Integrantes da Organização de Vítimas de Cruzeiros – OVC estiveram nesta quinta-feira, 25 de setembro, no Sinait para entregar à presidente da entidade, Rosa Jorge, um documento onde denunciam os crimes gravíssimos contra tripulantes
Integrantes da Organização de Vítimas de Cruzeiros – OVC estiveram nesta quinta-feira, 25 de setembro, no Sinait para entregar à presidente da entidade, Rosa Jorge, um documento onde denunciam os crimes gravíssimos contra tripulantes, em especial os brasileiros, que trabalham em navios de cruzeiros internacionais. A Organização quer o apoio do Sinait para encabeçar a luta que eles travam, há dois anos, para combater o trabalho escravo em águas brasileiras.
A violação contra os direitos humanos desses trabalhadores são constatadas pelos maus tratos a que estão submetidos. Em geral, esses trabalhadores laboram sob jornadas exaustivas; sofrem assédio moral e sexual; discriminação racial e xenofobia. Além disso, as condições precárias de alojamento, alimentação e assistência médica também causam graves prejuízos à saúde física e mental desses tripulantes. Em alguns casos levam à morte.
Relatos de vítimas e das próprias autoridades, a exemplo dos relatórios da fiscalização trabalhista, revelam ambientes perversos e degradantes nos navios de cruzeiros luxuosos. As principais vítimas são jovens tripulantes de países asiáticos e latino-americanos, entre estes, muitos brasileiros.
É o caso da jovem Fabiana Pasquarelli que morreu, em fevereiro de 2012, vítima das condições precárias de trabalho com jornadas exaustivas e sem assistência médica, como atestou o laudo da fiscalização trabalhista. Ela trabalhava como garçonete no navio MSC Harmonia. Na ocasião de sua morte, o navio estava ancorado no porto de Santos, São Paulo.
Há também suspeitas de que Thatila Soares, tripulante do navio Costa Fascinosa, morta em outubro de 2013, tenha sido vítima de condições similares, e segundo a OVC, tudo indica que o caso foi “abafado”.
De acordo com os integrantes da OVC, todos esses crimes são cometidos com a conivência das armadoras e das empresas que agenciam os trabalhadores para laborar nos navios.
O documento feito pelos Auditores-Fiscais do Trabalho “Diagnóstico sobre Cruzeiros Marítimos – Temporada 2012/2013”, corrobora com boa parte das denúncias feitas pela OVC. Além de alertar para a falta de salvaguardas e condições dignas de trabalho aos tripulantes em função do contrato de trabalho internacional.
O diagnóstico ainda afirma que as armadoras que operam no Brasil não vêm respeitando um Termo de Ajuste de Conduta - TAC, proposto pelo Ministério Público do Trabalho – MPT em 2010. As armadoras também não respeitam as convenções da OIT e demais acordos realizados junto às autoridades brasileiras, o que aumenta as condições de vulnerabilidade dos tripulantes.
A situação piora por causa da Resolução Normativa N° 71 do Conselho Nacional de Imigração - CNIg, que dispensa às agenciadoras e armadoras de contratar tripulantes brasileiros, que laboram na costa brasileira em cabotagem, de acordo com as normas estabelecidas pela Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT.
Durante o encontro com a presidente do Sinait, os dirigentes da OVC lembraram que no ano passado protocolaram um documento com essas denúncias para a então ministra de Direitos Humanos, Maria do Rosário. O documento (Nº00005.00184/2013-07) apontava as principais denúncias das vítimas e elencava as ações que a OVC considera necessárias para proteger as centenas de jovens brasileiros embarcados em navios de cruzeiros. Mas até o momento, a Organização não teve nenhuma resposta oficial das autoridades.
Rosa Jorge reconheceu que é preciso melhorar a proteção aos trabalhadores e disse que as denúncias dos familiares são fundamentais para fortalecer o combate a este tipo de crime. “Precisamos que a sociedade civil traga para nós essas denúncias, para quebrarmos este muro que impede de dar visibilidade ao problema”.
A presidente do Sinait disse que o Sindicato Nacional vai atuar para levar as denúncias ao conhecimento da sociedade e das autoridades, e cobrar providências para que as atitudes sejam mais preventivas.
