Declaração foi em audiência na CTASP. A Comissão vai criar uma subcomissão para acompanhar a alterações nas Normas Regulamentadoras
Por Lourdes Marinho
Edição: Nilza Murari
O presidente do SINAIT, Carlos Silva, disse que afrouxar as Normas Regulamentadoras - NRs e as sanções por seu descumprimento vai aumentar o alarmante quadro de acidentes e doenças do trabalho no Brasil. A declaração foi durante audiência pública promovida pela Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público - CTASP na Câmara dos Deputados nesta quinta-feira, 14 de agosto, para debater o processo de revisão das NRs de Segurança e Saúde do Trabalho, que está sendo realizado pela Secretaria Especial de Trabalho e Previdência do Ministério da Economia para atender interesses econômicos. A audiência foi requerida pelo deputado Tulio Gadêlha (PDT-PE), a pedido do SINAIT.
“Todos que estão conduzindo este processo serão responsáveis. Nenhum estará com a consciência livre quando o número de mortos aumentar no país”, declarou o representante dos Auditores-Fiscais do Trabalho.
Segundo o representante do governo na audiência, o Auditor-Fiscal do Trabalho Fernando Gallego Dias, a revisão tem como finalidade simplificar, modernizar e desburocratizar a ação da fiscalização.
Para Carlos Silva, é falaciosa a afirmação de que as NRs estão desatualizadas. “O histórico de revisão mostra suas atualizações e pode ser consultado no site do antigo Ministério do Trabalho, atual Ministério da Economia. A NR 37, por exemplo, acabou de ser elaborada e já vai ser revisada. Por que revisá-la se acabou de ser implementada?”, questionou.
O presidente do SINAIT entende que discutir modernização deveria partir do enfrentamento do que prejudica os trabalhadores e não do que os protege. Ele citou, como exemplo, dados da Organização Mundial de Saúde – OMS, que apontam a depressão como a doença do Século e que irá afastar milhões de pessoas do trabalho. “Discutir modernização deveria partir disso, e não está acontecendo isso”, criticou Carlos Silva, informando que o Brasil é o país da América Latina que tem mais trabalhadores doentes em razão da depressão.
Para o líder sindical, as NRs representam proteção ao trabalhador porque reúnem aspetos de SST e do meio ambiente de trabalho. Servem para proteger o trabalhador de ambientes agressivos que matam ou mutilam. Citou como exemplos o trabalho com agrotóxicos e nos lixões, entre outros.
O grande prejuízo desse trabalho, disse Carlos Silva, está na saída da competência da revisão da área técnica para a área política. “Há mais de 20 anos as normas são discutidas em comissões tripartites e essa sistemática, de deliberação tripartite, também está sendo afundada.” Informou que havia cerca de 30 comissões temáticas paritárias para promover o debate técnico de qualquer texto de propostas de alteração de normas. “Todas essas comissões foram extintas em uma canetada. Restou apenas a Comissão Paritária Permanente, que não tem natureza técnica. Tem natureza absolutamente política”, declarou.
Em relação à fiscalização do descumprimento das normas, que está sendo afrouxado, Carlos Silva disse que “norma que não tem para o descumprimento a previsão de sanção é norma descumprida e o que a gente tem que fazer é fiscalizar”.
Autuações
Dados apresentados por Carlos Silva na audiência revelam que nas últimas duas décadas a fiscalização notificou menos e regularizou mais. Isso derruba o discurso do governo, de que a revisão das NRs são para melhorar as relações econômicas prejudicadas pelo grande número autuações.
Em duas décadas, a fiscalização em SST realizou mais de 140 mil ações fiscais, alcançou mais de 16 milhões de trabalhadores, verificou 852 mil itens das NRs e apenas 6% desses itens foram autuados. 61% dos itens foram regularizados na ação fiscal e 12% foram notificados para serem regularizados.
Mais prejuízos
Carlos destacou a revisão das NRs 3 e 28 que tratam da competência de interditar e embargar e do processo de fiscalização e penalidades, respectivamente. “Nunca essas normas foram discutidas no processo tripartite porque não pode ter o fiscalizado discutindo como o agente da fiscalização vai agir. Estas normas estão sendo debatidas no ambiente tripartite. A NR 3 está afrouxando a obrigação do Auditor de interditar e embargar e está trazendo uma inovação da Nova Zelândia, absolutamente descolada da realidade brasileira para impedir o Auditor de interditar e embargar.”
MP 881
A aprovação da MP 881 também foi destacada por Carlos Silva como outra preocupação, que causará mais retrocessos ao mundo do trabalho. O fim de controle de jornada, aprovado pela MP, foi apontado por ele como iniciativa que contribuirá para aumentar o número de mortes por conta das jornadas excessivas, entre outras mazelas.
“Os Auditores-Fiscais do Trabalho, imbuídos de sua obrigação constitucional de garantir um ambiente livre de acidentes e doenças, jamais desistirão de defender sua atuação, de defender a norma, de defender o conjunto dos interesses dos cidadãos brasileiros e não de alguns, como está patente neste processo falacioso de modernização das NRs”, alertou Carlos Silva.
