Auditores Fiscais do Trabalho resgataram 163 trabalhadores de condições análogas à escravidão na construção da fábrica da montadora BYD em Camaçari, Bahia, no dia 23 de dezembro, de 2024. Os trabalhadores são empregados da Jinjang Construction Brazil Ltda, construtora chinesa responsável pela obra.
A Fiscalização do Trabalho também embargou as atividades de escavações profundas e interditou uma cozinha de um dos alojamentos da obra, que estava sem condições mínimas de higiene. Uma serra circular de bancada também foi interditada por falta de qualquer medida de segurança. As interdições permanecerão até que a Jinjiang se adeque às normas para um ambiente seguro de trabalho.
De acordo com Auditores Fiscais alguns trabalhadores eram vítimas de maus-tratos e agressões e todos tinham parte de seus salários retidos. Recebiam apenas 40% em moeda chinesa meramente para compra de itens de sobrevivência. Além disso, enfrentavam obstáculos contratuais para rescisão e tinham seus passaportes confiscados, impossibilitando o retorno ao país de origem.
Os empregados não tinham equipamentos de proteção adequados e praticavam jornadas semanais de trabalho exaustivas, que muitas vezes passavam das 10 horas diárias – bem acima do que permite a legislação brasileira. O descanso semanal poderia ser cancelado caso a empresa solicitasse e havia relatos de pessoas atuando sem parar por 25 dias.
Além disso, as condições dos alojamentos eram precárias, os operários dormiam em camas sem colchões e não dispunham de armários para guardar os pertences pessoais. Os refeitórios dos alojamentos também não tinham condições mínimas de higiene e as instalações sanitárias eram insuficientes. A ausência de local apropriado para lavagem de roupas levava os trabalhadores a utilizar os próprios banheiros para esta finalidade.
Apenas um dos alojamentos possuía um refeitório improvisado, com bancos e mesas de madeira em área semicoberta, ainda assim insuficiente para todos os trabalhadores, forçando a maioria a realizar suas refeições nas próprias camas.
Ainda de acordo com a equipe de Auditores Fiscais, a falta de banheiros obrigava os trabalhadores a acordarem às 4h para formar fila e saírem ao trabalho às 5h30. Além disso, os banheiros não eram separados por sexo, faltavam assentos e apresentavam higiene inadequada.
A equipe de fiscalização fez a inspeção em cinco alojamentos, sendo que em quatro deles foram encontradas situações degradantes de trabalho. O quinto alojamento, destinado a trabalhadores de funções administrativas apresentava algumas irregularidades trabalhistas, mas lá não houve resgate de trabalhadores.
Os operários também eram expostos à radiação solar sem proteção adequada, e acidentes recorrentes eram registrados devido às condições inadequadas e ao ritmo exaustivo de trabalho.
A BYD havia escolhido o complexo industrial de Camaçari, antiga sede da Ford, para estabelecer sua primeira unidade de veículos elétricos na América Latina.
Além dos Auditores Fiscais do Trabalho, a operação contou com a participação de integrantes do Ministério Público do Trabalho (MPT), Defensoria Pública da União (DPU), Polícia Rodoviária Federal (PRF), Ministério Público Federal (MPF) e Polícia Federal (PF).
Suspensão de vistos
O Ministério das Relações Exteriores suspendeu a emissão de vistos de trabalho temporários para a BYD. A Jinjiang alegava, inclusive, que tinha contratado chineses por estes já terem o domínio do que estava a ser feito em Camaçari. Mas a fiscalização constatou que este não é o caso dos trabalhadores da terceirizada, trazidos ao Brasil em caráter de "consultores".
Audiência
A Jinjiang e BYD participaram de audiência no dia 26 de dezembro, com Auditores Fiscais do Trabalho e representantes do MPT, MPF, DPU e Ministério da Justiça. Os 163 empregados resgatados deverão obter o Registro Nacional Migratório (RNM) junto à Polícia Federal e, depois, o CPF na Receita. Desse modo, poderão receber os valores da rescisão contratual. Os resgatados estão alojados em hotéis até que sejam finalizadas as negociações para a rescisão dos contratos de trabalho.
Em nota enviada após a audiência, o MPT disse que a situação dos 163 resgatados foi classificada como tráfico internacional para trabalho análogo à escravidão.
Também ficou definida a garantia de compra pela contratante das passagens e custeio de até 120 dólares americanos como ajuda de custo para a viagem de volta à China de sete empregados, com retorno no dia 1º de janeiro.
Além disso, uma nova audiência foi agendada para o dia 7 de janeiro, para que seja apresentada uma proposta de termo de ajuste de conduta, para avaliação das empresas investigadas.
Participaram da audiência Auditores Fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e representantes do Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU) e Ministério da Justiça e Segurança Pública.