Rosa Jorge informou que a coordenadora do Grupo Técnico de Trabalho Estrangeiro - GTTE, a Auditora-Fiscal do Trabalho Jacqueline Carrijo, tem trazido todas as informações pro Sinait acerca deste problema. O GTTE foi constituído pela Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo - Conatrae e é coordenado pelo Sinait. “Para nós não restam dúvidas de que se trata de trabalho escravo, como determina o artigo 149 do Código Penal”, disse a presidente do Sindicato.
Retaliação
Nesta quarta-feira, 24 de setembro, os diretores da OVC protocolaram também no Itamaraty e na Procuradoria Geral da República um pedido de ajuda com urgência aos jovens Giselle Firmino de Moraes e Gabriel Giro Teófilo. Eles trabalhavam no navio MSC Magnífica e foram presos em Cádiz, na Espanha, no dia 10 de abril, “coincidentemente” poucos dias depois da ação da fiscalização trabalhista brasileira feita neste mesmo navio, no porto de Salvador/BA, quando foram resgatados 11 trabalhadores em condições análogas à de escravo.
“As circunstâncias das prisões, onde a denúncia às autoridades espanholas partiu do próprio comando do navio ainda em águas internacionais, nos levam a crer que as provas incriminando os tripulantes podem ter sido forjadas por motivos de represália do capitão italiano Giuseppe Maresca, que é alvo de gravíssimas denúncias de diversos tripulantes por maus tratos, assédio e outras mazelas”, informa a presidente da OVC, Rosângela Oliveira.
Segundo ela, apesar do flagrante de trabalho análogo ao de escravo constituir um crime federal, ninguém do comando do navio foi intimado a prestar depoimento. Tampouco, até agora a MSC foi incluída na Lista Suja das Empresas que “praticam” o trabalho escravo, conforme prevê a Portaria Interministerial N° 2 de 12/05/2011.
O MPT instaurou Ação Civil Pública, ACC-0000716-07.2014.5.05.0023, na 37° Vara do Trabalho de Salvador/BA. No dia 29 de agosto houve uma audiência, onde a defesa da MSC, com objetivo de procrastinar, apresentou milhares de documentos obrigando a transferência da audiência inicial para o dia 17 de dezembro de 2014, na mesma vara do trabalho.
Os demais estrangeiros encontrados em situação de trabalho exaustivo nesta operação, no Porto de Salvador, não foram retirados porque a fiscalização não teve como obrigar o empregador a pagar todos os direitos trabalhistas dos tripulantes por causa do contrato de trabalho internacional feito entre as partes.
Providências
Durante a reunião no Sinait, nesta quinta-feira, 25, ficou acertado que o Sindicato Nacional, a OVC, o MPT e o MPF vão pedir à Secretaria de Inspeção do Trabalho – SIT, cópias de todos os autos de infração lavrados pelos Auditores-Fiscais do Trabalho, nas áreas portuárias, depois do TAC de 2010. As entidades também vão solicitar ao Ministério da Justiça as cópias de todas as reclamações de tripulantes e passageiros nas áreas portuárias deste mesmo período.
O grupo vai pedir, ainda, cópias dos autos de infração lavrados pela Anvisa Portuária e das ações civis públicas, representações, inquéritos e procedimentos administrativos movidos pelo MPT e MPF nesta área, neste mesmo período. A intenção é levar os documentos para a próxima reunião da Conatrae e mostrar que o TAC está sendo descumprido, uma vez que Auditores-Fiscais e Procuradores continuam encontrando irregularidades e autuando as armadoras.
“Consideramos um absurdo não terem executado este TAC. Os Auditores-Fiscais do Trabalho que atuam nos portos brasileiros estão reclamando porque o acordo não foi executado”, argumentou Jacqueline Carrijo.
Segundo ela, com esta consistência material, Sinait, OVC, MPT e MPF vão mostrar o descumprimento deste TAC e questionar a Resolução nº 71 do CNIg, que representa um flagrante escandaloso de discriminação e violação de direitos trabalhistas fundamentais, que além de inconstitucional acaba validando e incentivando as condições aviltantes de trabalho análogo à escravidão.
Os integrantes da OVC lembram que no diagnóstico da fiscalização trabalhista, o coordenador Nacional de Inspeção do Trabalho Portuário e Aquaviário, Rinaldo Gonçalves de Almeida, após relatar as inúmeras violações de direitos pelas armadoras que operam no Brasil, sugere a imediata alteração da RN 71, obrigando a contração pela CLT de todos os tripulantes brasileiros.
