Trabalho infantil - artigos trazem visões antagônicas


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
23/04/2009



O SINAIT reproduz, abaixo, dois artigos publicados hoje e no feriado da Sexta-feira Santa, no jornal Folha de São Paulo, sobre trabalho infantil. O primeiro artigo, do atual secretário municipal de Trabalho e Desenvolvimento Social de São Paulo, Marcos Cintra, lamenta ação que retirou crianças que trabalhavam como "pegadores de bola" em academia de tênis. O segundo, do ex-secretário e atual vereador Floriano Pesaro, critica a visão do primeiro.


Embora bastante focados nas ações da prefeitura de São Paulo (são citados programas e campanhas  governamentais), o SINAIT reproduz os artigos na intenção de ilustrar como ainda está arraigado o conceito social de que, para a criança, é melhor trabalhar do que roubar ou que a criança pobre que não trabalha não tem opção a não ser se deixar cooptar pelo tráfico e outras ilicitudes. Autoridades que deveriam cuidar para que programas sociais cheguem a todas as crianças a fim de proteger o futuro, defendem a entrada precoce no mercado de trabalho, alimentando uma cadeia que retira postos de trabalho dos pais adultos e frequentemente levam marcas negativas para o resto de suas vidas. Conforme afirma o artigo do ex-secretário, para mudar a realidade é preciso haver, antes de tudo, uma mudança de pensamento.


O SINAIT representa agentes públicos que têm como uma de suas missões o combate e a repressão ao trabalho infantil. Belíssimos trabalhos foram e são realizados por Auditores Fiscais do Trabalho que vão além de sua missão profissional e se envolvem pessoalmente em projetos que objetivam dar uma chance de futuro a crianças e adolescentes. Doam tempo, talento e recursos pela causa da erradicação do trabalho infantil. Trabalho infantil é proibido, é prejudicial à formação da criança, à saúde e à economia do país. E ponto final.


Leia os dois artigos:


23-4-2009 - Folha de São Paulo


Artigo - Trabalho infantil é um soco no estômago


Floriano Pesaro - 41, sociólogo, é vereador de São Paulo pelo PSDB. Foi secretário municipal de Assistência e Desenvolvimento Social da Prefeitura de São Paulo (gestões Serra e Kassab


 TRABALHO infantil é proibido. É proibido não por decisão de alguma autoridade de plantão, mas pelo ECA (Estatuto de Criança e do Adolescente) e pela Constituição Federal, a Carta Magna da nação. Crianças em trabalho infantil e nas ruas mostram o grau de nosso atraso.
Por isso, causou-me surpresa o artigo do secretário municipal de São Paulo Marcos Cintra (Trabalho e Desenvolvimento Econômico), publicado neste jornal no dia 10/4, no qual ele considera um "equívoco" a decisão de retirar do trabalho infantil crianças que, numa academia de tênis, trabalhavam como pegadores de bola ("Um soco no estômago", "Tendências/Debates"). Em seu artigo, o secretário diz: "Um dia, as autoridades baixaram no recinto e proibiram, sob alegação de trabalho infantil, que esses jovens continuassem naquelas condições".
Ora, "as autoridades" a que ele se refere eram o então secretário municipal de Assistência e Desenvolvimento Social. Ou s eja, eu. Sim, fui eu quem "baixou" na academia e "proibiu", em parceria com o Ministério Público do Trabalho da 2ª Região, o trabalho infantil que ali se praticava.
E foi uma das muitas ações impetradas pela secretaria no combate ao trabalho infantil, aliás, nossa prioridade. Não fiz nada agindo a meu bel-prazer, mas em consonância com as diretrizes nacionais e internacionais que condenam o trabalho infantil em todas as suas formas. A Constituição veda expressamente aos menores de 16 anos, exceto na condição de aprendiz, a partir de 14 anos, e a menores de 18 anos o trabalho noturno, perigoso e insalubre, o que se harmoniza com os tratados internacionais, em especial com as convenções da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Esse entendimento permanece na nossa CLT, reiterado pelo ECA.
Essa realidade possui dois lados. As famílias excluídas que buscam formas alternativas de sobrevivência, como o trabalho infantil. Por o utro lado, esse comportamento reproduz o ciclo perverso de perpetuação da pobreza. O combate ao trabalho infantil exige abordagem que aponte soluções não só econômicas e sociais.
Há necessidade de mudanças culturais significativas da sociedade e das famílias. Argumentos como "criança que trabalha fica mais esperta" ou "melhor trabalhar do que roubar" refletem a mentalidade de que o trabalho molda o caráter das crianças pobres. No entanto, essa visão encobre o efeito negativo do trabalho precoce no futuro da criança, comprometendo o seu desenvolvimento emocional e intelectual e, em última instância, o desenvolvimento de nossa sociedade.
O artigo do secretário traz a ideia errônea de que "aqueles jovens não puderam encontrar caminhos que evitassem que fossem transformados em meliantes e bandidos em potencial". Ele desconhece que não é a prática do trabalho infantil que evita a entrada desses jovens no mundo do crime. M uito ao contrário. É pelo trabalho infantil que a criança é explorada física, moral e sexualmente. Se queremos garantir a inserção qualificada dessas crianças no mercado de trabalho, temos um grande desafio pela frente: implementar de fato a Lei do Aprendiz e programas de geração de renda para os jovens e suas famílias.
Chega de ações paliativas. O que é realmente eficaz é a escola em tempo integral, pois, assim, elas sairiam das ruas e seriam reinseridas na sua família e na comunidade. Essa foi a política da administração Serra/Kassab. Tivemos bons resultados com o programa São Paulo Protege e a campanha "Dê mais que esmola. Dê futuro". Em 2005, cerca de 4.030 crianças e adolescentes encontravam-se em situação de rua e trabalho urbano. O censo de crianças em situação de rua e de trabalho infantil, realizado em 2007, apontou queda nos números aferidos em 2005. Foram identificadas 1.842 crianças e adolescen tes, sendo 1.040 em trabalho infantil e 802 nas ruas.
O êxito das ações do programa São Paulo Protege deve-se em grande parte à realização da campanha "Dê mais que esmola. Dê futuro", que deu visibilidade ao problema e construiu parcerias entre o poder público e a sociedade civil organizada. Colocamos o foco na garantia dos direitos ao desenvolvimento saudável da criança.
Campanhas semelhantes foram implantadas com sucesso em outras capitais, como BH, Curitiba e Brasília. Mas o trabalho infantil persiste em outras formas, como o doméstico, dificílimo de vir à tona. O trabalho infantil é a representação mais alarmante da nossa falta de trabalho com a infância: não é tanto o que a criança está fazendo, mas o que deixamos de fazer com ela. A criança deve ter acesso a oportunidades que, de fato, façam-na voltar a sonhar.


