União usa laudos de Auditores-Fiscais do Trabalho em ações regressivas
Os gastos da União com pagamentos de benefícios a vítimas de acidentes de trabalho e seus familiares podem chegar a 100 bilhões de reais por ano, somadas as ocorrências nos mercados formal e informal de trabalho. A conta foi apresentada pelo professor José Pastore, pesquisador da Fundação de Pesquisas Econômicas (Fipe), da Universidade de São Paulo (USP), em matéria do jornal Correio Braziliense, publicada nesta segunda-feira, 7 de novembro. Pastore, em geral, posiciona-se contrário às demandas dos trabalhadores, sendo partidário, por exemplo, da desoneração da folha de pagamento, da ampla terceirização e da flexibilização dos direitos trabalhistas. Neste caso, porém, sua opinião converge com a do Sinait no sentido de que os acidentes provocam gastos e sofrimentos que poderiam ser evitados.
Os números oficiais de acidentes de trabalho, de acordo com o Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS, chegaram, em 2010, a mais de 700 mil. O INSS soma às estatísticas informações de fontes além das Comunicações de Acidente de Trabalho – CAT – nem sempre emitidas pelas empresas –, como dados colhidos pelos médicos peritos do Instituto. O número, entretanto, pode ser bem maior, pois servidores públicos e profissionais liberais, por exemplo, estão fora das estatísticas.
O Sinait já denunciou em diversos fóruns que o pequeno número de Auditores-Fiscais do Trabalho, em particular dos especializados em segurança e medicina do trabalho, é um dos fatores a serem considerados como causas de acidentes de trabalho, devido à impossibilidade de atingir todos os estabelecimentos de trabalho para verificar o cumprimento das normas de segurança e saúde.
As ações fiscais realizadas pelos Auditores-Fiscais do Trabalho são imprescindíveis na prevenção de acidentes e os laudos técnicos elaborados são usados como instrumento jurídico da Advocacia Geral da União e do INSS para propor ações regressivas com o intuito de ressarcir os cofres públicos quando a negligência patronal é constatada e provada. O volume de ações e de decisões favoráveis cresce a cada dia, cumprindo o papel punitivo de responsabilizar monetariamente o empregador pelas falhas e o papel pedagógico de alertar empregadores para a importância e vantagens da prevenção.
A matéria do Correio Braziliense ouviu o Auditor-Fiscal do Trabalho Mauro Khoury (CE) sobre a importância dos laudos e a realidade encontrada no dia a dia das fiscalizações. A Procuradoria-Geral da República confirma que os laudos da Auditoria-Fiscal do Trabalho são o principal instrumento utilizado nas ações regressivas e que têm obtido alto índice de sucesso. Esta é uma razão a mais para que os Auditores-Fiscais do Trabalho realizem um trabalho de excelência, com apuração criteriosa dos fatos e elaboração de relatórios completos e conclusivos.
Veja, abaixo, duas matérias do jornal Correio Braziliense sobre acidentes de trabalho e ações regressivas.
7-11-2011 – Correio Braziliense
País gasta R$ 100 bi com acidentes de trabalho
Conta de R$ 100 bi. Acidentes custam uma fábula ao país
A fatura bilionária resultante de ferimentos, doenças e mortes causadas pelo trabalho é traduzida no pagamento de benefícios previdenciários precoces, nos atendimentos do SUS, nos gastos com reabilitação e nas ações judiciais
Quase metade dos casos acaba em afastamento superior a 15 dias, incapacidade permanente e morte
Uma conta que pode passar de R$ 100 bilhões por ano. Essa é a expressão financeira do sofrimento físico e mental de ferimentos, doenças e mortes causados pelo trabalho no setor formal e no informal. O cálculo é do economista e consultor em relações do Trabalho e Recursos Humanos José Pastore, pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), da Universidade de São Paulo (USP). Somente o custo gerado pelos acidentes entre trabalhadores de empresas com carteira assinada que são notificados e identificados nas estatísticas oficiais é estimado em cerca de R$ 70 bilhões.
Pelo menos 46% dos acidentes, incluídos as doenças ocupacionais e os ocorridos no trajeto de ida e volta para casa, resultam em afastamento do trabalho por mais de 15 dias, incapacidade permanente e morte. A maior parte dessa fatura bilionária não é bancada pelos empregadores, e, sim, por toda a sociedade, traduzida no pagamento de benefícios previdenciários precoces, nos atendimentos do Sistema Único de Saúde (SUS) — que inclui ainda a maior ocupação de leitos —, nos gastos com reabilitação profissional e nas ações judiciais.
Só as contribuições das empresas a título de seguro de acidente de trabalho totalizam R$ 8 bilhões por ano e as despesas com benefícios pagos pelo INSS alcançam R$ 14 bilhões. "É uma cifra colossal, gigantesca", avalia Pastore, sobre a extensão do custo dos acidentes que não aparecem nas estatísticas oficiais. No caso de ocorrências com trabalhadores informais e autônomos, o peso estoura basicamente nas contas do SUS. Há ainda os gastos com o afastamento temporário e permanente de servidores públicos e profissionais liberais, que também não estão sob o manto da Previdência Social. Esse grupo, que está fora das estatísticas, responde por 60% da força de trabalho.
