16-6-2009 – SINAIT
Na sexta-feira passada, 12, foi o Dia Mundial e Nacional de Combate ao Trabalho Infantil. O SINAIT reproduziu aqui algumas notícias e um artigo sobre o assunto, na impossibilidade de reproduzir tudo o que foi produzido sobre o tema. Dezenas de matérias foram publicadas pelo Brasil afora durante toda a semana passada e debates foram promovidos pelas instituições que lutam pela erradicação do trabalho infantil e proteção ao trabalhador adolescente, inclusive em várias Superintendências Regionais do Trabalho – SRTEs, já que fazer o combate a essa prática ilícita é missão dos Auditores Fiscais do Trabalho.
Como o assunto não se esgota, o SINAIT continua a reproduzir outras matérias e escolheu o relato da Auditora Fiscal do Trabalho Marinalva Cardoso Dantas (RN), coordenadora do Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho da Criança e de Proteção ao Adolescente Trabalhador do RN, publicado pelo jornalista Leonardo Sakamoto (ONG Repórter Brasil) em seu blog. E também uma matéria do jornal Tribunal do Norte (RN), que fala do mesmo assunto.
O relato de Marinalva é chocante, embora não seja novidade, uma vez que a situação já foi denunciada antes. Mas a realidade deve mesmo continuar a chocar, pela situação em si e pela falta de providências para além da fiscalização do trabalho, de intervenção de outras instâncias do poder público, como vigilância sanitária, órgãos de saúde, conselhos tutelares e Justiça. As cenas descritas são um verdadeiro retrato do horror vivido pelas crianças e também por adultos. Trabalho infantil aqui confunde-se com o trabalho escravo também, pela degradação encontrada. Não pode ser ignorado.
8-6-2009 – Blog do Sakamoto (Repórter Brasil)
Há um ano, uma fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego flagrou crianças trabalhando em matadouros no interior do Rio Grande do Norte em condições de dignidade zero. Limpavam tripas, arrancavam gordura, retalhavam carne, descalças, lambuzadas de sangue e fezes. As fotos ganharam a mídia de todo o país e o poder público local prometeu resolver a situação. Contudo, recebi um triste relato, dizendo que pouca coisa mudou:
Boi da Cara Preta, por Marinalva Dantas, auditora fiscal do trabalho e coordenadora do Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho da Criança e de Proteção ao Adolescente Trabalhador do RN
Cenário de um matadouro: Curral, bois, fezes, cordas, varas, marreta, facas, limas, machado, sangue, gritos, fumaça, fogo, urubus, cães, muitos homens, muitas crianças e adolescentes.
Cena 1 - Dentro de um curral que dá suporte ao matadouro, meninos batem com varas e cordas nos animais para que caminhem até o corredor da morte. Vacas prenhas, em instinto maternal, engancham seus chifres na cerca para não seguirem seu inevitável destino. Meninos batem na vaca com uma vara e ela resiste, até que um deles quebra com as mãos o rabo do animal ou enfiam-lhe a vara no ânus. Vencida pela dor, a vaca caminha. Recebe um golpe de marreta de ferro. Diferentemente dos bois, ajoelha-se e se levanta. Não pode morrer, tem um filhote na barriga – ela sabe. E, assim, são desferidas sucessivas marretadas, até que ela tomba, mas luta pela vida até seu sangue se esvair pela veia do pescoço, empoçando o chão do matadouro. Um adolescente pula sobre a virilha do animal para o sangue jorrar mais depressa – sequer tenho tempo para recobrar a respiração e outro animal é abatido.
Cena 2 - Um adolescente retira o couro do animal, as vísceras e retalha a sua carne. Ele me diz que bom mesmo é beber o sangue do boi ainda quente, com cachaça! Crianças descalças pisam no chão sanguinolento e seguem com baldes nas mãos, arrecadando pedaços de sebos, de pelancas e pedaços de carne que levarão para alimentar as suas famílias. Um menino espera ansioso pelo “fato”, como chamam o órgão que contém a bílis. O garoto fura o fato e o fel escorre em um balde, transportando-o para um tonel de cem litros. Um comprador mensal lhe pagará R$ 100,00 pelo líquido armazenado. A carne é pesada e levada por adolescentes para uma carroça que foi lavada por uma criança desde a madrugada ou para um caminhão. Esses veículos farão a distribuição para açougues e supermercados.
