Artigo - O AFT e o Dia da Consciência Negra


19/11/2024



O Dia da Consciência Negra é cheio de significado, pois nos permite resgatar e valorizar a história do povo negro e sua luta pela liberdade no Brasil. Luta que permanece até hoje por espaço, por reconhecimento e por igualdade, sem os quais não há liberdade.

O Auditor Fiscal do Trabalho tem a função de fiscalizar as normas trabalhistas e seu cumprimento, destacando o combate: I. ao trabalho em condições análogas às de escravo; II. ao trabalho infantil; III. à discriminação; e ainda fiscalizar ações afirmativas para ingresso no mercado de trabalho.

Um auditor negro combatendo serviço análogo à escravidão e a discriminação pode parecer que o negro de forma geral ocupa todos os espaços, tem as mesmas oportunidades e é tratado com igualdade pelos seus pares, pelos empregados e empregadores. Ledo engano.

Se considerarmos o número de AFTs negros atuando na Inspeção do Trabalho, se considerarmos quantos negros ocupam cargo de chefia na estrutura da Secretaria de Inspeção do Trabalho, se atentarmos para os casos silenciados de assédio moral entre servidores negros e o olhar de desconfiança quando um AFT negro circula entre espaços dominados por não pretos, constataremos que um AFT negro incomoda muita gente.

Certa vez um argentino exaltado compareceu à gerência querendo informação, sendo que o plantão fiscal seria no dia seguinte. Como agitava o recinto, alguém me pediu para atender o empregador, haja vista que eu estava no local para atender empresas notificadas e agendadas para aquele dia.

Ele simplesmente disse que queria ser atendido por um AFT, rejeitou minha intervenção e agendou para ser atendido no plantão. Qual sua surpresa no dia seguinte ao perceber que eu era o plantonista. Evidente caso de Pacto da branquitude.

Numa outra experiência, ao comparecer à empresa, identificar-me com a CIF, uma empregadora achou que estava diante de golpe e não quis aceitar a NAD e só o fez após ligar para o contador, que aliás já me conhecia por atender a várias fiscalizações minhas.

O caso mais emblemático e pessoal ocorreu em Armação de Búzios em que guardas municipais obstaculizaram a ação fiscal com o argumento de denúncia empresarial de que falso fiscal achacava os comerciantes no tradicional Festival Gastronômico organizado pela prefeitura. Mesmo com a apresentação de documento oficial o embaraço perdurou por tempo considerável, ocasionando a interrupção da ação fiscal naquele dia.

Recentemente, um colega auditor contou-me que chegou na superintendência  com um grupo de servidores e entraram pelo acesso secundário. O vigilante perguntou onde ele ia e ele se identificou como servidor e seguiu com o grupo. Ao adentrar no salão de acesso, desta vez o supervisor de segurança, trajando terno, fez o mesmo questionamento de maneira ríspida. Todos entraram no elevador e quando ele ia entrar, o segurança bloqueou a porta, impedindo o elevador de subir e só o liberou após a apresentação de documento. O curioso é que mais ninguém foi questionado ou teve que apresentar documento. Chama a atenção que outro AFT que também estava entre o grupo sequer informou ao segurança que se tratava de colega.

Talvez outros casos pudessem ser narrados aqui se não fosse o silêncio instituído por quem foi subalternizado.

Entretanto, há perguntas que devem ser feitas a nível institucional: Quantos chefes de fiscalização são negros? Quantos coordenadores de projetos são negros? Quantos negros já ocuparam o cargo de Secretário de Inspeção do Trabalho? Quantos negros foram Ministros do Trabalho? Se alargarmos o questionamento para além do Executivo, ainda assim as respostas não serão muito destoantes: Quantos juízes, desembargadores e parlamentares são negros? As estatísticas podem até responder, mas a questão de fundo é o porquê dos números. Será que existe racismo institucional?

A nível de execução, uma indagação também pode ser feita: Há casos registrados de assédio moral contra AFT negro? Será que existe assédio moral organizacional, onde condutas abusivas são amparadas e normalizadas, atingindo servidores negros e não negros?

Daí a importância do Dia da Consciência Negra para que textos como este possam levar à reflexão, romper com a hierarquia violenta e abrir os olhos de todos para uma realidade que é pouco debatida e deslocada do centro de atenção para um lugar de invisibilidade: o preconceito e a falta de oportunidade no serviço público, inclusive no Ministério que levanta a bandeira da igualdade e que se preocupa com ações afirmativas para ingresso no mercado de trabalho.

Ambientes de trabalho mais plurais, justos e equitativos corresponde à necessidade de toda sociedade que canta que já raiou a liberdade no horizonte do Brasil.

O país tem uma dívida com a comunidade negra e as vozes dos mártires continuam bradando por justiça, igualdade e oportunidade, inclusive no seio da Auditoria Fiscal do Trabalho. Porém, eu tenho um sonho: Que um dia não mais precisaremos comemorar o Dia da Consciência Negra, pois será instituído e comemorado o Dia da Consciência Humana, quando entenderão e declararão que todos somos iguais na medida de nossas desigualdades.

Carlos Alberto de Oliveira

(Caó é AFT ativo lotado na SRTE/RJ)


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