Empresa suspendeu o uso de helicópteros e ignorou posicionamento de auditoria independente sobre o grau de risco das barragens interditadas por Auditores-Fiscais do Trabalho há mais de um ano
Por Dâmares Vaz, com informações da SRT/MG e do MPT/MG
Edição: Nilza Murari
Uma liminar deferida no dia 18 de outubro, em Ação Civil Pública – ACP ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho – MPT em Minas Gerais, obriga a Vale a cumprir medidas que garantam a proteção e segurança de empregados que atuam na realização de atividades emergenciais no Complexo da Mina de Fábrica, em Ouro Preto (MG). Tanto as barragens quanto as minas e as atividades de extração e de beneficiamento do minério estão interditadas. As barragens, desde 2019, por determinação da Auditoria-Fiscal do Trabalho em face de risco de rompimento, classificado como nível 3, o maior. O restante do complexo está sob interdição da Agência Nacional de Mineração – ANM.
Na ACP, os procuradores do Trabalho destacaram que, em razão da interdição determinada pelos Auditores-Fiscais do Trabalho no Complexo da Mina de Fábrica, e também em outras barragens em situação similar, as atividades imprescindíveis à correção da situação de grave e iminente risco estavam rigorosamente condicionadas à comprovação explícita da garantia de condições de segurança e saúde aos trabalhadores envolvidos.
O que ocorreu foi que a Vale tentou elevar a caracterização do nível de segurança da barragem, mesmo sem cumprir as medidas determinadas por diversos órgãos públicos, a fim de poder empregar trabalhadores a pé nas intervenções de reparo na estrutura. A empresa contrariou inclusive a auditoria independente, a Rizzo International, que também entendeu que a Vale não poderia alterar o nível de segurança para 2, pois nenhuma medida efetiva foi adotada para reduzir a insegurança nas estruturas.
No nível 3, todas as intervenções vinham sendo feitas por trabalhadores em rapel, a partir de um helicóptero, em cumprimento à Norma Regulamentadora – NR 3, que trata de Embargo e Interdição. Em caso de acidentes, como o rompimento da estrutura, os empregados podem ser imediatamente içados pelo veículo. “A NR 3 determina que intervenções na barragem podem ser feitas desde que garantida a segurança dos trabalhadores. Mas a Vale queria mudar a forma de trabalho”, explica o Auditor-Fiscal do Trabalho Daniel Dias Rabelo, coordenador do Projeto Mineração da Superintendência Regional do Trabalho de Minas Gerais - SRT/MG e Chefe do Setor de Planejamento, Avaliação e Controle da Segur/MG.
O Auditor-Fiscal complementa que todo o trabalho referente às barragens tem sido feito conjuntamente por órgãos como a Fiscalização do Trabalho, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Estadual, as auditorias independentes contratadas pela Vale por imposição do MP estadual, e a Agência Nacional de Mineração. “Tudo o que auditorias independentes identificam é encaminhado aos órgãos. Com base nesses relatórios da auditoria independente, que relatava que não concordava com o que estava sendo feito pela Vale, foi tomada a decisão pelo ajuizamento da ACP”, relata Daniel.
Ele pontua ainda que, depois da interdição das barragens pela Inspeção do Trabalho, foram feitas vistorias da construção de contenção no caso de rompimento da estrutura, além da análise de documentos relacionados ao barramento. “Até então, as determinações da Auditoria-Fiscal do Trabalho estavam sendo observadas. A principal era a retirada de trabalhadores da zona de risco no caso de rompimento da barragem. A construção do muro de contenção em caso de rompimento está sendo feita com uma suspensão parcial da interdição, concedida para esse fim específico, sob normas próprias”, explica.
Na liminar concedida, o juiz do Trabalho substituto Henrique Macedo de Oliveira, que prontamente deferiu a antecipação de tutela requerida pelo MPT, ressaltou que “a valorização do trabalho humano (art. 170, caput, da CRFB) passa, precipuamente, pelo respeito à dignidade (art. 1º, III, da CRFB). Para que se alcance tal desiderato no âmbito das relações de trabalho – partindo-se de uma concepção horizontalizada dos direitos fundamentais – é necessário, além de outras atuações positivas, que o empregador tome todas as providências cabíveis para reduzir os riscos inerentes ao trabalho”.
Em caso de descumprimento das obrigações impostas na liminar, a Vale estará sujeita a pagar multa diária de R$ 3 milhões por trabalhador prejudicado, a ser revertida a um fundo destinado à reconstituição dos bens lesados, conforme previsto no art. 13 da Lei nº 7.347/1985, indicando-se o Fundo Especial do Ministério Público do Estado de Minas Gerais – Funemp.
Segurança
Para conseguir melhorar a classificação de segurança, a Vale terá que observar diversas determinações da Auditoria-Fiscal do Trabalho, do Ministério Público do Trabalho e do Ministério Público estadual.
Dentre as obrigações impostas, retomar o apoio de helicóptero para realizar atividades de inspeção, monitoramento, manutenção e correção de anomalias nas barragens de Forquilhas I, II e IV da Mina de Fábrica, na zona de autossalvamento – ZAS, ou adotar medidas de segurança laboral previamente aprovadas pela auditoria externa independente Rizzo. Além disso, abster-se de realizar quaisquer atividades presenciais executadas por trabalhadores, bem como de permitir o acesso e/ou permanência de trabalhadores na ZAS das barragens do Complexo Mina de Fábrica sem adoção de medidas de proteção laboral expressamente recomendadas ou em condições expressamente desaconselhadas pela auditoria externa independente.
“Essas medidas de segurança são imprescindíveis para garantir a devida proteção aos trabalhadores e foram previstas pela própria empresa, em um plano de segurança entregue em março de 2020”, afirmou o MPT na petição da ação. A ACP tramita do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, sob o nº 0010977-34.2020.5.03.0069.