Artigo: Terceirização, pejotização e Auditoria-Fiscal do Trabalho (Carlos Alberto de Oliveira)


Por: SINAIT
03/06/2024



Tanto a terceirização quanto a pejotização são consideradas formas modernas da relação de trabalho que não o liame empregatício regido pela Consolidação das Leis do Trabalho, que estabelece requisitos bem definidos para a caracterização do vínculo empregatício.

Diante da posição dominante do STF pela legalidade da terceirização e pejotização, sem que constitua ilícito trabalhista, este artigo desafia a responder quatro perguntas:

  1. Toda terceirização e pejotização são lícitas?
  2. A Auditoria-Fiscal trabalhista pode considerar ilícita a terceirização e a pejotização?
  3. O Auditor-Fiscal do Trabalho pode autuar a empresa quando considerar ilícitas a terceirização e a pejotização?
  4. O Auditor-Fiscal do Trabalho tem competência para declarar a relação de emprego?

Inicialmente vale a pena recordar alguns conceitos que norteiam o presente trabalho.

1) Terceirização: “considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução” (artigo 4º-A da Lei 6.019/74).

2) Pejotização: consiste na contratação de trabalhadores por meio de pessoas jurídicas.

3) Socialização: consiste em inserir o empregado no contrato social do empreendimento na condição de sócio minoritário.

Para que o presente trabalho não se torne extenso, o item 3 não será alvo de apreciação nestas poucas linhas.

O Supremo Tribunal Federal, na sua maioria, firmou entendimento que tanto a terceirização quanto a pejotização não precarizam a relação de trabalho, constituindo inovação no mundo jurídico no tocante à relação de trabalho, não constituindo, assim, uma relação de emprego. Em outras palavras, não existe relação de emprego frente a terceirização (tanto na atividade fim como meio) e a pejotização. (ADPF nº 324; ARE nº 791.932/DF, Tema 739).

Já temos condições de enfrentar a primeira indagação para responder se toda terceirização e pejotização são lícitas.

No âmbito da fiscalização, os AFTs (Auditores-Fiscais do Trabalho) se deparam com situações lícitas, mas também a ilicitude se faz presente.

A terceirização ampla, ou seja, quando se contrata pessoa jurídica para prestação de serviços e/ou a transferência de atividade empresarial para outra empresa precisa ser analisada sob a ótica do princípio da primazia da realidade sobre as formas, afinal, uma contratação pode muito bem escamotear uma típica relação de emprego.

Os requisitos da relação de emprego estão estabelecidos no artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho: “considera-se empregado toda e qualquer pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”. Vale evidenciar a subordinação jurídica e a inteligência do artigo 2º da CLT.

Conjugando os artigos supracitados com o artigo 9º do mesmo diploma, que assim reza: “serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”, tem-se que analisar as figuras em comento sob a luz da fraude à lei trabalhista.

Podemos citar como exemplo de fraude trabalhista a alteração prejudicial do contrato de trabalho, como explicitado no artigo 468 da CLT. Não raro, os empregados são compelidos a pedirem demissão e passarem a prestar serviços como PJ (pejotização), com exclusividade, deixando de perceber diversos direitos conquistados ao longo do tempo, ferindo o princípio da inalterabilidade in pejus do contrato de trabalho.

Pode ocorrer também a fraude quando a empresa contrata prestadora de serviços e há na verdade contratação de mão de obra por meio de empresa interposta (Súmula 331 do TST).

O que acontece com pejotização ilícita

Em ocorrendo as situações supracitadas, já podemos responder a segunda pergunta, que consiste em saber se o Auditor-Fiscal do trabalho pode autuar a empresa quando considerar ilícitas a terceirização e a pejotização.

Caso o AFT conclua pela ocorrência de fraude, não lhe cabe outra opção que não seja a insculpida no artigo 628 do texto consolidado, que diz: “a toda verificação em que o agente da inspeção concluir pela existência de violação de preceito legal deve corresponder, sob pena de responsabilidade administrativa, a lavratura de auto de infração”.

Vale registrar que o auto de infração lavrado pode passar pelo crivo administrativo da defesa e do recurso e também da análise judicial, permutando o auto de infração em multa, caso subsistente na esfera administrativa ou até mesmo se decisão judicial considerar que o instrumento lavrado se reveste de total legalidade.

Nesta altura da nossa argumentação, após o AFT considerar a nulidade na terceirização e pejotização por haver fraude, autuar a empresa fraudulenta, ele ainda pode declarar o vínculo empregatício e exigir da empresa o registro dos prestadores de serviço?

Essa discussão foi pacificada com o entendimento exarado pelo Tribunal Superior do Trabalho em recurso de revista que, resumidamente, decidiu que “o auditor-fiscal do trabalho tem competência para, em sede administrativa, verificar a existência de relação de emprego, nos termos do artigo 11, II, da Lei nº 10.593/2002”.

Em sede de conclusão, podemos afirmar que:

  1. Nem toda terceirização e pejotização são lícitas, dependendo da análise do caso em concreto;
  2. Diante da situação em concreto, pode o AFT decidir pela fraude da terceirização e da pejotização;
  3. Decidindo pela fraude da relação, o AFT tem a obrigação legal de lavrar o auto de infração;
  4. O AFT tem competência para reconhecer a relação de emprego, inclusive quando constatada fraude nos casos de terceirização e pejotização.

Por fim, vale ressaltar a importância do AFT diante das inovações surgidas no direito do trabalho, haja vista que é Autoridade Trabalhista (§ 2º, artigo 11, Lei 10.593/2020), profissional qualificado e que atua no campo onde ocorre a relação de trabalho, com condições de analisar os aspectos formais, valorizando e decidindo sob o prisma do princípio da primazia da realidade sobre a forma, podendo identificar indícios incontestes administrativamente da relação de emprego.

*Carlos Alberto de Oliveira é Auditor-Fiscal do Trabalho, bacharel em Direito pela Unirio e Ciências Contábeis pela Univercidade, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Ematra-RJ e em Negociação Coletiva no Serviço Público pela UFRGS/MPOG.

Publicado em: https://www.conjur.com.br/2024-mai-30/terceirizacao-pejotizacao-e-auditoria-fiscal-do-trabalho/. Acesso em: 3/6/2024. 

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