21 Set

Fiscalização: Colunista do Uol diz que pandemia congela processos e deve esvaziar "lista suja" do trabalho escravo

Publicada em: 21/09/2020

Por Lourdes Marinho

Edição: Nilza Murari 

Artigo veiculado na coluna do jornalista Leonardo Sakamoto, do UOL Notícias, no dia 18 de setembro, alerta para o esvaziamento da “Lista Suja” do trabalho escravo. De acordo com a matéria, os empregadores que foram flagrados com trabalho escravo em 2020 podem ficar fora da próxima atualização semestral do cadastro de empregadores responsabilizados pelo governo por usar esse tipo de mão de obra, prevista para ocorrer no mês de outubro. 

Por conta da pandemia, a notificação dos infratores pelo Correio e a análise da defesa dos empregadores estão suspensas. E sem isso, os nomes não serão conhecidos pela população. 

Segundo a matéria, de um lado, há uma medida correta tomada pelo governo tanto para evitar a propagação do coronavírus na sociedade quanto para garantir o direito de defesa de empregadores. Do outro, há a interrupção do processo de responsabilização, o que pode levar empregadores infratores à percepção de impunidade, o que dificulta a erradicação desse crime. 

A suspensão de prazos processuais para a apresentação de defesa e de recurso no âmbito dos processos administrativos originados de autos de infração trabalhistas foi decretado pelo artigo 28 da Medida Provisória 927/2020, editada por conta da pandemia. 

A MP perdeu a validade no dia 19 de julho. Contudo, a orientação foi mantida através de comunicação da Coordenação-Geral de Recursos, da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia. 

"Recomenda-se que não sejam enviadas, neste período sem atendimento normal, nenhuma comunicação via postal ao empregador. Da mesma forma, recomenda-se que não sejam feitas publicações no DOU [Diário Oficial da União] com demandas que impliquem em alguma providência a ser adotada pelo mesmo", diz ofício circular SEI nº 2.373/2020 enviado aos chefes das unidades regionais de multas e recursos. 

O ofício enviado pelo ministério afirma que, para que os processos voltem a correr, será necessário o retorno do expediente normal. 

Auditores-Fiscais em Superintendências Regionais do Trabalho, que conversaram com a coluna em condição de anonimato, explicam que a análise dos autos pode ser feita de forma remota, em casa – prática já adotada mesmo antes da pandemia. O problema são as notificações. 

As decisões que julgam a procedência das autuações não demandam presença das partes, apenas o recebimento das defesas ou recursos administrativos. A dificuldade é que os processos não são digitalizados em sua maioria. É como um cartório grande, em que são necessários Auditores-Fiscais e técnicos para movimentar o processo. 

"Lista Suja" do trabalho escravo desidratada

Após Auditores-Fiscais do Trabalho realizarem operações que verificam denúncias de escravidão contemporânea, empregadores são autuados. Hoje, a comunicação dos autos não está sendo feita, nem pela sede do Ministério da Economia – que ficou com as responsabilidades do antigo Ministério do Trabalho –, nem pelas Superintendências Regionais de Trabalho. 

Mesmo nos casos que já tramitavam antes, quando o auto de infração conseguiu chegar ao seu destino, o empregador não consegue entregar sua defesa em âmbito administrativo porque a área responsável pela tramitação e julgamento está parada. 

Criada em novembro de 2003, a "Lista Suja" do trabalho escravo foi considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal em julgamento encerrado na último dia 14 de setembro. Veja aqui, matéria do SINAIT sobre este assunto. 

O relator do caso, ministro Marco Aurélio Mello, destacou que um nome vai para a relação apenas após um processo administrativo com direito à ampla defesa. E é esse processo que está interrompido neste momento. Desde março de 2017, as atualizações semestrais da "Lista Suja" do trabalho escravo trouxeram quase 50 novos nomes, em média. 

De acordo com a matéria, as superintendências poderiam ser adaptadas para receber a defesa dos empregadores. A questão é que elas não realizam apenas esse tipo de atendimento, mas outros que envolvem um número maior de interações, como questões ligadas ao Seguro-Desemprego, por exemplo. 

Libertações de escravizados continuam ocorrendo na pandemia

Inicialmente, as operações de verificação de denúncias e resgates de trabalhadores haviam sido interrompidas para evitar que os grupos de fiscalização, formados por Auditores-Fiscais do Trabalho, procuradores do Trabalho, procuradores da República, policiais e defensores públicos fossem vetores de contaminação e eles próprios se contaminassem. 

Contudo, o serviço não parou. Vale lembrar que a exploração de trabalhadores escravizados é uma prática criminosa e, portanto, se aproveita da ausência do poder público para prosperar. Dados do Ministério da Economia mostram que trabalho escravo é usado, por exemplo, no desmatamento ilegal da Amazônia e do Cerrado. 

No primeiro semestre deste ano, momento de pico da Covid-19 no Brasil, 231 pessoas foram libertadas do trabalho escravo em 45 operações realizadas tanto pelos grupos de fiscalização móvel, que respondem diretamente a Brasília, quanto pelas estruturas da Fiscalização do Trabalho nos Estados. A pandemia reduziu um pouco o número de operações em relação ao mesmo período no ano passado – 52, que resgataram 232 pessoas. Os dados são do Radar da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho – SIT. 

Desde 1995, quando foi criado o sistema de combate ao trabalho escravo no país, mais de 55 mil pessoas foram oficialmente resgatadas pelos Auditores-Fiscais do Trabalho. 

Processos por outras infrações também foram prejudicados

Auditores-Fiscais do Trabalho afirmam que continuam sendo convocados para realizar ações urgentes relacionadas à Covid-19 – o que inclui a verificação de fraude no Benefício Emergencial ou requisições da Justiça do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho. 

A questão de trabalho escravo é considerada uma situação emergencial, uma vez que a notificação e o trâmite do processo administrativo são também fundamentais para que o empregador não volte a cometer a mesma infração. 

Leia íntegra da coluna Blog do Sakamoto, no Uol, aqui.​