Com informações do TST e do Catedras.com
A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu que ações trabalhistas decorrentes de trabalho em condições análogas à escravidão são imprescritíveis. Com esse entendimento, determinou que uma reclamação trabalhista movida por um trabalhador rural resgatado por Auditores Fiscais do Trabalho de uma fazenda em Dourados (MS) retorne ao primeiro grau para tramitação regular. O processo havia sido extinto por prescrição, sob o argumento de que foi ajuizado mais de seis anos após o resgate do trabalhador.
Questão jurídica envolvida
A controvérsia envolvia a aplicação do prazo prescricional previsto no artigo 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal, que estabelece a prescrição quinquenal para créditos trabalhistas e a prescrição bienal para ajuizamento da ação após o término do contrato. O juízo de primeiro grau e o Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região (MS) entenderam que o trabalhador, resgatado em abril de 2013, teria até abril de 2015 para ajuizar a ação, mas só o fez em 2019.
No recurso ao TST, o trabalhador sustentou que o direito de ação não deveria ser considerado prescrito, pois a sua pretensão estava vinculada a um crime em apuração na Justiça Federal, o que afastaria a contagem do prazo prescricional.
Fundamentos jurídicos do julgamento
O relator, ministro Augusto César, destacou que o Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo Decreto 678/1992, e se submete à jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH). Em decisão no caso Fazenda Brasil Verde, a CorteIDH declarou que a vedação ao trabalho escravo é uma norma de direito internacional indisponível, e a punição dos responsáveis não pode ser limitada por prazos prescricionais.
Com base nesse entendimento, o ministro afirmou que, “se no âmbito penal as pretensões criminais por trabalho escravo são imprescritíveis, o mesmo deve se aplicar à esfera trabalhista, garantindo o direito das vítimas à reparação patrimonial. Esse raciocínio encontra respaldo no artigo 1º da Convenção 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), promulgada pelo Decreto 41.721/1957, que obriga os Estados a combaterem qualquer forma de trabalho forçado.
A decisão foi unânime e reforça a posição do TST de que os direitos decorrentes de condições análogas à escravidão podem ser pleiteados a qualquer tempo, independentemente do prazo prescricional previsto na legislação trabalhista.
Impactos práticos da decisão
A decisão fortalece a proteção das vítimas de trabalho escravo, garantindo que possam reivindicar seus direitos independentemente do tempo decorrido desde o resgate. O entendimento tem impacto relevante, pois cria um precedente que poderá ser aplicado a outras ações trabalhistas e influencia a interpretação da Convenção 105 da OIT, promulgada pelo Decreto 58.822/1966, que reforça a erradicação do trabalho forçado.
Além disso, o julgamento reafirma a aplicação do artigo 149 do Código Penal, que tipifica o crime de redução à condição análoga à de escravo, determinando punições severas para quem submete trabalhadores a essas condições.
Para o SINAIT, o papel da Inspeção do Trabalho é fundamental para a construção desse novo cenário jurídico. “Os AFTs são os pioneiros na construção dessa nova realidade jurídica do país. As ações de fiscalização fornecem material abundante para subsidiar a Justiça do Trabalho na defesa dos direitos dos trabalhadores, e consequentemente contribuem na mudança de cenário ”, afirmam os dirigentes sindicais.
Entenda o caso
O trabalhador rural foi admitido na fazenda em novembro de 2003, com remuneração de um salário mínimo e promessa de comida e moradia. Mas, segundo ele, a fazenda deixou de fornecer água potável, energia elétrica, moradia digna e alimentação adequada, obrigando-o a beber a água do mesmo açude utilizado pelo gado.
A casa, de acordo com seu relato, tinha portas e janelas quebradas, sem proteção para chuva, insetos, frio e demais intempéries. Além disso, sua jornada começava às 5h e terminava às 23h, porque, como único funcionário do local, tinha de “cuidar do gado, fazer cerca, domar cavalo bravo, bater ração, aplicar veneno e conduzir tratores, de domingo a domingo”.
A partir de abril de 2008, o fazendeiro deixou de pagar o salário e as demais obrigações e passou a fornecer somente arroz para alimentação. Também impedia o trabalhador de sair da fazenda, ameaçando-o de morte.
Trabalhador foi resgatado dez anos depois
Em abril de 2013, Auditores-Fiscais do Trabalho fizeram uma vistoria no local e o resgataram. O proprietário da fazenda foi denunciado e responde a um processo criminal na Justiça Federal.
Processo relacionado: RR-24796-34.2019.5.24.0022