PDL e subcomissão
O deputado Bohn Gass (PT-RS) disse que apresentará um Projeto de Decreto Legislativo para derrubar o decreto do governo que determina a revisão das NRs. Para o parlamentar, a revisão não tem nada a ver com modernização e retira a fiscalização dos Auditores-Fiscais do Trabalho. “Tirem a palavra moderno. Não é moderno, é atraso”, protestou.
A presidente da CTASP, deputada Marcivania Flexa (PCdoB-AP), disse que a luta pela regulamentação do trabalho é de todos. E que as normas devem existir para regular a saúde e segurança do trabalhador. A parlamentar acolheu a sugestão do colega Bohn Gass e disse que vai criar no âmbito da CTASP uma subcomissão para acompanhar as Normas Regulamentadoras.
Bohn Gass informou ainda que o PLN 18 que tramita na Casa fala em cortar R$ 459 mil do orçamento da fiscalização de combate ao trabalho escravo, mas que a Comissão fará uma emenda para evitar o corte.
Ato de desagravo
Durante a audiência, Carlos Silva criticou o ataque aos Auditores-Fiscais do Trabalho, feito por meio de um vídeo que circula em redes sociais, em um perfil de Facebook atribuído ao presidente da República, Jair Bolsonaro. No vídeo, duas pessoas criticam a fiscalização pela quantidade de multas aplicadas em função das irregularidades constatadas. A fiscalização ocorreu no interior do Ceará, na atividade de extração da palha da carnaúba. A postagem é do dia 10 de agosto.
Os parlamentares que participavam da audiência saíram em defesa dos Auditores-Fiscais do Trabalho. “A autuação feita pelos Auditores-Fiscais do Trabalho, como foi demostrado aqui, não é regra, é exceção. É preciso desmistificar isso, que os Auditores são criminosos”, disse o deputado Túlio Gadelha, ressaltando que a categoria cumpre uma função muito importante para o País, na promoção do trabalho digno, e que sempre terá espaço na CTASP. “Acolhendo a sugestão da deputada Erika Kokay (PT-DF), a CTASP fará um ato de desagravo aos Auditores-Fiscais do Trabalho.”
Campanha em defesa das NRs
Erika Kokay também sugeriu que a CTASP, junto com as entidades que participaram da audiência, façam uma campanha em defesa das NRs. E que a Comissão apresente um requerimento de convocação do ministro da Economia, Paulo Guedes, para estabelecer um diálogo com a Casa para democratizar o instrumento de revisão das Normas Regulamentadoras.
Trabalho escravo
A representante da Anamatra, a juíza Luciana Paula Conforti, ressaltou a preocupação com a revisão da NR 31, que trata da segurança do trabalho na zona rural. A magistrada teme pela descaracterização do conceito de trabalho escravo.
Disse também que não viu nenhuma segurança jurídica na alteração da NR 1, porque, na verdade, a alteração trouxe desregulamentação e que desregulamentação aumenta a insegurança jurídica, sobretudo quando os fatos ocorridos levam o processo à Justiça. Lembrou que é um contrassenso a redução de segurança da NR quando se tem um aumento dos acidentes, mortes e afastamentos do trabalho com reflexos econômicos para a Previdência.
A NR 1 determina que as Normas Regulamentadoras, relativas à segurança e medicina do trabalho, tornam-se obrigatórias para todas as empresas privadas e públicas, além dos órgãos públicos da Administração direta e indireta, desde que possuam empregados regidos de acordo com a CLT.
Revisão responsável
A Auditora-Fiscal do Trabalho e representante da Confederação Ibero Americana de Inspeção do Trabalho – CIIT, Aida Cristina Becker, apontou a experiência da União Europeia como modelo para se fazer uma revisão responsável das Normas Regulamentadoras, especialmente no que se refere à proteção dos direitos sociais.
Entre as questões do mundo do trabalho atual que precisam de atenção especial, ela apontou a regulamentação das plataformas digitais, a questão do envelhecimento, substâncias perigosas, riscos psicossociais do trabalho, indústria 4.0, entre outros. “É um universo que a gente precisa conhecer e ter um diagnóstico, se a gente quiser ter uma legislação que faça frente ao que vem por aí”, argumentou Auditora-Fiscal.
Disse que a União Europeia recomenda a todos os países membros que invistam fortemente em saúde. Dados apresentados por Aida mostram que cada euro investido em segurança e saúde do trabalho tem um retorno de 2,2 euros. “Se reveste da maior importância a revisão das Normas, mas não se pode fazer de forma açodada. Precisamos fazer alterações que tenham fundamentos técnicos e que não estejam dissociadas da realidade”, finalizou.
Cobrança
Para o representante da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos - ABIMAQ, Lourenço Rightti, que participou da audiência, falta isonomia ao fabricante nacional. Ele cobrou do governo ação que evite a entrada ilegal de máquinas e equipamentos que não atendam às recomendações da NR 12, que regula o setor.
Acompanharam a audiência pelo SINAIT a vice-presidente Rosa Maria Campos Jorge, os diretores Vera Jatobá, Hugo Carvalho e Benvindo Coutinho e o delegado sindical Alex Myller.
Clique aqui para ver a entrevista dada, ao vivo, por Carlos Silva ao Agora na Câmara.