Por Andrea Bochi e Dâmares Vaz
Edição: Nilza Murari
Auditores-Fiscais de todo o país participaram de um ato público na Câmara dos Deputados nesta quinta-feira, 19 de outubro, pela revogação da Portaria nº 1.129/2017, editada pelo Ministério do Trabalho no dia 16 de outubro, que desmantela o conceito de trabalho escravo contemporâneo, coloca entraves à fiscalização do trabalho e destrói a credibilidade da Lista Suja, o cadastro de empregadores que submeteram trabalhadores a condições análogas às de escravos. O protesto foi convocado pelo deputado Alessandro Molon (Rede/RJ), que também é autor de um Projeto de Decreto Legislativo – PDC nº 791/2017 para sustar a portaria. Até agora, quase 15 PDCs com o mesmo objetivo foram apresentados.
Realizado no Salão Verde da Câmara dos Deputados, em Brasília, o ato contou ainda com a presença dos parlamentares Aliel Machado (Rede/PR), Érika Kokay (PT/DF), Júlio Delgado (PSB/MG), Paulo Teixeira (PT/SP) e Pepe Vargas (PT/RS), representantes dos magistrados do Trabalho e procuradores do Trabalho. A cobertura da imprensa foi ampla.
O presidente do Sinait, Carlos Silva, ressaltou os principais aspectos que dificultam o combate ao trabalho escravo trazidos pela Portaria 1.129. Segundo o dirigente, na avaliação dos Auditores-Fiscais do Trabalho, o instrumento liberaliza o trabalho escravo no país, chegando a revogar a Lei Áurea. Ele destacou que o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, decidiu rasgar a Constituição Federal, o Artigo 149 do Código Penal e Convenções da Organização Internacional do Trabalho – OIT ratificadas pelo Brasil. “O único objetivo disso foi atender ao pedido da bancada ruralista que tem interesse no conceito reduzido de trabalho escravo que a portaria traz”, alertou o presidente.
Carlos Silva acrescentou que os Auditores, a partir da publicação da portaria, estão atuando em completa insegurança jurídica, uma vez que a Secretaria de Inspeção do Trabalho - SIT emitiu Memorando Circular orientando os Auditores-Fiscais do Trabalho a não seguirem as regras ditadas pela portaria, por serem inconstitucionais.
De acordo com o presidente do Sindicato, as atividades de fiscalização do trabalho escravo estão paralisadas em todo o país, e assim ficarão até que o ministro revogue a medida. Além disso, Carlos Silva relatou que o ministro tomou iniciativas que ferem a autonomia da Inspeção do Trabalho. “Não é um ministro que deve conduzir os atos próprios da realização e execução da Inspeção do Trabalho, mas, sim, a Secretaria de Inspeção do Trabalho”, explicou.
“Desde a sua criação, há 126 anos, jamais os Auditores-Fiscais do Trabalho precisaram de uma outra autoridade para levar adiante as suas ações, mas o ministro determina agora que um Boletim de Ocorrência será necessário para isso, tentando manchar a honra dos Auditores-Fiscais do Trabalho”, indignou-se o representante sindical. E acrescentou que as ações são formadas em verificações especificadas em relatórios robustos, em que são constatados a jornada exaustiva, a servidão por dívida, o trabalho forçado. “Não é partidarismo, é a realidade das fazendas de escravagistas em todo o país”.
A publicação da Lista Suja foi retirada, pelo ministro, da área técnica do Ministério do Trabalho e colocada sob sua responsabilidade. “A publicação ficará a cargo do seu gabinete e não sabemos se será fidedigna às informações colhidas pelos Auditores-Fiscais do Trabalho, caso seja mesmo publicada”, alertou Carlos. E continuou: “isso é um absurdo praticado por um ministro do Trabalho, mas os Auditores-Fiscais não vão deixar de cumprir sua missão e paralisaremos nossas atividades na próxima quarta-feira, 25 de outubro”, informou. Ele reforçou que a mobilização da categoria será intensificada até que a portaria seja revogada.
Para Molon, a portaria é uma tentativa do presidente da República de agradar bancadas de deputados em troca de votos para barrar na Câmara dos Deputados mais uma denúncia. Ele falou do PDC para revogar a medida e que irá pressionar os deputados a votar a matéria. Para ele, a portaria reinstitui a escravidão no país. “Mas a sociedade brasileira e os parlamentares que honram seu mandato não vão permitir que a liberdade e a dignidade do povo brasileiro sejam negociadas.”
O deputado cumprimentou os Auditores-Fiscais do Trabalho pela resistência aos retrocessos, numa mobilização nacional de repúdio ao desmantelamento das políticas de enfrentamento do trabalho escravo. “Essa portaria consegue o que ruralistas da Câmara não têm logrado, que é reduzir o conceito de trabalho escravo tirando as condições que realmente caracterizam o crime, que são jornada exaustiva e condições degradantes. O Executivo usurpa ainda a função do Parlamento de legislar. Mas não vamos tolerar isso.”
Molon afirmou que solicitou a Rodrigo Maia, presidente da Câmara, para colocar em votação a urgência para o PDC, o que será defendido também na próxima semana junto ao Colégio de Líderes.
O PT na Câmara fez a transmissão do ato ao vivo pelo Facebook e o arquivo de vídeo pode ser conferido na página no partido – confira aqui.