Artigo rebate o enxugamento da Constituição


Por: SINAIT
Edição: SINAIT
14/09/2009



14-9-2009 – SINAIT


 


Artigo publicado na edição de 10 de setembro da Folha de São Paulo contesta os argumentos dos deputados federais Regis Fernandes de Oliveira (PSC/SP) e Sérgio Barradas Carneiro (PT/BA) apresentados em artigo publicado no mesmo jornal no dia 17 de agosto, intitulado “É preciso enxugar a Constituição”. Eles são, respectivamente, autor e relator da Proposta de Emenda Constitucional – PEC 341/09, que propõe o enxugamento da Constituição, excluindo principalmente os artigos que tratam de direitos sociais, conquistados com muita luta.


O autor da PEC solicitou que seja realizada audiência pública sobre o assunto. A data ainda não foi marcada. O SINAIT é contrário a qualquer ideia de revisão constitucional que retire direitos e estará atento às atividades da Câmara em relação à tramitação da PEC, buscando participação e se articulando com outras entidades que tenham a mesma opinião.


 


Leia, a seguir, os dois artigos citados:


 


 


10-9-2009 - Folha de São Paulo


Artigo: Enxugar a Constituição é um retrocesso


SONIA FLEURY e JOSÉ MORONI - professora titular da Fundação Getulio Vargas e presidente do Cebes.
Diretor da Abong (Associação Brasileira de ONGs) e do Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos)


 


EM ARTIGO publicado neste espaço, os deputados Regis Fernandes de Oliveira e Sérgio Barradas Carneiro, autor e relator da PEC 341/09, defenderam a redução do texto constitucional, sob a alegação de que "a esperança depositada nesse instrumento está sendo solapada pela ineficácia de suas normas" ("É preciso "enxugar" a Constituição", "Tendências/Debates", 17/8).
Sob os argumentos de que o Brasil vive um período de tranquilidade e liberdade, que as instituições funcionam regularmente e a economia flui sem sobressaltos, justificam a proposta dizendo que a Constituição respondeu a outro momento histórico, pós-ditadura, no qual havia necessidade de colocar direitos e políticas públicas no texto normativo como garantia do pacto s ocial democrático.
A primeira falácia desse raciocínio é desconhecer que a situação atual de tranquilidade e liberdade é fruto exatamente da garantia dos direitos individuais e sociais garantidos no texto constitucional e da institucionalidade democrática ali desenhada.
A situação atual é fruto da expansão da cidadania provocada pela inclusão universal no campo das políticas sociais, dos mecanismos de participação social que criaram nova arquitetura democrática, possibilitando o controle social da ação governamental. Desconhecer isso é desconhecer a essência da Constituição de 1988.
A segunda falácia é dizer que "nenhum pacto, por mais importante que seja, é celebrado para durar eternamente". Ora, parece ser curta a memória dos nobres deputados ao esquecer as tentativas de sabotar o texto proposto pela Comissão de Sistematização da Constituinte, com a criação do Centrão.
Desde aquele momento, as forças conservadoras, que sobrevivem até hoje, tentaram invalidar o pacto democrático que emergiu de um processo constituinte considerado o mais amplamente representativo da sociedade brasileira.
Foi esse processo que assegurou um texto constitucional que expressa as contradições dessa sociedade complexa e desigual, mas que, pela primeira vez, não expressou apenas um projeto elitista de dominação.
A conhecida afirmação de que, com a Constituição de 1988, o Brasil seria ingovernável é a síntese dessa reação conservadora, que nunca se conformou com os avanços conquistados pela sociedade civil tanto na universalização das políticas sociais como no direito à participação política.
O fato de que a Constituição não tenha sido plenamente regulamentada só vem demonstrar o acerto dos constituintes que optaram por um texto mais abrangente. Questões fundamentais para o avanço do país e a consolidação democrática estão pendentes de legislação infraconstituciona l.
Por exemplo: a definição de normas de cooperação entre os entes federativos (artigo 23), a iniciativa popular (artigo 14), uma fonte regular de financiamento da saúde (disposições transitórias). Esses são alguns exemplos de como a reação conservadora tem impossibilitado a evolução do sistema político brasileiro, e não o contrário, que é a Constituição de 1988 que a impede.
A argumentação de que o mundo evoluiu e, portanto, devemos adequar a Constituição à nova realidade é outra falácia, pois o texto constitucional continuou a ser atualizado por meio de emendas e ele não pode responder a conjunturas, mas a um projeto estrutural de Estado-nação.
Foi exatamente por isso que o país pôde resistir melhor à onda do pensamento neoliberal e defender seu sistema de proteção social e combate à pobreza, que, hoje, ao lado dos bancos públicos, representa recursos excepcionais no enfrentamento à crise econômica, assegurando mercado i nterno, investimento e inclusão social.
Por fim, o argumento que atribui os problemas de governabilidade à existência do requisito de maiorias qualificadas para alteração do texto constitucional, propondo reduzir o quórum à maioria simples, permitindo assim que o Poder Executivo forme maiorias com maior facilidade, é um atentado à democracia.
Essa proposta é profundamente reacionária e acaba com um dos contrapesos à avassaladora preponderância do Executivo sobre o Legislativo, que se expressa na exclusividade da iniciativa de legislação sobre determinadas matérias, por exemplo, no campo econômico.
Propor a redução da maioria de dois terços para maioria simples, vinda do próprio Congresso, mostra até onde chegou a capacidade de autodestruição e aviltamento de um Poder republicano. Mas a intenção é clara: os avanços sociais conseguidos em 1988 seriam facilmente derrubados.