 


10-4-2009 - Folha de São Paulo


Artigo - Um soco no estômago


MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 63, doutor pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, é vereador licenciado (PR) e secretário municipal do Trabalho e Desenvolvimento Econômico de São Paulo.


 


VIVI RECENTEMENTE uma triste e pungente experiência. Observando as fotos das arruaças ocorridas em Paraisópolis, quando jovens moradores daquela favela depredavam propriedades e agrediam inocentes transeuntes em combate campal com a Polícia Militar paulista, identifiquei alguns jovens que eu havia conhecido algum tempo antes em circunstâncias totalmente diversas.
Lembrei-me deles sem as feições embrutecidas que exibiam durante as arruaças, mas como saudáveis meninos pegadores de bola em uma academia de tênis. Eram jovens com idade aproximada entre nove e 12 anos que, após o período escolar matutino, ganhavam alguns trocados participando como auxiliares de partidas de tênis.
Nos períodos de ociosidade das quadras alugadas, brincavam alegremente entre eles, praticando o esporte e tomando gosto pela prática salutar da cultura física. Não ganhavam salário, não tinham horário fixo nem obrigações a serem observadas. Apenas passavam seu tempo pegan do bola e ganhando em troca alguns reais para suas pequenas despesas.
No passado, esse costume induziu vários desses jovens pegadores de bola a se tornarem profissionais em suas respectivas modalidades esportivas.
Outros acabaram cursando faculdades de educação física. Outros ainda se profissionalizaram como treinadores. E tudo como resultado dessa convivência lúdica com o esporte e com o aprendizado de uma técnica ou de uma profissão.
Chamava-me a atenção que o dono da academia exigia desses meninos que mostrassem seus boletins escolares e dava-lhes uma dura, chegando até mesmo a impedir que frequentassem a academia enquanto não demonstrassem que suas notas eram adequadas.
Um dia, as autoridades baixaram no recinto e proibiram, sob alegação de trabalho infantil, que esses jovens continuassem naquelas condições.
Cumprindo as determinações da legislação trabalhista, que, como diz a sabedoria popular, lota boa parte do infer no apesar das boas intenções, nossos zelosos guardiões da lei não deram alternativas aos meninos pegadores de bola, a não ser perambular pelas esquálidas ruas da favela.
Como a ociosidade é a mãe dos vícios, pouco tempo depois, como pude constatar, aqueles meninos, já jovens adolescentes, acabaram engrossando as fileiras dos baderneiros e servindo de massa de manobra para os bandidos e traficantes daquela região.
Não é minha intenção criticar as autoridades, que apenas cumprem a lei. Como foi dito por elas ao proprietário da academia, naquele caso específico, sentiam-se incomodados por terem que cumprir suas obrigações legais, mas afirmaram que era comum casos de flagrante exploração de trabalho infantil, uma prática universalmente repudiada e a ser extirpada de nosso meio.
Vem então a pergunta: o que fazer?
É triste ver que, por força de bem-intencionados dispositivos legais, aqueles jovens não puderam encontrar caminho s que evitassem que fossem transformados em meliantes e bandidos em potencial.
É necessário encontrar um ponto de equilíbrio nesse absurdo descasamento entre intenções e resultados.
Abundam exemplos similares em outras áreas, da tributária à preservação ambiental, passando pela proteção de bens históricos e pela legislação de uso e ocupação do solo. Tais equívocos nos fazem descrer da lei como uma diretriz segura em direção ao bem-estar social.
Como secretário do Trabalho do município de São Paulo, proporei ao prefeito Gilberto Kassab que, em colaboração com outras secretarias, procuremos o Ministério Público e o Ministério do Trabalho para a celebração de um acordo que nos permita criar um programa de certificação de atividades e de empresas que possam, sob estrita vigilância e acompanhamento da prefeitura, desenvolver programas monitorados e devidamente formatados, capazes de recuperar práticas como a que presenciei no passado naquelas quadras de tênis.
Quem sabe a cada bola lançada para uma raquete haja um coquetel molotov a menos arremessado com ódio na cara da sociedade paulistana.


 


 

Categorias


Versão para impressão




Assine nossa lista de transmissão para receber notícias de interesse da categoria.