Outros danos
Uma ocorrência gera ainda outros problemas e despesas, que engordam o custo dos acidentes no país. As empresas arcam com o salário dos primeiros 15 dias de afastamento (a partir do 16º dia, é o INSS que paga) e custos com interrupção do trabalho, substituição e treinamento de mão de obra, dano em maquinário, atraso em cronograma de entrega, multas, aumento da contribuição do seguro de acidente e pagamento de indenizações.
Já as vítimas têm despesas com medicamentos, assistência médica adicional, transporte, redução do poder aquisitivo, desemprego, depressão e traumas. Quando há morte, é imensurável o dano material provocado, sem contar o psicológico, decorrente da dor da perda e da falta que a pessoa fará para o desenvolvimento do núcleo familiar. Muitas vezes, o trabalhador que perde a vida é o chefe do lar, que se desestrutura. O futuro dos filhos fica comprometido.
José Pastore observa que está havendo mais controle sobre a ocorrência de acidentes pelo Ministério da Previdência. A maior quantidade registrada nos últimos três anos, na casa dos 700 mil, não significa aumento em relação ao período até 2006, quanto o total ficou em torno de 500 mil no ano, diz. A partir de 2007, a Previdência passou a computar os casos identificados pelos médicos peritos e funcionários do INSS, não comunicados pelas empresas, na hora de conceder o benefício.
Naquele ano de 2007, foram incluídos 141 mil casos sem notificação, totalizando 659.523 acidentes. Em 2008, ano da crise internacional e do aumento do desemprego, o número de ocorrências sem comunicação da empresa foi de 199 mil e o volume total, de 747.663. Em 2009, houve diminuição, atingindo os 701.496 registrados em 2010.
O diretor do Departamento de Políticas de Saúde e Segurança Ocupacional do Ministério da Previdência, Remígio Todeschini, informa que as empresas que sonegam a comunicação da ocorrência de qualquer acidente em 24 horas recebem punição. Elas sofrem com a elevação da contribuição do Seguro de Acidente do Trabalho (SAT), de 1% a 3%, que passa a ser cobrada em dobro sobre a folha de pessoal. Cerca de 50%, diz Todeschini, estão na faixa maior, por desempenharem atividades de risco grave. Só 20% recolhem alíquota de 1%, de risco leve.
Doenças
O diretor alerta para o setor de serviços, que assumiu a liderança em quantidade de acidentes nos últimos dois anos, passando à frente da indústria. É elevada a ocorrência de doenças ósseo-musculares, lesões de ombro e lordose no comércio. Há também aumento dos diagnósticos de transtornos mentais e comportamentais, que decorrem principalmente do estresse e da depressão. Houve ainda elevação de 25% nos afastamentos e na concessão de auxílio-doença por esses motivos.
"A forma como o trabalho está organizado, com pressão constante por metas, maior produtividade e ameaça de demissão, provoca essas doenças", diz Todeschini. O operador de máquinas Juliano Augusto Fernandes, de 29 anos, é uma dessas vítimas. Ele ficou três meses afastado do trabalho no início do ano, após contrair tendinite no punho. O benefício do INSS só saiu quando ele já estava retornando ao serviço, na empresa de autopeças Brembro, em Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Juliano foi poupado dos mesmos esforços, mas novos problemas apareceram.
Em maio, o médico da empresa o afastou novamente por causa de uma tendinite no pé direito — ele passava muito tempo em pé. Mas o INSS indeferiu o pedido do auxílio-doença, alegando que o problema não justificava o afastamento. Desde então, ele está sem renda e teve que entrar com um recurso. "Muitas vezes, a gente prefere trabalhar machucado a ficar dependendo do INSS." (Colaborou Frederico Bottrel)
Maior fiscalização
O Ministério da Previdência informou que os acidentes em geral vêm diminuindo nos últimos dois anos por conta da maior fiscalização do governo, da adoção de normas obrigatórias de segurança e da aplicação do chamado Fator Acidentário de Prevenção (FAP), incidente sobre o Seguro de Acidente de Trabalho (SAT) pago pelas empresas. A alíquota pode aumentar ou diminuir conforme a ocorrência de acidentes. Dados do órgão apontam que 90% das empresas têm FAP menor ou igual a 0,5, ou seja, pagam metade da contribuição devida, por redução na acidentalidade.
Dinheiro de volta - Governo tenta reaver R$ 365 milhões com o desembolso de benefícios
De 2008 para cá, 1.572 ações foram ajuizadas com o objetivo de garantir o ressarcimento dos gastos da Previdência Social com segurados e familiares
O governo pretende cobrar das empresas as despesas geradas aos cofres da Previdência Social pelos acidentes de trabalho. A Procuradoria-Geral Federal, vinculada à Advocacia-Geral da União (AGU), está intensificando o ajuizamento de ações judiciais que exigem o ressarcimento dos gastos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) com benefícios acidentários, como auxílio-doença, auxílio-acidente, aposentadoria por invalidez e pensão a dependentes em caso de morte do segurado.