 


 


 


17-8-2009 – Folha de São Paulo


É preciso "enxugar" a Constituição


RÉGIS FERNANDES DE OLIVEIRA , 64, desembargador aposentado, é deputado federal pelo PSC-SP, autor da PEC 341/09, que propõe "enxugar" a Constituição. Foi vice-prefeito de São Paulo (gestão Celso Pitta)
SÉRGIO BARRADAS CARNEIRO , deputado federal pelo PT-BA, é relator da PEC 341/09 na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados.



APÓS A ditadura, o Brasil respirou aliviado com a Constituição de 1988. Em época de regime forte, prevalecia a segurança nacional. Quando se retoma a regularidade democrática, há forte reação, entendendo-se colocar na Constituição, que nasce como novo pacto social, todas as restrições, para que não haja nova supressão de direitos. Assim, pensa-se impedir o nascimento de nova ditadura. Coloca-se tudo no texto analítico da Constituição para que a nação possa ficar tranquila.
Justifica-se, em determinado momento histórico, que direitos e políticas públicas figurem num texto normativo "garantidor" do povo. Porém, nenhum pacto, por mais importante que seja, é celebrado para durar eternamente. A sociedade Í móvel, os interesses mudam, as conveniências se alteram. Não há sentido em vincular gerações futuras a decisões presentes.
O mundo evoluiu. Antigas concepções ideológicas deixaram de existir ou mudaram. Por consequência, a população não pode ficar à mercê de coisas fixas, que a impedem de evoluir. Hoje o país tem liberdade. As instituições funcionam regularmente. O Congresso, sem embargo dos problemas que vive, representa a nação. O Executivo foi legitimamente eleito e cumpre o papel de implementar políticas públicas. E o Judiciário garante os direitos quando lesados. A economia flui regularmente. Em termos jurídico-políticos, o Brasil vive um período de tranquilidade.
Assim, apresentamos ao Congresso a proposta de emenda constitucional 341/09, que propõe "enxugar" a Carta brasileira. Consideramos que, decorridos mais de 20 anos de sua promulgação, a esperança depositada nesse instrumento está sendo solapada pela ineficácia de sua s normas.
Vejamos: a Constituição foi promulgada em 1988 com 250 artigos e outros 95 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias. E mais seis emendas constitucionais de revisão e 57 emendas constitucionais.
Isso se transformou nos seguintes números: desde 1988, foram alterados, suprimidos e acrescidos cerca de 90 artigos, 312 parágrafos, 309 incisos e 90 alíneas. Hoje, 1.119 propostas tramitam na Câmara dos Deputados, sem falar em outras 1.344 arquivadas desde 1988. Só nesta Legislatura da Câmara, 22 comissões especiais aguardam exame de mérito. No Senado, são 393 propostas tramitando.
Daí a indagação: convém manter o texto constitucional atual? É lícito garrotear a sociedade eternamente? É legítimo tutelar o povo obstando alterações importantes? É evidente que a resposta é negativa.
O que fazer, então?
Propomos retirar do texto constitucional tudo o que impede o pleno e livre exercício da sociedade.
A todo instante, congressistas buscam alterações com propostas de emendas para "melhorar" o texto. Ora, a matéria constitucional é apenas a regulação e a disciplina do poder, seu exercício e seus limites, que se consubstanciam na declaração dos direitos e das garantias individuais.
O mais é matéria a ser regulada por legislação. Aliás, a produção maior do Congresso é a lei. Ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude da lei.
Estando vários assuntos na Constituição, torna-se necessária maioria de três quintos de deputados e senadores para sua alteração. Assim, minorias sociais dificilmente conseguem o contingente de congressistas para avançar temas de seu interesse.
E os governos, ao precisar de tal quantidade de congressistas, acabam perpetuando políticas clientelistas que tanto envergonham o povo.
Uma Constituição mais enxuta permitirá que, doravante, os Executivos se organizem em torno de maiorias simples, como ocorre em diversos países.
Os momentos históricos são distintos. A Constituinte foi marco importantíssimo para o país, momento ímpar, democrático e histórico. Mas, hoje, é insano manter a Constituição recheada de matéria que dela não deve constar, dificultando alterações imprescindíveis para o país crescer, pois a realidade atual é diferente.
É imperioso retirar do texto constitucional aquilo que é nele excrescente. Não se limita nem se restringe qualquer direito. É irracional manter uma Carta que não corresponde mais à garantia da sociedade. Ao contrário, impede rápida e fluente alteração normativa em sua própria garantia.
Daí ser importante que o Congresso se debruce sobre o texto apresentado e o aprove, após ampla discussão, para oxigenar o Direito brasileiro e permitir que nos equiparemos às grandes democracias ocidentais.
Com isso, estaremos preparando o Brasil para o futuro.

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