Publicada em: 20/11/2020
Eles pulverizavam o veneno sem proteção e treinamento adequados para desempenhar as atividades no município de Oliveira Fortes
Por Lourdes Marinho, com informações da Detrae
Edição: Nilza Murari
Uma ação fiscal realizada por Auditores-Fiscais do Trabalho de Minas Gerais, em conjunto com um Procurador do Trabalho, um Defensor Público da União e Policiais Rodoviários Federais, resultou no resgate de dez trabalhadores de condição análoga à de escravos no município de Oliveira Fortes (MG). Os trabalhadores pulverizavam agrotóxicos com o uso de bombas costais em área de cultivo de mogno.
Os empregados estavam em condições degradantes de trabalho. No momento da inspeção, faziam aplicação do agrotóxico Roundup – glifosato, cuja classificação toxicológica é I-vermelha, ou seja, extremamente tóxico, sem quaisquer procedimentos de segurança.
A equipe de fiscalização constatou que os trabalhadores não foram capacitados para desempenhar as atividades de aplicação de agrotóxicos. Apenas algumas orientações foram passadas informalmente, como a necessidade de higienizar as mãos com água e sabão antes de fazerem as refeições. Também foram alertados que não poderiam utilizar o celular ou fumar enquanto estivessem aplicando o agrotóxico nas mudas de mogno.
Apesar de usarem máscaras respiratórias do tipo PFF 2 com filtro, para a aplicação dos agrotóxicos, os trabalhadores relataram que os filtros jamais haviam sido substituídos. “Os filtros apresentavam desgastes, ressecamento, cheiro de contaminantes, estavam frouxos, certamente com a capacidade de filtragem saturada, gerando uma falsa sensação de segurança aos trabalhadores”, explica o coordenador da operação, o Auditor-Fiscal do Trabalho Humberto Camasmie.
De acordo com ele, os riscos existentes na atividade eram completamente negligenciados pelo empregador, embora a atividade fosse realizada de forma habitual. O empregador sequer fazia o pagamento do adicional de insalubridade a que os trabalhadores têm direito.
Transporte e risco de contaminação
Os galões de agrotóxicos e bombas de aplicação eram transportados no mesmo veículo que levava os trabalhadores para as frentes de trabalho. Nessas kombis, em mau estado de conservação e com a capacidade máxima excedida, também eram levados seus pertences e mantimentos, que ficavam acondicionados dentro do veículo fechado, sob o sol, durante todo o período da manhã. Os trabalhadores relataram que uma kombi pegou fogo durante um deslocamento.
Segundo Humberto Camasmie, os produtos químicos apresentam alto grau de volatilidade, emanando gases e vapores tóxicos que permanecem concentrados no ambiente. Dentro da Kombi, por exemplo, poderiam contaminar os alimentos e outros produtos de higiene.
O uso de agrotóxicos de forma irregular, seja na manipulação, em qualquer uma das etapas de armazenamento, transporte, preparo, aplicação, descarte, e descontaminação de equipamentos e vestimentas, contribui para a caracterização de ambiente propício à ocorrência de acidentes de trabalho e agravamento de doenças ocupacionais relacionadas a essas substâncias.
Más condições nas frentes de trabalho
Nas frentes de trabalho, não havia local para protegerem-se das intempéries. Nas kombis, era comum existir uma lona que estendiam utilizando o próprio veículo, árvores e escoras de madeira, fazendo uma espécie de “cabana de índio”, para se protegerem das chuvas, que são frequentes nessa época do ano. Alguns trabalhadores contaram que, quando não havia jeito de amarrar a lona em algum suporte, assentavam no chão e jogavam a lona sobre suas cabeças, permanecendo nessa posição até a chuva passar.
A falta de gabinetes sanitários nos locais de trabalho obrigava os trabalhadores a satisfazerem suas necessidades fisiológicas a céu aberto, sem condições mínimas de saúde, higiene, conforto e privacidade.
Também não havia qualquer estrutura para os empregados fazerem suas refeições. Os trabalhadores procuravam a sombra de alguma árvore para comerem, o que faziam assentados no chão, ou em algum toco de madeira.
Cada trabalhador era responsável por providenciar sua água para consumo. O empregador não fornecia ou repunha água nas frentes de trabalho, embora a atividade realizada exigisse grande esforço físico, expondo-os ao calor e a intempéries como sol e chuva, o que exige o aumento da ingestão de água.
Higienização das roupas
O empregador não se responsabilizava pela higienização das vestimentas utilizadas pelos trabalhadores. Eles transportavam as roupas, diariamente, de casa para a frente de trabalho e desta para casa, onde faziam a higienização, geralmente no fim de semana. O trabalhador ou por alguém de sua família, em geral, lavava a roupa sem os cuidados recomendados, expondo-se aos produtos tóxicos.
Prevenção contra a Covid-19
Apesar da crise causada pela pandemia da Covid-19, que assola o País, o empregador não adotava quaisquer providências de prevenção à contaminação dos trabalhadores, como fornecimento de máscaras descartáveis, álcool em gel, descontaminação do veículo de transporte, procedimentos de segurança para o trabalho, dentre outras.
Rescisão
Nesta quinta-feira, 19 de novembro, os trabalhadores receberam, no total, R$ 67.354,94 em verbas salariais e rescisórias, e R$ 8.505,02 relativos ao FGTS. Além destes valores, o empregador firmou Termo de Ajuste de Conduta – TAC com a Defensoria Pública da União e Ministério Público do Trabalho, comprometendo-se ao pagamento de R$ 15 mil por dano moral coletivo.
Os Auditores-Fiscais do Trabalho também emitiram as guias de Seguro-Desemprego para o Trabalhador Resgatado. Eles receberão três parcelas do benefício correspondentes a um salário mínimo.
Mais providências
Os Auditores-Fiscais do Trabalho irão encaminhar cópia do relatório da fiscalização ao Ministério Público do Trabalho e ao Ministério Público Federal para as providências que entenderem cabíveis no âmbito de suas competências.