Cena 3 - O cenário agora é a Casa de Fato – local onde adultos e crianças cozinham as vísceras em caldeirões, com fogo a lenha, disseminando um forte cheiro de fezes cozidas. Ao longo do piso de cimento, vários montes de fezes e restos de comida retirados dos animais abatidos, tripas reviradas, patas aferventadas. Um adolescente mergulha as mãos dentro de um tonel repleto de fezes bovinas, lavando algumas peças de boi. Do lado de fora, cães e urubus se refestelam. Os cães ganham de presente um bezerro todo formado, que foi retirado do ventre de uma das vacas. O motivo de se abater uma vaca com um bezerro no ventre? Simples! A vaca estava doente, ia ser perdida mesmo e, depois, quem vai saber? O churrasco vai ser comido do mesmo jeito. Um menininho espera com seu carro de mão o resto dos restos para levar para a sua família.
Cena 4 - Em um galpão, ao lado da Casa de Fato, meninos estendem os couros frescos em um tanque, jogam sal por cima e pisoteiam descalços para compactar a salga. O odor de carniça é insuportável e alguns vermes fervilham sob um couro no chão.
Cena 5 - Amanhece o dia. Feira livre. A carne que vi sendo “produzida” é comprada pelos cidadãos daquele município e de outros próximos. Dezenas de meninos, conduzindo carrinhos de mão, transportam, por R$
Cena 6 - Um matadouro moderno, construído e inaugurado há um ano, entregue pelo Governo do Estado e pelo Governo Federal, permanece fechado, repleto de teias de aranhas. O matadouro, de métodos medievais, por sua vez, continua em intensa atividade e as crianças de berços esplêndidos continuam sonhando com bois da cara preta. Já as crianças de berços não tão nobres assim, encarando e matando outros bois. E é então que, no domingo, enquanto os abastados saboreiam os seus churrascos, os pobres engolem os seus sebos e pelancas. Fecho a cortina.
A imagem de uma criança tem o dever de despertar em nós os sonhos futuros. Quando falamos em sociedade, pensamos em investimentos na educação, na família e no lazer de cada novo indivíduo que nasce no Brasil. O 12 de junho, Dia Nacional do Combate à Exploração do Trabalho Infantil, é mais uma data em que o gosto doce dos sonhos de muitos brasileiros é substituído pelo sabor amargo da realidade das crianças do nosso país.
Tiago*, de 13 anos, já conhece sua rotina. Todos os domingos ele precisa estar de pé às 6 horas da manhã para ajudar o pai a vender chaveiros na feira de Cidade da Esperança,
Segundo um estudo realizado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), mais de 100 milhões de meninas trabalham em todo o mundo. Dos 45 milhões de brasileiros entre 5 e 17 anos de idade, mais de 10% trabalham. Embora esse número tenha diminuído (de 19,6% em 1992 para 10,6% em 2007), dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2007 informam que está na região Nordeste a maior parcela do trabalho infantil: 14,4% da classe empregada é composta por crianças e jovens até 18 anos.
A rede formal do Rio Grande do Norte não é mais uma usuária do trabalho infantil, mas o problema ainda é forte na economia familiar. Andando pelas ruas de Natal, não é difícil encontrar crianças “com a mão na massa”. Seja transportando madeira em carroças, limpando carros, oferecendo produtos nos sinais, catando no lixão, vendendo nas feiras livres da cidade ou oferecendo o corpo.
No lixão do Bom Pastor, três crianças acompanham o serviço do pai. Enquanto ele separa os materiais recicláveis, os meninos de cinco, oito e 10 anos ajudam na coleta do lixo. O pai reconhece o perigo, mas justifica não ter com quem deixar os filhos.
Segundo a auditora fiscal do trabalho Marinalva Cardoso, a exploração é feita cada vez mais precocemente. Em visitas ao interior do Rio Grande do Norte, ela contou que encontrou crianças de dois anos trabalhando em casas de farinha com os pais. “Eles estavam ralando a mandioca, mexendo em todo aquele material perigoso”.
Exploração sexual: a mais violenta
Mais de 50 milhões de meninas são vítimas da exploração sexual em todo o mundo, o que representa metade do total de meninas que trabalham no planeta. Para a auditora fiscal do trabalho, Marinalva Cardoso, esta é a forma mais violenta de exploração do trabalho infantil. Iludidas com a promessa de emprego, meninas são levadas a trocarem o lar e a família por um verdadeiro sistema de servidão.
Oriundas principalmente da região Nordeste, as vítimas do tráfico humano não sabem para onde vão. O mercado interno é cliente do tráfico, mas os destinos mais utilizados são os países europeus. Marinalva Cardoso estima que cerca de 70% das prostitutas de Portugal sejam brasileiras, a maioria levada pela rota Espanha – Portugal. “Elas não ficam muito tempo no mesmo lugar. De lá, vão para Tóquio, Israel e outros países para que não possam ser encontradas”, complementou.
Mas nem sempre as crianças vão enganadas. Ainda são comuns os pais que vendem ou alugam o corpo dos filhos em troca de dinheiro, favores ou perdão de dívidas. Outro fator agravante é que os abusos sexuais começam cada vez mais cedo. “A nova exigência dos pedófilos é que as meninas têm que ir sem peito ou não são consideradas novas o suficiente para serem aproveitadas”, contou Marinalva.