De acordo com o vice-presidente da OVC, Alexandre Ribeiro Frasson, a Lei 7.064, de 6 de dezembro de 1984, também determina a contratação de brasileiros por empresas estrangeiras com base na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. “Este é mais um instrumento para questionar Resolução 71 que tem impedido de fazer valer as leis brasileiras. A Resolução do CNIg é incompatível com a Lei 7.064 e a lei está acima da Resolução”, argumentou.
Os representantes da Conatrae, que participaram deste encontro no Sinait, Luiz Carlos Vidal Maia e Camila Melo informaram que vão marcar uma reunião da Comissão para tratar somente deste tema.
Submundo
O submundo em que vivem a maioria dos tripulantes, as condições degradantes e extremas de trabalho e maus tratos, torna-se terreno fértil para o alto consumo de álcool e de muitas drogas ilícitas entre a tripulação. É fato, o comércio de entorpecentes não só para o “mercado interno” das embarcações (tripulantes e passageiros), como também a utilização dos navios (carga e de cruzeiros) como transportadores de drogas entre portos nacionais e internacionais, como já é de conhecimento das autoridades nacionais e internacionais.
“Não temos dúvidas de que neste processo muitos tripulantes acabam sendo aliciados e arregimentados pelo narcotráfico. Temos diversos relatos de tripulantes com informações detalhadas sobre o grande consumo e o intenso tráfico de drogas no interior de navios e que muitas vezes são estimulados e acobertados por oficiais dessas embarcações”, diz a presidente da OVC, Rosângela Oliveira.
Casos emblemáticos como o da tripulante do navio MSC Musica, Camilla Peixoto Bandeira, filha de Rosângela, assassinada pelo também tripulante e namorado, Bruno Souza Bicalho, evidenciam o submundo do crime a que esses trabalhadores estão expostos. Segundo a família da vítima, Bruno cometeu o crime porque Camilla havia descoberto seu envolvimento com o tráfico de drogas e iria denunciá-lo às autoridades.
Outro caso de importante repercussão é o de Bruna Bayer Frasson, jovem tripulante do navio Costa Victoria, vítima de esquema mafioso do narcotráfico onde foi implantado droga em sua mochila por outro tripulante, que era seu namorado. Ela está presa desde março de 2012 em Barcelona na Espanha. Agora, mais recentemente, no navio MSC Magnífica, ocorreu o mesmo com Gabriel e Giselle, já citados nesta matéria. Tudo indica que eles foram retaliados por causa da fiscalização trabalhista brasileira feita neste mesmo navio, no porto de Salvador/BA, quando foram resgatados os 11 trabalhadores em condições análogas à de escravo.
“As circunstâncias das prisões, onde a denúncia às autoridades espanholas partiu do próprio comando do navio ainda em águas internacionais, levam a crer que as provas incriminando os tripulantes podem ter sido forjadas por motivos de represália do capitão italiano Giuseppe Maresca, que é alvo de gravíssimas denúncias de diversos tripulantes por maus tratos e assédio, entre outras”, finalizou Rosângela Oliveira.
Os detalhes deste caso e o pedido de ajuda consular e jurídica a estes jovens presos foram protocolados pelos familiares das vítimas em todos os ministérios.
Histórico - A O.V.C. é formada basicamente por familiares de tripulantes vítimas de navios de cruzeiros e há mais de dois anos denuncia os gravíssimos crimes e violação de direitos humanos que ocorrem dentro dos navios de cruzeiros internacionais que operam no Brasil.
Participaram do encontro na sede do Sinait nesta quinta-feira, 25, além da presidente do Sinait, Rosa Jorge, a Auditora Fiscal do Trabalho Jacqueline Carrijo, a presidente da OVC, Rosângela Bandeira Oliveira, o vice-presidente, Alexandre Ribeiro Frasson e Ilka Verão Falcão, integrante da OVC. Pela Conatrae, Luiz Carlos Vidal Maia e Camila Melo. Além do assessor do deputado João Paulo Lima (PT/PE), Luiz André Gomes de Araújo e a representante do Ministério Público Federal, Lisiane Portella.