PNAD Contínua mostra aderência com realidade precária do trabalho plataformizado


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
26/10/2023



Informalidade, falta de proteção social, jornada elevada e rendimento menor foram características identificadas pelo levantamento inédito


 Por Dâmares Vaz, com informações da Agência de Notícias do IBGE.


Edição: Andrea Bochi 


No 4º trimestre de 2022, o Brasil tinha 1,5 milhão de pessoas que trabalhavam por meio de plataformas digitais e aplicativos de serviços. Esse número representava 1,7% da população ocupada no setor privado, que chegava a 87,2 milhões no período. Informalidade, forte dependência dos trabalhadores em relação às plataformas, falta de proteção social, jornadas mais elevadas e rendimento menor em relação aos dos trabalhadores não plataformizados do setor privado, foram algumas das características desse trabalho identificadas pelos dados do inédito módulo Teletrabalho e Trabalho por Meio de Plataformas Digitais da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua. 


As estatísticas foram divulgadas nesta quarta-feira, 25 de outubro, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). São experimentais, mas mostram bastante aderência ao que vem sendo observado e apontado por Auditores-Fiscais do Trabalho, pesquisadores e outros agentes dedicados à promoção do trabalho decente. 


Mais de 70% dos trabalhadores plataformizados estavam na informalidade, enquanto no setor privado esse percentual era de 40% dos ocupados. Os plataformizados trabalhavam mais horas semanais (46h x 39,6h) e contavam com menos trabalhadores contribuindo para a previdência (35,7% x 60,8%). 


Os plataformizados tinham uma renda média mensal de R$ 2.645, valor 5,4% maior que a renda dos demais ocupados, de R$ 2.510, mas um rendimento menor, tendo em vista que percebiam menos por hora. 


Frente aos não plataformizados na atividade, os motociclistas de entrega por aplicativo tinham menor rendimento (R$ 1.784 x R$ 2.210), menor proporção de contribuintes para previdência (22,3% x 39,8%) e trabalhavam mais horas semanais (47,6h x 42,8h). 


Outros recortes 


No recorte por tipo de aplicativo, 52,2% (778 mil) do total de plataformizados exerciam o trabalho principal por meio de aplicativos de transporte de passageiros em ao menos um dos dois tipos listados (de táxi ou excluindo táxi). Em um olhar mais aprofundado, eram 47,2% (704 mil pessoas) os de transporte particular de passageiros (excluindo os de táxi) e 13,9% (207 mil) de aplicativos de táxi. 


Já 39,5% (589 mil) eram trabalhadores de aplicativos de entrega de comida, produtos, etc., enquanto os trabalhadores de aplicativos de prestação de serviços gerais ou profissionais somavam 13,2% (197 mil). “Para esse recorte, é importante salientar que uma mesma pessoa, em seu trabalho principal, pode responder trabalhar por meio de mais de um tipo de plataforma digital”, explica Gustavo Geaquinto, analista da pesquisa. 


A maioria dos trabalhadores plataformizados eram homens (81,3%), em uma proporção muito maior que a média geral dos trabalhadores ocupados no setor privado (59,1%). “Há mais homens entre os plataformizados porque a maior parte dos trabalhadores por aplicativo são condutores de automóveis e motocicletas, ocupações majoritariamente masculinas”, explica Gustavo Geaquinto. 


O grupo de 25 a 39 anos correspondia a quase metade (48,4%) das pessoas que trabalhavam por meio de plataformas digitais. 


Quanto à escolaridade, os plataformizados concentravam-se nos níveis médio completo ou superior incompleto (61,3%). É a mesma faixa que lidera no total de ocupados (43,4%), mas em proporção maior para os plataformizados. Já a população sem instrução e com fundamental incompleto era a menor entre os plataformizados (8,1%), mas correspondia a 22,8% do total de ocupados. 


Cerca de 77,1% dos plataformizados eram trabalhadores por conta própria, contra 29,2% para os não plataformizados. Entre os grupamentos de atividade, 67,3% dos plataformizados atuavam em transporte, armazenagem e correio, e 16,7% em alojamento e alimentação. 


“Ao comparar os rendimentos de ocupados plataformizados e não plataformizados, é importante considerar que existem diferenças quanto ao nível de instrução e ao perfil ocupacional, havendo, por exemplo, maior participação de pessoas com menor nível de escolaridade e exercendo ocupações elementares entre os não plataformizados”, ressalta Geaquinto. 


Para os dois grupos menos escolarizados, o rendimento médio mensal real das pessoas que trabalhavam por meio de aplicativos de serviço ultrapassava em mais de 30% o rendimento das que não faziam uso dessas ferramentas digitais. Por outro lado, entre as pessoas com o nível superior completo, o rendimento dos plataformizados (R$ 4.319) era 19,2% inferior ao daqueles que não trabalhavam por meio de aplicativos de serviços (R$ 5.348). 


Essa diferença pode ser explicada pelo fato de uma parte considerável dos trabalhadores plataformizados com nível superior completo exercer ocupações que exigem níveis de qualificação inferiores, como é o caso da ocupação de motorista de aplicativo. “Essa situação ocorre, entre outros motivos, pela falta de oportunidades de emprego que melhor se adequem a suas habilidades”, explica o analista. 


Acordo de Cooperação Técnica 


Esse módulo da PNAD Contínua é fruto de um Acordo de Cooperação Técnica com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e o Ministério Público do Trabalho (MPT). 


Para José Dari Krein, economista, pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit) e professor do Instituto de Economia da Universidade, a pesquisa mostra muita aderência com a realidade que vem sendo investigada, pois os trabalhadores controlados por empresas de plataforma digital de fato aparecem em condição pior do que a média geral do mercado de trabalho. 


“Falando enquanto pesquisador da instituição Unicamp e não em nome da universidade, criou-se uma situação em que empresas são capazes de contratar um contingente expressivo de trabalhadores sem reconhecer seu vínculo de emprego. Os dados da pesquisa apontam a urgência de repensar a sociedade em um contexto de crise profunda, frente à necessidade de realizar uma transição ecológica e de superar uma crescente desigualdade social. Temos de pensar uma sociedade em que o trabalho volte a ter centralidade, torne-se um fator de sociabilidade e de organização social; e não seja meramente uma estratégia instrumental de as pessoas poderem ter dinheiro para sobreviver e poder pagar contas”, conclui. 


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