Sociedade contribui para o crime
Quem considera a exploração do trabalho infantil um crime sem perdão pode começar a repensar o assunto. A maior usuária da mão-de-obra de crianças é a própria sociedade. Pagar flanelinhas, vigias de estacionamentos, vendedores de sinal e, inclusive, dar esmola para crianças pedintes, são formas de estimular o trabalho infantil.
Evitar abrir a carteira e começar a abrir os olhos é um bom começo. Para a assistente social Célia Galvão, a melhor forma de ajudar não é fazer caridade e, sim, encaminhar a criança para o lugar certo. “A atitude que dá mais efeito é a conscientização social. As crianças devem ser encaminhadas para as escolas, programas sociais ou o Conselho Tutelar. Dar esmola não vai ajudar do jeito certo”, opinou.
Para o psicólogo Herculano Campos, entretanto, o dever de dar o apoio a essas crianças deve ser cumprido pelo Estado. “Nós temos duas vertentes. A esmola resolve a necessidade imediata, mas sozinha não ajuda nada na vida da criança. É necessário que haja uma política pública para cobrir as reais necessidades daquelas pessoas. E isso cabe aos órgãos públicos, porque quem está passando no sinal, o máximo que pode fazer é dar o dinheiro”, disse.
No intuito de chamar a atenção da sociedade neste dia 12 de junho, Dia Nacional de Combate ao Trabalho Infantil, o Governo Estadual e entidades que lidam com a criança e o adolescente participaram essa semana de seminário para discutir medidas eficazes no combate à exploração no RN.
A legislação brasileira permite que adolescentes com mais de 14 anos trabalhem como aprendizes e que jovens acima dos 16 anos possam ser empregados, mas ainda assim nenhum pode estar envolvido em atividades noturnas, perigosas e insalubres. A proibição, entretanto, nem sempre é respeitada.
No RN, 161 municípios são cobertos pelo PETI. Segundo a secretária adjunta da Semtas, Maria José Medeiros, mensalmente são repassados R$936.000,00 para os municípios que participam do Programa. “O PETI está dentro da média-complexidade porque a centralidade de todo esse trabalho é feito na família. São atendidas 37 mil crianças em todo o estado”.
Depois de debates com o promotor da infância, procurador do trabalho e psicólogos, algumas medidas já foram decididas. Segundo Marinalva Cardoso, será formada uma comissão específica para combater a exploração sexual. “Primeiro, vamos convidar os órgãos que já tem estudos traçados sobre os casos e vamos atuar firmemente sobre o que encontrarmos, sem dar trégua, espaço ou intervalos”.
Quem quiser denunciar algum caso de exploração do trabalho infantil, pode procurar o Conselho Tutelar do Município ou entrar em contato com o Ministério do Trabalho, telefone 3220-2035.
Atividades insalubres e castigantes
Quando crianças e adolescentes trabalham sob formas insalubres, as consequências podem ser mais graves do que se imagina. Dificuldade de sono, problemas na postura, mutilações, prejuízos ao desenvolvimento mental da criança, dificuldade de discernimento do certo e errado podem ser causados pela exploração do trabalho infantil.
O psicólogo Herculano Campos explicou que o corte da cana e o matadouro, tão comuns no interior do RN são atividades que influenciam o psicológico da criança. “Nada ali é industrializado, eles mexem com facão, lidam com a morte, cortam o animal. Isso tudo afeta a aprendizagem de qualquer ser em desenvolvimento”.
A tecelagem é outro trabalho destacado pelo psicólogo. “Por ficarem muito tempo parados, com movimentos apenas nos braços, as crianças crescem cheias de problemas ósseos. Sem contar os casos de mutilações nos trabalhos industriais, que não são raros. Aquela criança que perdeu a mão, cresce com o psicológico muito marcado”, explicou.
Em alguns casos, os traumas e privações podem vir no futuro. “Muita criança fala que está bem trabalhando, mas isso é um problema de longo prazo. Existem muitos adultos que não conseguem ou não querem fazer determinadas coisas por causa desses traumas do passado”, explicou.
A educação dessas crianças também é afetada. Muitas delas desistem de ir à escola por causa do cansaço ou dificuldade de concentração. “Elas não conseguem se focar na aula, ficam querendo conversar ou dormir e acabam desistindo”. Segundo dados do IBGE, a educação é exatamente um dos segmentos mais prejudicados por todo esse processo. Enquanto 94% das crianças que não trabalham, vão a escola, 20% das que são ocupadas por alguma atividade não são escolarizadas. No que diz respeito ao trabalho de adolescentes de