De 2003 a 2009 foram realizadas três fiscalizações e encontradas irregularidades trabalhistas. Inquérito do MPT aberto a partir da remessa dos Relatórios de Inspeção constatou as irregularidades, que foram sanadas, motivando o arquivamento do processo
Por Lourdes Marinho e Nilza Murari
Edição: Nilza Murari
O jornal Folha de São Paulo publicou nesta quarta-feira, 25 de julho, uma entrevista com o ministro do Trabalho, Caio Luiz de Almeida Vieira de Mello, concedida aos jornalistas Daniel Carmargos e Ana Magalhães, da ONG Repórter Brasil. A entrevista foi feita em razão de notícia veiculada no dia 24, assinada pelos mesmos repórteres, informando sobre fiscalizações realizadas na fazenda do ministro, em Minas Gerais, que resultaram em 24 autos de infração – veja matéria.
Na entrevista o ministro faz acusações de perseguição política por parte da fiscalização e afirma que os Auditores-Fiscais do Trabalho erraram, pois as irregularidades nunca existiram. Segundo Caio Luiz Veira de Mello, isso teria sido comprovado por uma perícia do Ministério Público do Trabalho - MPT, em procedimento de investigação aberto a pedido dele.
Mais grave, o ministro faz uma ameaça à instituição: de “desmoralizar a Auditoria-Fiscal do Trabalho” mostrando o resultado da perícia do MPT. Mais à frente, diz que as condições da fiscalização são precárias e que ele vai “soltar uma medida de impacto para valorização do trabalho deles, mas uma forma de tornar mais efetiva essa fiscalização”. As duas declarações revelam incoerência e falta de ética, ao atacar seu próprio corpo funcional, com o agravante de não estar dizendo a verdade sobre os fatos.
As fiscalizações foram realizadas pela Gerência Regional do Trabalho de Varginha (MG) em abril de 2003, setembro de 2006 e agosto de 2009. Em todas foram constatadas irregularidades trabalhistas, o que pode ser verificado nos Relatórios de Inspeção do Trabalho. A fiscalização encontrou falhas de segurança e de higiene na Fazenda Campestre, entre estas as condições de moradia dos empregados perto da baia dos animais, o não fornecimento de Equipamento de Proteção Individual - EPI para os trabalhadores e a precariedade das instalações elétricas, o que poderia causar acidentes.
Os autos de infração revelam ainda que era permitido o livre acesso dos trabalhadores ao depósito com agrotóxicos, que ficava perto do refeitório dos empregados, o que é proibido pelas Normas Regulamentadoras - NRs de saúde e segurança do trabalho, por oferecer riscos de contaminação.
Todas as irregularidades foram autuadas pela fiscalização, gerando multas de R$ 46 mil. O ministro, dono da propriedade, pagou as multas, apesar da alegação de que não havia irregularidades e de que os empregados não eram de sua fazenda. Afirmou que em razão de seu cargo no Tribunal Regional do Trabalho – TRT da 3ª Região decidiu não enfrentar a questão na justiça por questões éticas de hierarquia. Para o presidente do Sinait, Carlos Silva, o ministro abriu mão de um direito legítimo de todo cidadão, que é se defender quando se sente injustiçado. “Não vislumbramos a questão ética que o caso envolve”, comenta.
Caio Luiz Vieira de Mello diz, na entrevista, que pediu ao Ministério Público do Trabalho uma perícia, que teria comprovado que não havia irregularidades trabalhistas na fazenda. O Sinait teve acesso aos Relatórios de Inspeção do Trabalho e também aos documentos do Inquérito Civil aberto pela Procuradoria do Trabalho em Varginha (MG). A investigação foi instaurada em razão da remessa dos Relatórios de Inspeção do MTb ao MPT, o que é praxe. O ministro foi chamado a apresentar documentos e esclarecimentos. Os procuradores julgaram que não havia provas suficientes, quando da análise do inquérito, e determinaram uma diligência na fazenda, que constatou que algumas irregularidades foram sanadas e outras não. Foi concedido prazo e tudo foi regularizado, isso em 2011. Em momento algum as fiscalizações e os autos foram contestados pelo Ministério Público. O inquérito foi arquivado depois de todos os problemas terem sido resolvidos.
Em 2009 a fiscalização encontrou dois trabalhadores rurais que estavam trabalhando há dois anos sem registro em Carteira de Trabalho e, portanto, sem o pagamento de direitos trabalhistas como FGTS, INSS e férias remuneradas. O ministro do Trabalho disse aos jornalistas da Repórter Brasil que não eram empregados dele, mas de um “vizinho”. Durante a investigação do Inquérito Civil, o MPT constatou que havia duas propriedades, a Fazenda Campestre e o Haras AVM Agropecuária Ltda, de fato, vizinhas, mas dos mesmos donos. O MPT concluiu que era propriedade única, não sendo possível estabelecer a divisa e que os empregados prestavam serviços para os dois estabelecimentos.
O Sinait vê na atitude do ministro uma deliberada tentativa de desqualificação da atuação da Auditoria-Fiscal do Trabalho. A fiscalização é estritamente pautada pela legislação, incluindo tratados e acordos internacionais. As infrações de higiene e segurança encontradas pelos Auditores-Fiscais do Trabalho na fazenda do ministro constam da Norma Regulamentadora NR-31, norma específica que regulamenta o trabalho rural desde 2005 e é considerada um marco na fiscalização, pois define os critérios avaliados nas autuações.
Diante do esclarecimento dos fatos, amplamente documentados pelos Relatórios de Inspeção, por fotografias do local e pelos documentos do Inquérito Civil do MPT, o Sinait considera imprescindível que o ministro do Trabalho faça uma reavaliação da forma como expôs os fatos em sua entrevista, admitindo seus equívocos no caso.
Sinait envia correspondências à SIT e ao MPT
O Sinait enviou, no final da tarde desta quarta-feira, correspondências ao secretário de Inspeção do Trabalho, Cláudio Sechin, e ao Procurador-Geral do Trabalho, Ronaldo Curado Fleury, já que, na entrevista, o ministro do Trabalho implicou também o Ministério Público do Trabalho.
Depois de expor os aspectos que considera mais graves na entrevista concedida pelo ministro, o Sinait solicita a Sechin que tome as providências cabíveis e faça a defesa institucional da Inspeção do Trabalho, da honra e da imagem do coletivo de todos os Auditores-Fiscais do Trabalho atacados.
Ao Procurador-Geral do Trabalho o Sinait dá conhecimento das declarações do ministro e seus efeitos prejudiciais sobre a Inspeção do Trabalho, uma vez que foram atacadas a honra e a imagem do coletivo da categoria. Além disso, pede que sejam trazidas todas as informações sobre a atuação do MPT no caso da fiscalização na Fazenda Campestre.
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