Esse tipo de procedimento está previsto desde 1991, na Lei nº 8.213, mas até 2007 foram movidas apenas 261 ações. De 2008 para cá, a quantidade disparou e já são 1.572 demandas no total até outubro. A expectativa do governo é de receber de volta aproximadamente R$ 365 milhões, entre o que já foi desembolsado e os benefícios futuros.
A maior parte dos processos se deve a acidentes graves ou que resultaram em morte. Segundo o coordenador-geral de Cobrança e Recuperação de Crédito da Procuradoria-Geral Federal, Fábio Munhoz, só são propostas ações com conjunto de provas fortes contra as empresas, após um procedimento prévio de instrução, para verificar a existência de três condições: se foi acidente típico (aquele que ocorre de repente durante a jornada), se houve culpa da empresa e se está tendo custo para o INSS. Não são objeto de processo de ressarcimento os gastos decorrentes de acidentes no trajeto de ida e volta ao trabalho e os motivados por doenças profissionais.
A maioria dos processos é embasada nos laudos elaborados por auditores fiscais do trabalho. "É a principal ferramenta", afirma Munhoz. Há também aquelas movidas com base em procedimentos do Ministério Público do Trabalho e também em sentenças da Justiça trabalhista. Documentos de outros órgãos públicos também são juntados, como os da Polícia Civil no caso de morte.
Ferramenta
"O principal objetivo não é pura e simplesmente de ressarcimento. É pedagógico, para que as empresas causadoras de acidente, que são minoria, comecem a cumprir a legislação trabalhista, com todas as normas de segurança. Também visamos aquelas que não foram condenadas, para que adotem medidas necessárias a fim de preservar a segurança do empregado", diz Munhoz.
A seu ver, a criação, em 2008, de núcleos de ações prioritárias, entre as quais as regressivas do INSS, pela procuradoria, que representa 155 autarquias e fundações, foi determinante para o aumento das ações. "A principal ferramenta é o laudo dos auditores-fiscais", diz. O procurador informa que o órgão ganha mais de 70% dos processos em primeira instância. E as que perde são revertidas nos tribunais de segunda instância. No Rio Grande do Norte, afirmou, todas as ações ajuizadas até hoje foram julgadas procedentes.
A Klabin perdeu e recorreu da condenação de R$ 238 mil de uma ação ajuizada no Rio de Janeiro em abril de 2009. No caso das três mortes por soterramento na obra da Universidade de Brasília em julho deste ano, a procuradoria já solicitou os laudos do Ministério do Trabalho para mover os processos de ressarcimento. Desde janeiro deste ano, a AGU admite a possibilidade de acordo em ações regressivas, com concessão de desconto para as empresas.
50% têm entre 20 e 35 anos
A maioria dos trabalhadores que se acidentam tem entre 20 e 35 anos, auge da força produtiva. De acordo com as estatísticas do Ministério da Previdência, 50% dos casos registrados estão nessa faixa etária. Entre 20 e 30 anos, são 33,8% do total. Para o auditor-fiscal Mauro Khouri, da Superintendência Regional do Trabalho do Ceará, é alarmante constatar que milhares de profissionais ainda perdem o braço, morrem de choques elétricos ou de quedas no Brasil. "É muito atraso do ponto de vista do desenvolvimento e do pensamento tecnológico", observa.
Dos 525 mil acidentes comunicados pelas empresas em 2010, um total de 415 mil são considerados típicos — ocorreram de forma inesperada durante o exercício da atividade. Outros 176 mil foram levantados pelos funcionários do INSS ao receberem pedidos de benefícios de segurados.
Obrigatoriedade
O ministério elabora uma média de 2,5 mil laudos de acidentes por ano, que subsidiam as ações regressivas movidas pela Procuradoria-Geral Federal. A meta prevista no Plano Plurianual de Investimentos (PPA) dos próximos quatro anos, do governo federal, é de produção de 11 mil laudos no período — 2,8 mil por ano.
Khouri participou da comissão de auditores que elaborou o Sistema de Referência em Análise e Prevenção de Acidentes de Trabalho, conhecido como Projeto Sirena. Uma das ações é a parceria com o Ministério da Previdência, que repassa imediatamente as informações referentes aos acidentes de trabalho notificados pelas empresas. Com elas, os auditores produzirão os laudos técnicos para as ações de ressarcimento do INSS.
Como fruto desse projeto, o Ministério do Trabalho lançou, em novembro passado, o Guia de Análise do Acidente de Trabalho, dirigido a empresas e aos auditores. Por enquanto, tem caráter de recomendação para os empregadores. Segundo Khouri, o objetivo é que vire obrigatoriedade.