Justiça do Trabalho: STF contraria espírito da Reforma do Judiciário


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
04/06/2009



4-6-2009 – SINAIT


 


A Justiça do Trabalho, a partir da Reforma do Judiciário (Emenda Constitucional nº 45/2004), teve ampliada sua competência passando a decidir sobre vários temas que até então não eram de sua alçada. Entretanto, passados mais de quatro anos, pouco a pouco, algumas dessas competências estão sendo questionadas no Supremo Tribunal Federal e as decisões não têm sido favoráveis à Justiça do Trabalho.


Esta observação já tem sido feita por juízes do Trabalho em todas as instâncias e foi ressaltada também por ministros do STF, em mais de uma ocasião. Os magistrados do Trabalho, em resposta, fazem um movimento contrário, tentando ampliar ainda mais suas funções, trazendo para si a competência penal para julgar os crimes contra a organização do trabalho. Há um movimento nacional em curso para angariar apoio de vários setores da sociedade e uma luta parlamentar por emendas em projetos de lei que tramitam no Congresso que contemplem a reivindicação.


Reportagem do jornal Valor Econômico destaca, abaixo, algumas decisões do STF que contrariam o espírito da Emenda 45.


 


2-6-2009 – Valor Econômico


Justiça do trabalho sofre revés no STF


Luiza de Carvalho


 


Recentes decisões do pleno do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a qual esfera da Justiça cabe o julgamento de determinados temas trouxeram à tona novas posições da corte que contrariam, em parte, o espírito da reforma do Judiciário promovida em 2004. Na semana passada, o ministro Carlos Britto afirmou, durante o julgamento de uma ação movida por uma ex-funcionária da Varig, que o Supremo tem agido de forma contrária à Emenda Constitucional nº 45, que ampliou consideravelmente a competência da Justiça do trabalho. A corte decidiu, por sete votos a dois, que não compete à Justiça do trabalho julgar execuções trabalhistas movidas contra empresas em recuperação judicial e nem decidir sobre a sucessão de seus débitos trabalhistas. Pouco mais de um mês antes, em 21 de maio, também o ministro Marco Aurélio manifestou-se no mesmo sentido durante o julgamento de uma ação ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) questionando a contratação de servidores não concursados pela administração pública. Da mesma forma que na decisão tomada na semana passada, o Supremo entendeu que a Justiça comum seria a mais adequada para analisar o tema e, na prática, retirou da esfera trabalhista a função de julgar questões decorrentes, ainda que indiretamente, de relações de trabalho.


A Emenda Constitucional nº 45 deu uma nova redação ao artigo 114 da Constituição Federal, delegando aos juízes trabalhistas a competência para julgar ações referentes a relações de trabalho, e não apenas a relações de emprego - ou seja, aquelas regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A mudança fez com que muitos processos que até então tramitavam em outras esferas da Justiça migrassem para a Justiça trabalhista, mas não sem enfrentar resistência em disputas travadas no próprio Poder Judiciário.


A primeira discussão judicial envolveu a competência da Justiça trabalhista para analisar ações que pedem indenizações por danos morais em função de acidentes de trabalho. Questionado no Supremo, o novo texto constitucional ganhou interpretação diversa daquela entendida inicialmente - em março de 2005, a corte entendeu que esses processos deveriam permanecer na Justiça comum, apesar da Emenda Constitucional nº 45. Três meses depois, no entanto, mudou de posição e delegou-os novamente à Justiça trabalhista. "Foi uma vitória muito importante", diz Luciano Athayde Chaves, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). Na opinião dele, a Justiça trabalhista, que conta com 24 tribunais e cerca de 1,3 mil varas, possui uma estrutura suficiente para ver ampliada sua competência de julgamento.


Apesar da vitória inicial, neste ano a Justiça trabalhista saiu derrotada no Supremo em duas oportunidades - ambas questões de impacto significativo, seja em número de ações, seja em reflexos das futuras decisões judiciais. A primeira delas foi o julgamento de uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) ajuizada pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), na qual ficou decidido, em caráter liminar, que não cabe à Justiça trabalhista julgar questões referentes a servidores públicos. Apesar de a reforma do Judiciário ter estabelecido que as relações de trabalho envolvendo os servidores deveriam ser julgadas na esfera trabalhista, o Supremo entendeu que a demanda - que corresponde a milhares de ações nas instâncias inferiores da Justiça do trabalho - deveria migrar às varas estaduais e federais.


O entendimento do Supremo já começou a ser seguido no Tribunal Superior do Trabalho (TST). Para o ministro Vantuil Abdala, decano do TST, há falta de conhecimento, por parte de ministros da corte suprema de que a atuação da Justiça do trabalho não mais se restringe aos litígios entre trabalhadores e empregados, mas abrange todas as ações decorrentes da relação de trabalho. "Mas com o passar do tempo, as novas atribuições da Justiça trabalhista serão admitidas pelo Supremo", diz o ministro. Segundo ele, o atual entendimento provoca prejuízo para os trabalhadores em relação à celeridade na tramitação dos processos, já que ela seria mais rápida na Justiça trabalhista. "A corte tem interpretado a Emenda Constitucional nº 45 quase de forma legislativa, restringindo a atuação na Justiça trabalhista", diz Wadih Damous, presidente da seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ).


Também nas ações trabalhistas movidas por ex-funcionários da Varig, adquirida pela Gol durante o processo de recuperação judicial, o Supremo se posicionou de forma desfavorável à Justiça do trabalho. Os ministros decidiram, por maioria, que caberia à própria vara em que corre a recuperação - ou seja, a Justiça estadual - a incumbência de processar as execuções trabalhistas e decidir sobre a sucessão dos débitos trabalhistas pela empresa compradora. Os ministros Carlos Britto e Marco Aurélio, votos vencidos no julgamento, expressaram grande descontentamento com o restante da corte. "O pleno está dando uma interpretação restritiva à Emenda Constitucional nº 45", diz Marco Aurélio. Segundo ele, o deslocamento da competência de julgamento no caso Varig se deu por uma visão preconceituosa da Justiça do trabalho, pressupondo o erro de seus magistrados ao analisar o tema. Para o professor e jurista Arnold Wald, no entanto, a corte considerou não apenas os interesses imediatos dos ex-trabalhadores que pedem o pagamento de suas indenizações, mas a sobrevivência da empresa e a futura geração de empregos. "Por trás da simples delegação de competência está a tentativa de equilibrar a função social e econômica do direito", diz Wald.


Outro conflito de competência em que o Supremo terá que se posicionar em breve envolve as ações de cobrança de honorários advocatícios. Neste ano, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) editou uma súmula determinando que a Justiça comum é a responsável pelo julgamento da matéria. Mas tramitam na Justiça trabalhista inúmeras ações do tipo, sob o entendimento de que quando o processo envolve um profissional do direto, e não um escritório de advocacia, a resolução deve se dar em âmbito trabalhista.

Categorias


Versão para impressão




Assine nossa lista de transmissão para receber notícias de interesse da categoria.