Artigo - Discriminação racial no trabalho


21/03/2025



Racismo é uma ferida. Cada atitude racista faz esta ferida sangrar. Já não bastam os quase 400 anos de escravidão do negro neste país, o último a “abolir” o sistema escravagista na América do Sul. Ainda querer perpetuar este racismo, aprofundando as assimetrias, as iniquidades e a falta de oportunidades, principalmente, à população preta, pobre e periférica (PPP) no mundo do trabalho é uma volta ao Brasil Colônia.

A discriminação racial reside no tratamento desigual, segregacionista, injusto dado a uma pessoa em razão de sua etnia ou cor. Quando esta discriminação racial está afeta a relação ou ao local de trabalho, estamos diante de uma discriminação racial laboral que leva ao trabalhador ou à trabalhadora sérias consequências à sua saúde física, mental, emocional e psicológica.

O Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades – CEERT, com sede em São Paulo, criado em 1990, uma organização não-governamental que produz conhecimento, desenvolve e executa projetos voltados para a promoção da igualdade de raça e de gênero por meio da pesquisa DE&I -Diversidade – Equidade e Inclusão, lançada em sua plataforma digital exclusiva, apurou que embora a população negra configure maioria no Brasil, ela não se encontra no topo da pirâmide hierárquica quando se fala de postos de trabalho.[1]

O tema trazido ao palco deste debate encontra abundante legislação protetiva na Constituição Federal, artigo 3º, inciso IV e artigo 5º, a Lei nº 9.029/1995 que dispõe sobre a proibição da adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho e a Convenção da OIT nº 111 – Discriminação em Matéria de Emprego e Ocupação, ratificada pelo Decreto 62.150/1968, revogado pelo Decreto 10.088/2019. O Brasil é farto em leis que salvaguardam os negros de serem vítimas de racismo, que é crime capitulado no artigo 1º da Lei .7.716/1989. Apenas e tão somente, faz-se necessário que estas leis tenham efetividade, que sejam cumpridas.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos em 20/02/2025 condenou o Brasil por racismo em um caso de discriminação racial ocorrido em 1998 com duas mulheres negras qualificadas se apresentaram para uma vaga de emprego para uma grande empresa, todavia foram informadas pela atendente que as vagas haviam sido preenchidas. Logo depois, uma mulher branca com a mesma qualificação foi imediatamente contratada. Foi ajuizada a ação penal, mas o Estado brasileiro falhou por ausência de investigação policial e perícia, falta de ação diligente por parte do Ministério Público e demora injustificada nas decisões judiciais.

A Corte reconheceu o racismo sistêmico e institucional, tanto de forma direta quanto indireta, no acesso ao trabalho e à justiça em todas as suas etapas. Isso resultou no reconhecimento do dano ao projeto de vida das autoras, bem como na violação da devida diligência, conforme a combinação de diversos tratados do sistema interamericano ratificados pelo Brasil, tais como os artigos 1, 4, 5, 7, 11, 8, 24 e 26 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância. A íntegra da sentença pode ser acessada pelo Racismo site. [2]

A discriminação sofrida pelos trabalhadores em função de sua raça e cor é mais comum do que se imagina. Presenciei, há pouco tempo e com tristeza, um caso no qual uma jovem mulher negra após ter sofrido ataque racista em seu trabalho, ficou tão abalada emocional e psicologicamente que foi obrigada a requerer afastamento para tratar crises de pânico e ansiedade. E após obter alta médica pediu demissão do emprego.

Vale lembrar, com pesar, o caso recente acontecido aqui em nossa cidade de Santos com Winiston Cristian Santos, conhecido como Tom Cristian, de 33 anos, goleiro da Portuguesa Santista que no último dia 20/02/2025 foi chamado de “macaco”, “preto” pelos próprios torcedores no jogo entre a Briosa e o São José, no estádio Ulrico Mursa, Jabaquara. O São José vencia a Portuguesa por 3 a 0. O goleiro recusou-se a prosseguir na partida, tendo os demais jogadores o acompanhado e a partida encerrada.[3] Pois é, o racismo é mesmo tão institucionalizado, que está impregnado no meio social em que vivemos e atinge ferinamente a classe trabalhadora negra de todos os níveis. Outrossim, podemos citar também os casos de racismo que vem sofrendo frequentemente Vini Junior, jogador do Real Madrid.

Cida Bento psicóloga mestre e doutora pela PUC-SP cofundadora do CEERT em sua obra “Pacto da Branquitude” se dedicou a desmitificar a falácia da meritocracia branca. Afirma, com toda a razão, que há um acordo tácito da autopreservação de interesses de certos grupos e que perpetua o poder das pessoas brancas. Sua pesquisa teve como pedra fundamental analisar e confrontar diferenças de oportunidades entre negros e brancos no mercado de trabalho, desigualdades que ratificam de forma cabal o racismo institucional.[4]

Este monstro que é o racismo, parte integrante da estrutura social, cria desigualdades e nega direitos fundamentais da pessoa humana: direito a vida, a saúde, a educação, a segurança, a moradia, ao trabalho. O racismo está relacionado a escravidão que beneficiava economicamente o branco já que o negro era tratado como mercadoria. O responsável pelo racismo é o branco, todavia a luta antirracista é de todos. A inação e o silêncio contribuem para perpetuar este terrível sistema de opressão.

A questão da discriminação racial no campo do trabalho salta aos olhos, contudo ainda pouco debatida. Inobstante algumas conquistas obtidas até o momento, faz-se mister que poder público e iniciativa privada vejam a discriminação racial como um problema que diz respeito a sociedade como um todo. E enquanto o Brasil não se assumir racista o negro permanecerá oprimido. Basta ao mito da democracia racial!

Neste 21 de março, Dia Internacional da Luta Contra a Discriminação Racial não há muito o que comemorar, de vez que o racismo continua corroendo de forma voraz o tecido social Apenas, trazer à memória que a data escolhida remete a um episódio trágico, mas fundamental na história da luta antirracista: o Massacre de Sharpeville, província de Gauteng, África do Sul ocorrido em 21 de março de 1960. Naquele dia, durante o regime do apartheid, um protesto pacífico foi brutalmente reprimido pelas forças policiais, resultando em 69 pessoas assassinadas e em 186 pessoas negras feridas[5].

Carmem Cenira Pinto Lourena Melo

Auditora fiscal do trabalho aposentada, escritora, poetisa, advogada, jornalista


[1] https://www.ceert.org.br/noticias/100187/pesquisa-de&i-diversidade-equidade-e-inclusao-para-equidade-racial-em-empresas

[2] https://www.corteidh.or.cr

[3] https://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2025/02/21/goleiro-vitima-de-racismo-chamado-de-macaco-pela-propria-torcida-se-revolta-e-lembra-pele-um-negro-fez-a-alegria-de-todos.ghtml

[4] Bento, Cida, O Pacto da Branquitude, Companhia das Letras, 1ª edição, 2022

[5] https://www.gov.br/palmares/pt-br/assuntos/noticias/o-massacre-de-sharpeville-e-o-dia-internacional-contra-a-discriminacao-racial

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