17 não foram enquadrados como trabalhadores em condições análogas às de escravo.


“Informa o proprietário que firmou TAC [Termo de Ajustamento de Conduta] com o Ministério Público do Trabalho, tendo cumprido todas as obrigações junto ao menor, e que por esse mesmo motivo compreende como ilegal a autuação com fundamento no trabalho escravo, encontrando-se pendente de julgamento a defesa apresentada”, afirmou a defesa do ex-juiz em resposta aos questionamentos da reportagem.


Ex-juiz diz que culpa é do pai do adolescente


Em depoimento ao Ministério do Trabalho, o ex-juiz afirmou que a contratação do jovem com menos de 18 anos “foi um acidente de percurso”. Segundo seu relato, ele estava viajando quando um de seus funcionários pediu para que contratasse seu filho. Sem atentar para idade, autorizou.


Em resposta à Repórter Brasil, o advogado e filho do ex-juiz, contou uma versão diferente, colocando a culpa sobre o pai do adolescente.


“O proprietário desconhecia a existência de trabalhador menor de idade no local, e que este fato se deu por infeliz atitude do pai dele que entendeu naquele momento que era o melhor para o filho estar trabalhando próximo dele, do que sem serviço em casa, não se atentando para a ilicitude do trabalho para menores de 18 anos.”


Para a fiscalização do trabalho, há uma tentativa de desvinculação do problema por parte do ex-juiz. “Se tivesse registrado, veria que o funcionário tinha menos de 18 anos”, diz o Auditor-Fiscal do Trabalho Rogério Costa Reis. “Ele, um juiz do trabalho, óbvio que ele sabia dos impedimentos, ou deveria saber pelo menos”, acrescenta.


R$ 920 mil em autuações ambientais


Além das duas fazendas de carvão em Itacambira, o magistrado tem três fazendas de criação de gado para corte em Urucuia e Pintópolis, a cerca de 330 km de sua cidade natal.


Em 2011, recebeu R$ 20 mil do governo de Minas Gerais por meio do Bolsa Verde, programa de incentivo financeiro a produtores que preservam o meio ambiente. Naquele mesmo ano, foi autuado pela Secretaria de Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável por desmatar mais de 132 hectares de uma floresta que estava em regeneração em uma de suas fazendas. Hoje o local é utilizado para a criação de gado.


Desde então, o ex-juiz já foi autuado em mais de R$ 920 mil por desmatamento, danos ambientais e uso de barragem sem autorização pelo órgão estadual.


Em resposta à Repórter Brasil, o advogado Saulo José Serpa Vieira afirmou que as autuações por desmatamento foram aplicadas de forma equivocada.


“Cumpre destacar que nos dois casos as autuações deram-se sem consulta do autuado que não teve a oportunidade, antes da lavratura dos autos de infração, de apresentar os documentos que comprovavam a legalidade de suas intervenções, que, repete-se, não constituíram qualquer tipo de desmatamento, mas limpeza de áreas de pastagem pré-existentes.”


Carvoarias na nova ‘lista suja’ do trabalho escravo


A produção de carvão vegetal é a atividade que mais incluiu nomes de empregadores na chamada “lista suja” do trabalho escravo divulgada no último dia 5 pelo governo federal.


Nos últimos 10 anos, 1.083 pessoas em situações análogas à de escravo foram resgatadas de carvoarias, segundo dados do Ministério do Trabalho sistematizados pela Repórter Brasil e pela Comissão Pastoral da Terra. Minas Gerais foi o estado que mais registrou resgates em carvoarias.


“Geralmente são pessoas mais vulneráveis [que trabalham em carvoarias], que ficam muitas vezes em condições degradantes de alojamento, de trabalho, sem qualquer equipamento de proteção, respirando fumaça que tem dióxido de carbono e que faz um mal danado para a saúde”, finaliza o Auditor-Fiscal do Trabalho Rogério Lopes Costa Reis.

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